quarta-feira, 21 de junho de 2023

NEM SÓ DE MAZELAS A VELHICE É RECHEADA

Fonte: Google

 

NEM SÓ DE MAZELAS A VELHICE É RECHEADA


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                Uma das vantagens de ser idoso não está na cara, obviamente, mas no fato de, mesmo que apenas exista há mais tempo que eles, querendo ou não, sendo deficiente visual ou não, viu e, até mesmo, enxergou bem mais que os menos velhos. Muitas de essas vivências ou experiências teriam ocorrido quando aqueles sequer eram células vivas, corpos e almas animados – ainda que para religiosos convictos, nos planos de Deus sempre estão aqueles que Ele já conta como possibilidades, aos quais quer trazer à vida, gerados ou, ainda, não –, outras, por sua vez, enquanto adentram à velhice e os outros vivem sua juventude.

                Sobre experiência por que passei, há pouco, no umbral, já pisando na soleira da velhice burocrático-legal, é que gostaria de falar. Perguntei a muitos, mas vou fazê-lo a você que verá, lerá ou, talvez, venha a tomar conhecimento deste questionamento por qualquer outro meio; alguns não conseguiram ou não quiseram adiantar nada a respeito; outros comigo concordaram depois de afirmar que não conseguia pensar no assunto de modo diferente. É o seguinte: quando da involuntária expatriação de milhares de venezuelanos, uns amedrontados e perseguidos, outros fugindo da fome e da miséria que, certamente, os castigaria se ficassem em sua terra, sendo governados por um ditador tirano, será que para cá vieram, para nosso estado, somente índios e, além disso, pedintes, esmoleres, indivíduos sem prática em nenhuma atividade laboral que pudessem oferecer à população? Pois é assim que os vejo, onde quer que os encontre, notadamente, nos cruzamentos das vias de maior fluxo, pelas quais transito com assiduidade, homens, mulheres, novos, velhos, crianças, exibindo cartazes que, possivelmente, alguém para eles confeccionam, nos quais se identificam como índios, e que passam fome; a condição de mendigos não fazem questão de esconder ou negar, tanto que, nos locais escolhidos, estão sempre, ou estendendo as mãos, ou sacudindo canecas, prontas para receber óbolos. Pode ser que existam, mas ainda não vi nenhum deles mostrando cartazes – a propósito, quem os leva para as ruas, como escolhem os pontos que deveriam dividir, quem os recolhe quando encerram o expediente trabalhista? – nos quais se ofereçam como prestadores de algum tipo de mister, ocupação ou serviço prático e/ou útil, capaz de transformá-los ou os fazer candidatos a uma categoria formal de trabalhador.

                Será que, de fato, fizeram bem eles em deixar seu país para se submeterem a sofrimentos, possivelmente, semelhantes, tão humilhantes quanto aqueles que sofreriam naquelas, ou, simplesmente, não tiveram outra alternativa? Será que, quem sabe na sua velhice, os que, forçosamente, tiveram que vir para cá como emigrantes, verão seus filhos conseguirem recuperar a dignidade, a honra e a pátria que um ditador, um dia lhes roubara? Quantos deles ainda sonham em voltar para casa?

                Mas, à parte as mazelas que a velhice nos permite experimentar e compartilhar com todos, inclusive os mais novos, também ela nos contempla com momentos humorosos, como este que me foi contado por um velho amigo: numa partida de futebol amador que assistia, meu companheiro teria se encantado com um jogador, tipo longilíneo, magro e alegre, que se movimentava, rapidamente no gramado a uns quarenta metros dele; conversava com outros torcedores, elogiando a performance do magricela bom de bola. Terminado o primeiro tempo do jogo, como é de praxe, os atletas se dirigem aos vestiários para o sagrado descanso do intervalo. Ao se aproximar do meu amigo, só então este teria percebido que se equivocara, pois o lépido e fagueiro craque não era mais nenhuma criança. Ato contínuo, falando com amigos e apontando para o jogador, que passava ao largo, teria dito: - ora, ora, e eu pensando que estava olhando e torcendo para um jovem; que nada, o homem é um velho, cara de maracujá de gaveta, bem mais idoso do que eu.

                Não me contou meu idoso e enganado amigo, se teria aproveitado a ocasião para parabenizar o velho e bem conservado atleta que o teria encantado, ou se, com inveja da figura, nem ficara para assistir ao segundo tempo do jogo.      

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