O SUMIÇO DA TAMPA
Elmar Carvalho
Tenho 38 anos de idade. Sou o que as pessoas chamam de solteirão inveterado e convicto. Tenho minhas manias e sou metódico; às vezes, compulsiva e obsessivamente metódico. Minha mãe sofre de glaucoma. Por causa dessa doença, o meu oftalmologista me recomendou que use colírio para pressão ocular diariamente, pela manhã e à tarde, já que ela estava no limite máximo do aceitável. Moro numa quitinete, e meu quarto é bastante exíguo, mal cabendo a cama de solteiro, uma cômoda e uma estante onde coloco os meus livros mais queridos, inclusive meus vários dicionários, tanto de sinônimo, como os de flexão verbal e nominal, além dos biográficos, para consultas rápidas. Esse é todo o mobiliário do aposento. Quase às 18 horas de ontem, peguei o frasco de colírio de cima da cômoda, e pus uma gota em cada um dos olhos. Quando fui fechar o recipiente, a tampa escorregou-me dos dedos, e caiu sobre meu pé direito. Instintivamente olhei para baixo, mas não a vi. Abaixei-me para procurá-la debaixo da cômoda, mas não a encontrei. Procurei ao redor do móvel, mas também o resultado foi negativo.
Diante disso, o meu velho TOC (transtorno obsessivo compulsivo) apoderou-se de mim, com muita força, como se fosse a cachorra do Pedro Dantas. Esquadrinhei meticulosamente o quarto, cerâmica por cerâmica, como se disso dependesse minha vida. Além de olhar, passei as mãos ao redor das pernas dos móveis, procurei nos ressaltos e concavidades, em possíveis esconderijos e até nas gavetas. Como a verificação foi inútil, fiquei angustiado, quase aterrorizado, e empreendi uma segunda e terceira varreduras, cada vez mais minuciosas. Ante o resultado infrutífero, tive que me render ao fato de que não adiantava medir forças com o inelutável. Consolei-me com a ideia de que a tampa, quando eu menos esperasse, iria aparecer no segundo ou no terceiro dia, apesar de as minhas verificações visuais e táteis terem sido detalhistas, precisas, implacáveis.
Com efeito, dois dias depois enxerguei a tampa ao lado de uma das pernas da estante. Fiquei estarrecido, porque era um lugar sem segredo, sem esconderijos, sem subterfúgios, sem nenhum mistério, e sobre o qual eu havia sido muito diligente na procura do pequeno objeto. Dediquei um bom tempo a ruminar umas explicações sobre o caso. Contudo, uma após outra, eu as descartava, achando-as improváveis, inverossímeis. Não me restando outras explicações práticas, simples, banais, enveredei pelo terreno do fantástico e até mesmo do controvertido mundo da mecânica quântica e das suas várias e hipotéticas dimensões. Deixo que o leitor se divirta, fazendo suas conjecturas, imaginando razões plausíveis para o sumiço da tampa. Peço, porém, que não me ponha a culpa, pois a minha busca foi realmente obsessiva e minuciosa.
Muito divertido caro Elmar, centenas de pessoas já passaram por situações semelhantes, principalmente aqueles minúsculos comprimidos onde temos a mania de acertar o alvo da "goela" e o danado saem pela tangente se escondendo debaixo de um armário e haja lupa, escafedeu-se.
ResponderExcluirEu imagino que essa tampa criou asas e tomou rumo pela janela lateral, não é possível.
Faça um anúncio no jornal local no seu bairro, geralmente estes jornais têm um número grande de leitores o que aumenta as chances de encontrá-la à “tampa voadora", e uma das dificuldades é ao curvar-se e sentir as famosas dores de "bico de papagaio" (eu rindo de mim mesmo).
hl/direto de sp
Caro Horácio,
ResponderExcluiresse continho foi baseado mais ou menos em fato da vida real. Só que a tampa do conto terminou aparecendo, e a do meu medicamento ainda está desaparecida, embora eu não a tenha procurado com o mesmo afinco do sujeito do conto, que sofria do chamado transtorno obsessivo compulsivo.