quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Proteus mirabilis

Fonte: Google


Proteus mirabilis


Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)


O isolamento e o autoabandono tornaram-se o palco de meus delírios. Como um pajé hesitante diante de sua própria tribo, imerso em um estado dramático, sou objeto de uma meditação aristotélica sobre a natureza humana e a sociedade — tema que pretendo explorar.

O velho benzedor, confinado em um refúgio onde a vida foi reduzida aos seus aspectos mais primitivos, experimenta um isolamento que transcende o físico.

Mesmo cercado por outros seres, ele se sente desconectado, esquecido pela falsa conexão tecnológica e pela pressa da vida moderna, como se, em seu próprio universo — e somente nele —, fosse uma criatura superior.

Essa sensação de superioridade ecoa a ideia aristotélica de que alguém que vive fora da sociedade pode sentir-se como um Deus, autossuficiente e além das necessidades humanas.

Mas será que o universo que o curandeiro criou, afastado do convívio humano genuíno, pode realmente substituir a interação humana? Este é o fardo que ele carrega.

No entanto, uma companhia inesperada surge: uma bactéria... Proteus mirabilis. Essa pequena criatura torna-se sua parceira nessa tragédia simbiótica, corroendo suas entranhas e sua alma.

O curandeiro, que antes se via como uma entidade superior, começa a perceber a ironia dessa companhia. Ele se pergunta: “Será que, como besta ou como Deus, possuo uma alma? ” Sua interação com outras formas de vida no autoexílio, especialmente com Proteus, o leva a confrontar o peso de uma existência fragmentada e as decisões que o conduziram a esse lugar de abandono.

Agora, ele não é apenas um curandeiro, mas também o portador da moléstia — companheira inseparável e, ao mesmo tempo, ceifadora em potencial. Na tentativa de escapar dos julgamentos e do desprezo que o cercam, o curandeiro se isola ainda mais.

Gradualmente, a imagem/miragem do homem isolado se desintegra: ele descobre que não é nem besta, nem Deus, mas um ser humano frágil, preso entre o leito de um hospital e o papel de um velho curandeiro, enfrentando as complexidades e os absurdos da vida enquanto busca, desesperadamente, a própria cura.

Humano, demasiadamente humano.

(*) contista e cronista.

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