Foto meramente ilustrativa |
22 de setembro
VIAGEM FÚNEBRE
Elmar Carvalho
No invólucro plástico da grossa vela de parafina, prevista para durar sete dias, com a chama acesa, havia a informação de que fora fabricada em Codó. Essa simples menção à cidade maranhense me transportou ao tempo em que morei na pensão da dona Teresinha Cardoso, já falecida, natural de Miguel Alves, por causa de um fato que adiante contarei. Residi nessa pousada no ano de 1976. Trabalhava na ECT, em Teresina, desde 15 de setembro do ano anterior. Cursava o terceiro ano científico no Cursão, que também era preparatório para o temido vestibular, uma vez que nessa época e até vários anos depois só existia curso superior na Universidade Federal do Piauí; as faculdades particulares ainda não haviam proliferado. Em 1977, após aprovação em vestibular, consegui minha transferência para Parnaíba, através de permuta com colega ecetista, e fui cursar Administração de Empresas no Campus Ministro Reis Velloso da UFPI, naquela cidade.
Na pensão de dona Teresinha, moravam alguns mensalistas, entre os quais meu xará Elmar Veras e um jovem comerciário, que todos os dias, por volta das seis horas da manhã, com o dormitório ainda na penumbra, me despertava, a me perguntar as horas. Eu não me irritava, e lhe dava as horas assinaladas em meu relógio de pulso, porém a dona do pensionato se agastava com a atitude desse meu impertinente companheiro de quarto, e comentava com desagrado essa britânica pontualidade com que ele nos tirava da modorra matinal. Já que ele gostava tanto de saber as horas, não atinávamos porque ele ainda não comprara um relógio, mesmo fazendo algum sacrifício financeiro, já que devia ganhar pouco na loja em que trabalhava.
Morava na pensão, a Livramento, parenta da proprietária, que a ajudava no seu gerenciamento, esbelta de corpo e expedita nas ações e no caminhar. Havia os que moravam perto, em quartos de aluguel, ou na Casa dos Estudantes, que ficava na vizinhança, perto do Estádio Lindolfo Monteiro; entre estes, me recordo do Luiz Aires, maranhense de Passagem Franca, meu colega dos Correios, hoje servidor da Justiça Eleitoral, o Pedrosa, comerciário, e o Leandro e outros empregados do Armazém Paraíba, cuja loja principal funcionava ali perto. A pensão ficava em frente à casa do Chaguinhas, já falecido, que presidiu o Sambão, cuja sede se localizava ali perto; muitos anos depois, tornei-me seu colega na extinta SUNAB. Portanto, ficava bem perto da antiga Casa Saló, salvo engano pertencente a dona Salomé, mãe do poeta Torquato Neto. Era instalada em velho casarão de adobe, que tinha uma sala para as refeições, e varanda interna. Casa antiga, sem nenhum luxo, mas ampla e agradável, a seu modo.
Dona Teresinha me tinha certa atenção e me distinguia, porque eu era pontual no pagamento de minha mensalidade. Entretanto, tinha especial consideração pelo xará Elmar Veras. Um dia, ela nos contou que havia morrido um seu parente, e nos convidou para que fôssemos levar o cadáver a Codó, onde seria o sepultamento. Embora eu não seja chegado a ofícios fúnebres, em respeito a ela, e também – por que não confessar esse pecadilho? – pelo prazer da viagem, aceitei o convite. Aprovei para contemplar o verde da paisagem, sobretudo as belas palmeiras babaçu e os imponentes buritizeiros, e os rios e riachos do percurso. Em determinado ponto, paramos para merendar, num desses cafés de beira de estrada. Finalmente, chegamos ao cemitério de Codó. Como na música de Noel Rosa, não houve choro nem vela. Também não houve lúgubres “excelências” nem carpideiras. Apenas, depositamos o morto em sua cova. Nada sei sobre sua vida. Sequer sei o seu nome. Para os que acreditam, deixamos o seu corpo como uma semente para a ressurreição do Juízo Final. E, para os que não acreditam, ponto final.
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