O lobisomem
Hermes Vieira (1911 - 2000)
Vosmincê, doutô, conhece,
Ou já viu falá no nome
Desse bicho que aparece
Nos camim quando anoitece,
Qui se chama lubisomem?
Esse bicho qui é chamado
Desse nome e fáiz pavô,
Muntos conta qué virado
De cumpade amancebado
Cum cumade, seu dotô.
E quando ele vai virá
O dimõi nesse figura,
Pra ninguém num bisservá,
Sai de casa, divagá,
Quinta-fêra, noite iscura.
Vai dereito a um ispojêro
Dos mais perto qui tivé;
Tira a roupa e cai ligêro
Si rolando no ispojêro,
Dando isturro e pontapé.
Quando o bicho si alevanta
Num tem nada mais de gente,
E a fiúra nele é tanta
Qu’inté mermo ele s’ispanta
De si vê tão deferente.
Diferença d’assombrá,
Apois tem, nesse momento,
Unhas grande de jaguá,
Dentadura de guará
E a zureia de jumento.
Tem seu corpo de barrão
E de bode a cabelaça;
Seus dois ói são dois tição,
Mode vê, na escuridão,
Os lugá puronde passa.
E assim sai dali trotando,
Sacudindo a cabelêra,
E puronde vai passando,
Dele a gente vai suntando
Risuído e tinidêra.
Nesse trote, qui num sôa,
Ele sente sede e fome;
E pegando uma pessoa,
Qui pra ele a carne é boa,
Mata e sangra, rasga e come.
Quando passa nas fazenda,
Pr’ele avança a cachorrama,
E no mei dessa contenda,
Todos qué fazê merenda
Do bichão do zói de chama.
Mais cum’é de muita sorte,
É valente e tem capricho,
Vence tudo e segue forte.
(Mais, si arguém dé nele um
corte,
Logo dêxa de sê bicho).
Desse jeito, ele vai indo
Assombrando, de hora im hora,
Os cristão qui fica uvindo
O barui dele seguindo
Noite adentro, istrada afora.
Mais porém quando ele nota
Cantá galo nos pulêro,
Volta o corpo e sai da rota,
E apressado ele si bota
Novamente pru ispojêro.
E ali chega de repente
Faiscando o zói de brasa,
E rolando novamente,
Disfáiz tudo e vira gente,
Veste a rôpa e vai pra casa.
Fonte: Livro Nordeste - poemas, sem indicação de data e editora.
Adorei, pois se escreve do jeitinho que se falava, lembrei das estórias de criança, todos gostavam de estórias de assombração, ouvíamos sem dar um pio, todos juntos e se enrolando nos lençóis...😳
ResponderExcluirMui bela e real descrição desse "monstro" que apavorou minha infância e ainda hoje causa assombro em muita gente de nossa cidade.
ResponderExcluirE Hermes o faz com as cores e falares típicos de nossa gente sertaneja, temperando ainda mais o já saboroso imaginário popular sertanejo.
Bravíssimo!!