Proteus mirabilis
Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)
O
isolamento e o autoabandono tornaram-se o palco de meus delírios. Como um pajé
hesitante diante de sua própria tribo, imerso em um estado dramático, sou
objeto de uma meditação aristotélica sobre a natureza humana e a sociedade —
tema que pretendo explorar.
O
velho benzedor, confinado em um refúgio onde a vida foi reduzida aos seus
aspectos mais primitivos, experimenta um isolamento que transcende o físico.
Mesmo
cercado por outros seres, ele se sente desconectado, esquecido pela falsa
conexão tecnológica e pela pressa da vida moderna, como se, em seu próprio
universo — e somente nele —, fosse uma criatura superior.
Essa
sensação de superioridade ecoa a ideia aristotélica de que alguém que vive fora
da sociedade pode sentir-se como um Deus, autossuficiente e além das
necessidades humanas.
Mas
será que o universo que o curandeiro criou, afastado do convívio humano
genuíno, pode realmente substituir a interação humana? Este é o fardo que ele
carrega.
No
entanto, uma companhia inesperada surge: uma bactéria... Proteus mirabilis. Essa
pequena criatura torna-se sua parceira nessa tragédia simbiótica, corroendo
suas entranhas e sua alma.
O
curandeiro, que antes se via como uma entidade superior, começa a perceber a
ironia dessa companhia. Ele se pergunta: “Será que, como besta ou como Deus,
possuo uma alma? ” Sua interação com outras formas de vida no autoexílio,
especialmente com Proteus,
o leva a confrontar o peso de uma existência fragmentada e as decisões que o
conduziram a esse lugar de abandono.
Agora,
ele não é apenas um curandeiro, mas também o portador da moléstia — companheira
inseparável e, ao mesmo tempo, ceifadora em potencial. Na tentativa de escapar
dos julgamentos e do desprezo que o cercam, o curandeiro se isola ainda mais.
Gradualmente,
a imagem/miragem do homem isolado se desintegra: ele descobre que não é nem
besta, nem Deus, mas um ser humano frágil, preso entre o leito de um hospital e
o papel de um velho curandeiro, enfrentando as complexidades e os absurdos da
vida enquanto busca, desesperadamente, a própria cura.
Humano,
demasiadamente humano.
(*) contista e cronista.
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