4 de janeiro Diário Incontínuo
TEMPOS REPUBLICANOS
Elmar Carvalho
Nesta temporada de final de ano, em Parnaíba, estive
com os meus compadres Gelvan e Neide. Ela é filha do sr. Anísio,
que foi comerciante e vereador. Ocupa chefia importante da Caixa
Econômica Federal na Paraíba, através de concurso. É minha
conhecida desde os tempos em que residi em Parnaíba. Conheci o
Gelvan em 1983, quando ele, na qualidade de administrador postal da
ECT, recém formado pela ESAP, foi lotado na diretoria regional da
empresa no Piauí. Era natural de Paulo Afonso, Bahia. Moramos na
mesma casa. Era uma república, mas república séria, de muito
respeito, e não uma república de estudantes boêmios e gazeteiros,
nem tampouco uma republiqueta de bananas da América Latina.
Quando assumi meu cargo de fiscal da SUNAB, em Teresina,
no dia 10.08.1982, fui inicialmente morar no hotel da dona Maru,
instalado num antigo palacete da avenida Frei Serafim, perto da
igreja de São Benedito. No mesmo apartamento, morei com o
conterrâneo e amigo Jaime Filho, rebento da professora Mariema e do
tenente Jaime da Paz, probo e dinâmico ex-prefeito de Campo Maior.
Em menos de dois meses fui convidado pelo Carlos Cardoso, velho amigo
da adolescência e também conterrâneo, para morar na república da
qual ele era membro proeminente.
Explicou-me as regras, os direitos e deveres da
confraria. Disse-me que a casa ficava situada na avenida Jockey Club,
onde hoje funciona um colégio. Imediatamente aceitei o convite e
tratei de me mudar. Moravam na república dois administradores
postais, o Umberto Nadal, paranaense, e o Robério Maia de Oliveira,
cearense, o Antônio Maria, comerciante, e o Carlos, contador, um dos
chefes da empresa SECREL, sediada em Fortaleza. Portanto, éramos
cinco republicanos.
A
casa dispunha de uma boa piscina. Em quase todos os domingos havia
comilança e libações. Participei de poucas festas, uma vez que
nessa época costumava, pelo menos duas vezes por mês, passar o
final de semana em Parnaíba, porquanto meus pais e minha namorada,
hoje minha mulher, ali residiam. Tomei conhecimento de que um
frequentador desses churrascos tornou-se demasiadamente assíduo,
dando-se ao luxo de ainda trazer vários convidados, mas sem nada
trazer em contrapartida, nem mesmo refrigerantes, quanto mais bebida
e mantimentos de boca.
Diante
dessa “esperteza” os colegas republicanos resolveram adotar uma
estratégia contra esse abuso. Certo dia, quando o espertinho chegou
com os seus convidados, encontrou o fogo apagado. Dois membros da
república o convidaram a ir até um supermercado, onde compraram os
suprimentos líquidos e comestíveis, e lhe “convidaram” a pagar
a conta. Foi a última vez que esse mui amigo apareceu na república.
Nessa
casa escrevi o meu poema Egocentrismo, que nasceu de um insight, já
pronto e acabado. Eu acabara de acordar, quando, ao ficar sentado na
rede, espirrei numa réstia que iluminava a escuridão do quarto. As
gotículas do espirro, viróticas ou não, fizeram surgir um pequeno
arco-íris. Instantaneamente o poeminha foi escrito em minha mente,
com os seus versos que falam em arco-íris, em arco-do-triunfo, em
velocino dourado e em coroas de louro e de ouro. Sou muito grato a
esse espirro, que funcionou como uma musa ou como inspirado e
inspirador lampejo.
Dessa residência, nos mudamos para uma outra, na rua
Rui Barbosa, situada no início da ladeira, após a qual começa a
avenida Barão de Gurgueia. Nesse período, já nos haviam deixado o
Antônio Maria e o Carlos; este havia adquirido uma casa, e já se
preparava para se casar. O Robério, hoje juiz do trabalho, casou-se
e foi morar em casa própria. Em seu lugar entrou o Gelvan. Foi uma
turma boa, composta por pessoas responsáveis e cumpridoras de suas
obrigações. Como o dono dessa casa tenha precisado dela, para fazer
um depósito de sua empresa, fomos morar em outra, localizada na rua
Areolino de Abreu, perto da Caixa Econômica.
Era um casarão antigo, meio fantasmagórico, onde
antigo morador, um engenheiro, havia suicidado. Numa das portas, fora
escrito um belo, porém elegíaco, melancólico poema da autoria de
meu amigo Hardi Filho, em que a tinta parecia escorrer, como gotas de
sangue. Nesse vetusto solar, de história trágica, escrevi o meu
poema A Casa no Tempo, infestada de esgarçantes rasga-mortalhas, de
esvoaçantes e lúgubres morcegos, de almas penadas, de correntes
arrastadas, de gemidos e ruídos misteriosos.
Nessa casa, hoje demolida, a república foi extinta, em
virtude de casórios e do retorno do Nadal ao Paraná, sua terra
natal. Mas, em minha saudade, a casa com a república, como digo no
meu poema, “... sempre persistirá / nas músicas passionais de
algum boteco / criando ressonâncias que repercutem / insistentemente
como eco”.
Meu caro compadre Elmar, são frequentes as minhas lembranças desse tempo de republicano, onde nossa amizade surgiu e singiu-s em compadrio, o que muito nos honra a mim e a Neide. Ver remorados aqueles tempos, com a sua verve literária, torna essas lembranças mais preciosas ainda. Que o tempo nas as apague.
ResponderExcluirGelvan Lisboa
Caro compadre Gelvan,
ResponderExcluirSem dúvida, são lembranças inesquecíveis, de salutar convivência e amizade.