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Através do vidro
*Fabrício Carvalho Amorim Leite
Estou diante de uma grande janela de vidro blindado, isolado do mundo lá fora. Lá embaixo, a cerca de um quilômetro, contemplo meu velho colégio. Primeiro, virou uma destas universidades que pululam em todo o canto; hoje, um conglomerado governamental-bur(r)ocrático.
Os brinquedos do pátio, onde caí, sorri, chorei, apanhei dos garotos maiores, viraram um monte de pó vermelho. Ferrugem. E as carteiras, cujos alunos, com a pele brilhante como a prataria da minha avó, desapareceram sem deixar sequer um vestígio, nem mesmo como enfeites.
Os colegas da infância foram se apagando da memória. Como estarão agora? Dias atrás, cruzei com uma delas: o rosto marcado por rugas, os longos cabelos brancos caindo sobre o corpo curvado. Pensei: ‘Como envelheceu... Parecia tão fora do tempo quanto uma vitrola que perdeu o compasso. ’
No fundo, aquela observação refletia a mim mesmo. O tempo passou, e sinto seu peso. Estou velho, enquanto o mundo se move rápido demais para me acompanhar.
Ainda me apego a papéis impressos, estranhos artefatos chamados revistas. Toda semana, visito uma banca que vende esses objetos quase extintos. Na sala de espera de uma consulta, observo pacientes, todos hipnotizados por pequenas telas, como se fossem mais vitais que seus próprios órgãos ou membros. Uma epidemia ironicamente inquietante.
O mundo se tornou virtual. Todos enxergam através de uma tela, enquanto a tela devora o presente, apagando o que é real. Os parquinhos desapareceram, junto com a vida ao ar livre. No fim, somos ferrugem, vidro e pó, fragmentos sem alma, sem emoção, sem futuro, apenas sombras.
Para minha felicidade, chego em casa e seguro minha revista com prazer. Em um canto tranquilo, onde o mundo não me alcança, mergulho em um texto que fala sobre tudo o que já perdemos, como se, por um breve momento, eu pudesse resgatar o que se foi.
Papel, o velho e amigo papel, repousa diante dos meus olhos.
(*) contista e cronista.
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