Fonte: Elmar Carvalho |
Elmar Carvalho
Quando saía, à tarde, para minha
caminhada, deparei-me com um jumento à porta de minha casa. Parecia cansado,
com aspecto doentio, como se estivesse à morte; deu-me a impressão de haver
sido covardemente abandonado pelo dono, para morrer em local distante, e não
lhe dar o trabalho de se desfazer do cadáver.
Apresentava feridas no corpo. Seu
pelo era falhado, amarfanhado, sem brilho, como se tivesse sarna ou outra
doença semelhante. Era magro, como se passasse fome, e tinha as patas tortas,
em virtude, talvez, de já haver sofrido algum acidente, provavelmente de
trânsito. Roçava o pelo no poste, certamente na intenção de mitigar as coceiras
da pele sarnenta. Quando me aproximei, para fotografá-lo, me olhou, com
resignação, mas sem medo. Talvez esperasse alguma bordoada, recordando-se de
algum fato passado.
Outrora, os jumentos eram
queridos e respeitados. Eram úteis, seja para o transporte de carga, seja para
o de pessoa. Tem muita força; desproporcional para o seu porte. Por isso, eu os
comparo a um pequeno trator, com tração nas quatro patas. Hoje, numa época em
que quase toda família possui um carro ou uma motocicleta, seja de primeira ou
de quinta mão, os jericos foram “encostados”, mesmo na mais remota zona rural.
Os carroceiros preferem um burro,
que é maior, tem mais força e é mais
veloz. Muitos jegues vivem abandonados, à margem das estradas, correndo risco
de vida e pondo em risco a vida dos motoristas e motoqueiros. A respeito do
jumento, já escrevi uma crônica, da qual extraio o seguinte trecho:
“É um animal dócil e paciente.
Segundo a tradição, foi o escolhido para conduzir a Virgem Maria e o Menino
Jesus, na fuga para o Egito, evidentemente com a presença de São José, na
constituição emblemática da Sagrada Família. Provavelmente tenha sido a sua
proverbial docilidade, mansidão e humildade a razão dessa escolha e honraria.
Como a maioria desses animais
ostenta uma mancha sobre as pás dianteiras, considera o povo simples, na voz da
lenda, que essa marca é o sinal milagroso e honorífico do xixi com que lhe
ungiu o Salvador, como uma forma de homenagem e gratidão pelo serviço prestado.
Depois, encerrando apoteoticamente sua participação na Bíblia, foi o escolhido
por Cristo para conduzi-lo em sua entrada triunfal em Jerusalém”.
Quando retornei da caminhada, vi
o jerico mais animado, a provar que a vida é forte, surpreendente e dinâmica, a
pastar o renitente e insolente capim de burro, que nascera, quase por milagre,
por entre as pedras do calçamento. Depois, não mais o vi. Não sei que rumo terá
tomado. E jamais saberei que destino a vida ainda lhe reserva, além da
ingratidão daqueles a quem serviu.
(Do livro Diário Incontínuo, registro do dia 19 de junho de 2010)
Uma verdade esquecida, hoje já quase não o encontramos, encontramos seres humanos nas ruas, esquinas. Fotos, vídeos mostrando nossa decadência.
ResponderExcluirUm dos hinos do sertão:
ResponderExcluirApologia Ao Jumento (O Jumento É Nosso Irmão)
Luiz Gonzaga
É verdade, meu senhor
Essa história do sertão
Padre Vieira falou
Que o jumento é nosso irmão
Ão ão ão ão ão ão
O jumento é nosso irmão
Quer queira ou quer não! (...)
O homem, além de comer a carne dos animais, muitas vezes ainda os maltrata, ainda os mata de forma dolorosa.
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