Memória Almanaque (Edição 61, de 1994)
Jailson Júnior
Poeta e escritor
Introdução
O Almanaque é, sem sombra de qualquer dúvida, um dos veículos históricos mais importantes que Parnaíba possui a honra de ter como seu. Fundado em 1924, o referido documento teve, em seus primeiros 17 anos, os cuidados paternos de seu criador Benedito dos Santos Lima, o famoso Bembém. Contendo anúncios e agregando os mais diversos literatos de nossa cidade e região, o Almanaque se seguiu até o ano de 1941, quando Bembém transferiu seus cuidados a Ranulpho Torres Raposo, empresário de renome que prosseguiu a missão de continuar moldando a identidade do periódico. Raposo editou ininterruptas 40 edições, entre 1942 e 1982. Com o falecimento deste, no mesmo ano, a publicação sofreu um relativo hiato, na falta de alguém que assumisse o papel de dar continuidade ao trabalho já consagrado de Lima e Torres Raposo. No espaço dos próximos 12 anos, foi produzida uma única edição, editada pelo sociólogo Manoel Domingos Santos, neto de Raposo, em 1985.
Vendo a necessidade de se continuar o legado desse importante veículo cultural da cidade, os descendentes de Torres Raposo, herdeiros do Almanaque, transferiram sua titularidade sem nenhum ônus para a Academia Parnaibana de Letras no ano de 1994, que o ressuscitou, transformando-o em sua revista oficial. Desde então, o Almanaque ganhou mais 12 edições, estando em sua 72° edição (esta última, na data desta publicação, já finalizada e impressa).
No curso dessa coluna, farei, com humildade e afinco, uma análise de seu conteúdo a partir da edição 61, de 1994, já editada pela APAL e impressa pela Editora Gráfica da UFPI. Com humildade, pois, não sendo um longevo pesquisador, ainda me faltam os passos e os olhos de cientista que são apurados pelo exercício e lapidados pelo tempo. Com afinco, porque sei que tenho em mãos a própria história viva e escrita, que atravessa os tempos, as gerações de mulheres e homens que se dedicam a construir a literatura da cidade, mesmo que involuntariamente, e que deixam sua marca no fino riscar do tempo lhes concedido.
Almanaque 61°
Iniciando o volume 61, o então reitor da UFPI, Charles Camilo da Silveira, orgulha-se do avanço que a universidade, criada por lei em 1971, havia alcançado até aquele momento. A instituição apoiou a reimpressão do Almanaque produzindo os exemplares daquele ano em sua gráfica. Logo em seguida, o ressurgimento do Almanaque foi ufanizado pelo então presidente da APAL, Lauro de Andrade Correia, que, brilhantemente, comparou esse feito com a Fênix, ave mitológica que renasce das próprias cinzas, mais bela e mais forte.
Em seguida, merecem alusão os símbolos municipais: Hino, Armas, Bandeira e Selo, instituídos a partir de projetos do então prefeito Lauro Correia, contendo a íntegra das Leis que regulamentam cada um desses símbolos. Renato Castelo Branco cita quatro figuras singulares em sua crônica, o Padre Roberto, a humilde beata D. Gracinha, o místico intelectual Alarico da Cunha e a misteriosa candomblecista D. Ana Calango, que para ele seriam, cada um à sua maneira, “As quatro versões de Deus”, título de seu texto.
O renomado Assis Brasil figura logo após com seu conto “Uns dentes para Sarita”, decantando em miúdos mais um dia na vida de uma família sertaneja que vê na cidade grande uma oportunidade de mudar de vida. Manoel Domingos, o mesmo editor de 1985, neto de Torres Raposo, lembra o desprezo do avô pelo Beira Rio, Beira Vida de Assis Brasil, descobrindo, durante a furtiva leitura da obra, o porquê do rechaço daquele pelo romance mais conhecido de Assis.
Do já saudoso Fontes Ibiapina, foi incluído o capítulo Insurretos de seu livro Pedra Bruta, trazendo memórias de infância do pequeno Nonon com sua família e os Revoltosos Gaúchos. Na seara mais historiográfica, Pádua Ramos elenca vários argumentos que justificam o subdesenvolvimento secular do Piauí em relação a outros entes da Federação. Em seguida, entre as páginas 39 a 44, fotos do acervo particular da família Lima dos Santos e de Alcenor Candeira Filho trazem uma Parnaíba saudosa de lugares, memórias e prédios, alguns deles existentes até os dias de hoje. Fotos desse mesmo acervo retornarão a aparecer em outros momentos.
O mesmo Alcenor prossegue, relatando sua labuta em ler o complexo Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Lendo-o e versificando-o, descobre, em correspondência com o já citado Renato Castelo Branco, que trabalham, sem saber, na mesma sintonia, este também poetizando o magnum opus de Rosa. Por ocasião disso, publicam no mesmo ano de 1993 a obra Poemas do grande sertão, expondo seus versos. Alcenor completa o relato expondo seus 433 versos sobre o romance de Riobaldo Tatarana.
Novamente, Lauro Correia, em um artigo sobre Parnaíba, remonta há 30 anos antes, citando a época em que foi prefeito da cidade e abordando aspectos pertinentes ao seu mandato, e Vitor Couto segue a obra abordando em mais um artigo o necessário tema do Meio Ambiente, na época abordado pela camisa ECO-92, trazendo iniciativas que já ocorriam quanto à conscientização das pessoas ao tema e em como o desmatamento afetava/afeta diretamente o ecossistema do Delta do Parnaíba.
Pádua Ramos retorna com mais um conto, Era proibido fumar no Paraíso, onde remonta a uma saudosa Parnaíba de sua juventude, que se concentrava para ver os filmes no Cine Éden. Segue-se a este
12 poemas de nomes já falecidos, a saber: Luiza Amélia de Queiros, Alarico da Cunha, Oliveira Neto, Monsenhor Roberto Lopes, Thomaz Catunda, Jesus Martins, Berilo Neves, R. Petit, Jonas da Silva, Edson Cunha, Vincente Araújo e Paulo Veras.
No artigo do professor Francisco Filho, há uma passagem embasada em pesquisas pelos momentos econômicos os quais viveu a cidade. Logo após, um poema romântico e saudoso de autoria de Jorge Carvalho, intitulado Lila. Em Parnaíba e seus dogmas, Fernando Ferraz problematiza a velha retórica das elites locais, que sobrevivem do velho discurso de um lugar que tudo “já teve” e hoje estacionou-se no tempo. Em seguida, o jornalista Batista Leão remonta à origem das esquetes do que hoje são as Academias de Letras, passando pela Francesa, Brasileira, Piauiense e, finalmente, a Parnaibana.
Logo após, 16 fotos de pontos da Parnaíba são registrados na coluna Ensaio Fotográfico, de lugares que guardam em si a história da cidade e suas nuances. Em seguida, Reginaldo Santos Furtado destaca, em texto esclarecedor, a trajetória do engenheiro parnaibano José Mariotte de Lima Rebelo, secretário de Obras Públicas do governo piauiense (dentre muitos outros cargos ocupados), que ajudou a sonhar, projetar e idealizar obras como a barragem Boa Esperança, o Porto de Luis Correia, e que, em muitos artigos publicados, demonstrava amplo conhecimento de como colocar em prática tais obras citadas, primando pelo desenvolvimento de nossa cidade.
Em Parnaíba – Norte do Piauí, Danilo Melo Souza atenta para a estagnação sofrida pela cidade com a decadência no comércio fluvial sofrida no pós Segunda Guerra Mundial, e em como isso afetou diretamente a produção artística de até então, destacando alguns movimentos esparsos que ocorreram até aquela data. Israel Correia relata logo em seguida todo o contexto envolto em seu primeiro livro de poesias, intitulado Templário, em alusão à Ordem dos Templários, irmandade criada em Jerusalém, em 1119. Boa parte dos poemas de sua obra, segundo Correia, são odes a esses guerreiros, seus feitos e seu legado. Completa ainda com 4 poemas extraídos do livro, de títulos Templário, Viageiro, Gnose e Opsis.
O renomado médico Cândido Athayde ressalta a importância da Santa Casa de Misericórdia de Parnaíba, hospital que, em 1994, contava com 98 anos de existência, relatando breve histórico desse que ainda é “O mais velho Hospital do Piauí” (título do artigo). Em seguida, mais 12 imagens integram o corpo dessa salutar obra, destacando outros pontos convergentes da história secular dessa terra. Em mais uma análise metalinguística de nosso país, Marc Jacob, em “Por que não nós”, põe sua ótica refinada em analisar aspectos de um Brasil atrasado e de escolhas duvidosas. Na página 123, Jeanete de Moraes Souza traz sua leve e bem talhada poesia, nos textos Pedra do Sal e Envelhecer.
Sólima Genuína, filha do já citado Bembém, traz um memorial da vida e trajetória do Cel. Epaminondas Castelo Branco, homem culto de seu tempo, político atuante e cidadão engajado por Parnaíba. Em seguida, o quadro social dos acadêmicos em 28/02/1994, que até então contava com os iniciais 35 assentos imortais. Elmar Carvalho, em seu texto, exalta a biografia e a poética de Alcenor Candeira Filho, seu confrade. Wilton Porto, após breve histórico sobre a obra aqui dissecada, publica seis breves artigos que publicou no jornal Tribuna do Litoral, em texto intitulado Conflitos Sociais – causas e efeitos.
Christina Moraes Souza prossegue destacando a inércia dos poderes públicos em investir em educação de qualidade e em como isso afeta as classes pobres, destacando o MOBRAL (1972) e o PROJETO PARNAÍBA (1989). O saudoso Rubem Freitas destaca a figura do lendário Cajueiro Humberto de Campos, eternizado por esse filho adotivo de Parnaíba em sua crônica Um amigo de infância, enxertada em parte no seu texto. Cita também o comemorado centenário de Humberto (1986) e o centenário da árvore, que ocorreria dali a dois anos (1996). Em seguida, 6 poemas ufanistas sobre nossa cidade são colocados, sendo Porto salgado, de Israel Correia, Terra Mater, de Jonas da Silva, XVIII.Parnaíba, de Alcenor Candeira, Parnahyba, de Danilo Souza, Praça de Santo Antônio, de Jorge Carvalho e Balada da Praça da Graça, de Elmar Carvalho.
A também saudosa Edmeé Rêgo de Castro relata um breve histórico e as qualificações técnicas da praia de Pedra do Sal. Dona Lígia Ferraz segue o Almanaque homenageando a também educadora, como ela, professora Maria da Penha Fonte e Silva, fundadora da APAL, que havia partido desta vida há pouco tempo. Carlos Araken, em um Certo Doutor Athayde, exalta a biografia, árvore genealógica e feitos do já citado dr. Cândido Athayde, renomado médico parnaibano.
Na crônica Virgenzinhas Dolarizadas, Vitor Couto destaca a figura de Benedito, pai de sete filhos que sofre um acidente após ser assustado por adolescentes que buzinaram sem ele perceber para assustá-lo. José da Guia Marques segue com seu artigo Uma Igreja a Serviço do Colonialismo, destacando como se deu a participação da Igreja Católica no processo de colonização de nosso país. A chegada do trem de ferro ao Piauí é mostrada em detalhes pela historiadora Maria Cecília Silva Nunes, ao mesmo tempo em que destaca como aquele acontecimento repercutiu no imaginário das pessoas mais simples que aqui moravam na primeira metade do século XX. Seguindo a série, mais 9 fotografias de pontos importantes de nossa cidade são colocadas.
Orfila Lima dos Santos contribui para o Almanaque com o discurso que realizou no lançamento do livro “Benedito dos Santos Lima – Intelectual Autodidata”, encabeçadopela Academia, homenageando seu pai, o criador do periódico aqui analisado. O secretário de educação da época, Canindé Correia, aproveita o espaço para esclarecer à população o que estava sendo feito pela gestão municipal pela educação pública parnaibana, citando objetivos, dados e diretrizes.
O padre Claudio Melo, ancorado em robusta bibliografia, traceja os caminhos que levaram os portugueses a privilegiar o povoamento do Norte piauiense em detrimento do Sul, levando em conta o potencial comercial e portuário do qual a região até então gozava.
E o material que encerra a primeira edição do Almanaque editado pela APAL foi o Anuário Parnaibano de 1993, periódico que funcionava como uma ficha técnica de cada ano da cidade de Parnaíba, trazendo um apanhado geral de tudo o que dispunha a cidade, entre quantidade de escolas, templos religiosos, quadro de prefeito e secretários, vereadores, órgãos de saúde, entre múltiplas outras informações pertinentes que devem ser de conhecimento público. O Anuário foi organizado e publicado pelo então professor da UFPI Campus Parnaíba e acadêmico da APAL, o saudoso professor Francisco Iweltman Mendes.
Texto publicado originalmente na edição 152 de O Piaguí, em janeiro de 2021.
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