segunda-feira, 5 de julho de 2010

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS

Elmar Carvalho


A DAMA DOS CINEMAS

Era bela. Bela como uma deusa. De porte altivo. Andar cadenciado, mas nobre e elegante, sem excessos e sem rebolados. Os cabelos louros eram uma espécie de halo, que lhe realçavam a quase imperceptível melancolia. A maquiagem discreta servia apenas para acentuar a beleza dos olhos. Suas roupas eram finas e caras, bem moldadas, de tecido fino; pareciam ajustar-se a seu corpo com perfeição, como se feitas sob medida exata, em que nada sobrava, em que nada faltava. Costumava chegar uns quinze minutos antes da sessão das dezoito horas. Imediatamente comprava o ingresso. De forma sutil, prestava atenção em seu entorno e nas pessoas que adquiriam ingresso. Nunca comparecia às estreias. Ao que tudo indica, não gostava das exibições excessivamente lotadas. Cada semana, frequentava um cinema diferente, como se cumprisse algo planejado. Indefectivelmente, portava uma bolsa de couro. De pele sedosa, fresca, parecia haver saído do banho há poucos minutos. Um suave perfume se evolava dela. Faltando uns cinco minutos para o início do filme, antes que as luzes se apagassem, ela ingressava na sala de exibição, lentamente. Seus olhos varriam as poltronas, em busca do lugar que lhe convinha. Invariavelmente, sentava-se ao lado de um homem de idade presumível entre 25 e quarenta anos. Quando as luzes se apagavam, ela começava os seus jogos de sedução, que não eram tão sutis, pois eram programados para durar apenas o tempo do filme. Inicialmente, inclinava a cabeça em direção ao homem, para que ele lhe sentisse o perfume, pois já lhe vira a beleza, quando ela chegara, antes do blecaute. Avaliava a reação dele. Procurava encostar o ombro no ombro da presa. Presa, sim, porque ali ela era uma caçadora, uma predadora, toda voltada para a sensualidade. Logo suas mãos começavam a tocar uma das coxas do homem, quase como se fosse por acaso, mas, depois, de forma nitidamente intencional. Havia os tímidos, os retraído, que iam reagindo com lentidão e receio. Outros, correspondiam de forma imediata. A crônica carioca não registra ninguém que lhe tenha resistido. A mulher, ao que se sabe, parecia obedecer a um plano, que seguia a cronometragem e a narrativa da fita. Até o meio da sessão, suas carícias pareciam apenas a de uma simples namorada, e se limitavam a cheiros, beijos e carícias no rosto do homem. Contudo, do meio do filme em diante, suas manipulações iam crescendo em audácia, e suas mãos desabotoavam a camisa do parceiro. A partir de então permitia que o homem lhe tocasse os seios, perfeitos e empinados, duas simétricas obras de arte. Quanto sentia que o filme caminhava para o desfecho, com todas as atenções voltadas para a fita, e que não mais se ouvia conversa nem sussurros, ela se curvava avidamente em direção ao fecho da calça masculina. Então, munida de um lenço, que tirara previamente da bolsa, fazia emergir da braguilha o que buscara desde o início. Sua língua, mestra, sábia, puro veludo, percorria o membro em movimentos lânguidos e lentos, de baixo para cima, de cima para baixo, e em movimentos circulares em torno da glande. Os dedos, macios, suaves, tensos, mas tenazes, também trabalhavam. Era uma sacerdotisa inteiramente dedicada aos rituais de seu mistério mais íntimo. E quando ela sentia que o jorro ia explodir, com o lenço o abafava e garantia a mais perfeita higiene. Às vezes o lenço voltava imaculado; ela preferia recolher o jato no côncavo da boca, e o sorvia sem medo e sem nojo. Mal as luzes voltavam a brilhar, ela deixava o parceiro, sem um convite e sem um adeus. Quando algum caía na tolice de segui-la, os seus olhos verdes, frios e impassíveis, feitos do mais puro desdém e impiedade, o mantinham à distância, como um cão repelido e sarnento. E ela se ia, esfinge solitária, não se sabe para onde, envolta em seu enigma jamais revelado.
(*) Texto desentranhado do livro “Arte-Fatos Oníricos e Outros”, que venho publicando no blog http://poetaelmar.blogspot.com/

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