terça-feira, 11 de maio de 2010

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


O PEQUENINO HÉRCULES

Elmar Carvalho


Após alguns anos em São Paulo, onde constituiu família e amealhou algum dinheiro, suficiente para instalar uma pequena mercearia, o pequenino Hércules, o antônimo personificado de seu nome, retornou ao seu povoado natal, que parecia entanguido, pois continuava praticamente do mesmo jeito que o deixara, duas décadas atrás. Com a pequena economia que trouxe, construiu sua casa e o estabelecimento comercial. Homem sério e trabalhador, apesar do porte pequeno e franzino, logo começou a prosperar, e a bodega se transformou na mais sortida mercearia da comunidade. Despertava admiração e colhia elogios dos que não invejavam a sorte alheia. Mas, certamente, o seu progresso alguma inveja despertava, senão ostensiva, ao menos dissimulada, que é talvez a forma mais venenosa e nefasta desse triste sentimento. Tornou-se seu cliente o Carlão, que era o homem mais alto e mais forte de Guaribas, um verdadeiro gigante, sobretudo se comparado ao pequenino Hércules, tão mirrado, tão franzino, tão parco de carnes e de músculos. Carlão era um tipo rude, grosseiro e muitas vezes debochado em suas brincadeiras de mau-gosto, não raras vezes impertinentes. Todas as vezes em que ia à mercearia de Hércules, tratava de fazer as suas gozações, com o seu riso tonitruante e sarcástico, a respeito do tamanho e peso de Hércules. Foi amiudando essas mangações e se tornando cada dia mais insolente. Já não respeitava a presença da mulher ou dos filhos do outro. Onde quer que o encontrasse, mesmo nas raras missas dominicais, quando o vigário de São Raimundo Nonato vinha em desobriga, não perdia a oportunidade de atormentá-lo. Algumas pessoas achavam que nessas irreverências havia uma ponta de inveja, pois Carlão, com todo o seu tamanho, não passava de um medíocre, de um pobre diabo, sustentado pelo sogro, que não tinha lá essas coisas. O sucesso do pequeno Hércules parecia incomodá-lo, e quanto mais este obtinha sucesso em seus negócios mais as caçoadas do gigante se avolumavam e se tornavam mais frequentes. Passou a chamar a sua vítima de Pingo de Gente, e depois, para diminuí-lo ainda mais, reduziu o apelido para Pingo, que pronunciava em alto volume e de forma gutural, para melhor ridicularizá-lo. Desde o início, Hércules demonstrou que não gostava dessas brincadeiras e intimidades, e pediu-lhe, repetidas vezes, parasse com essas molecagens. O pedido teve efeito contrário, e as brincadeiras recrudesceram e se tornaram mais agressivas. Mais de uma vez Carlão o ergueu da cadeira para girá-lo no ar, como uma hélice de helicóptero, ou o rodava em torno de seu corpanzil, como um carrossel. Sempre repetia que ele não tinha tamanho de gente, que era apenas um pingo ou projeto de gente. Em várias ocasiões, Hércules advertiu Carlão que aquelas brincadeiras poderiam não terminar bem. A essas ameaças o gigante ria estertorosamente, e repetia a toada: - “Olha, esse moleque pensa que é gente... Não passa de um pingo de gente, e fica com essas valentias. Respeita homem de verdade, moleque”. E caçoando, dava-lhe caçoletas e cocorotes. Uma tarde, quando menos se esperava, um forte estampido de tiro estrondou pelos quatro cantos do povoado. Dizem que algumas janelas estremeceram. Afirmam que o sino da minúscula ermida chegou a ressoar no campanário. O pequenino Hércules, com uma espingarda cartucheira, maior do que ele, desferiu um tiro na garganta do Carlão. O gigante caiu de costas, com as mãos na garganta, tentando segurar o sangue que jorrava pelos vários buracos de chumbo, com os olhos esbugalhados, aterrorizados pelo medo da morte iminente, sem acreditar no que acontecera.

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