segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

ELAS NÃO ENTRAVAM NOS CLUBES


JOSÉ MARIA VASCONCELOS
JOSEMARIA001@HOTMAIL.COM

No esplender dos rojões iluminando a passagem de ano, entre beijos e abraços, me dou conta de que, mais e mais, me aproximo da parada final, na corrida de São Silvestre do tempo. Mergulho na saudade e recordações, vislumbro, extasiado, as fronteiras do que me sobra para frente. Então, agarro-me ao Senhor da vida, esqueço um pouco os rojões, beijos e abraços, e me lanço ao reboque de Deus, agradecendo-lhe o passaporte da viagem existencial, e Ele, através de seu Filho, no evangelho, alertando-me: "Sem mim, nada podeis fazer!"
Entre lucubrações do passado, me vêm os reveillons. Passagem de ano era nos clubes, chiquíssimos e ornamentados, mesas caras e disputadas, colorido das vestes finas, terno obrigatório, exibicionismo das damas. Há algumas décadas, teresinense divertia-se nos badalados clubes da capital, especialmente Diários, Jóquei e filtradíssimo Iate, tocados por conjuntos e tertúlias, iê-iê-iê (estilo Beatles e Jovem Guarda), seguindo padrões nacionais. Presidente de clube até se elegia prefeito ou deputado - tamanho o prestígio.
A partir das 9 ou 10 horas, iniciava-se o baile(tertúlia), animado por conjunto(banda), ao ritmo iê-iê-iê(estilo Beatles e Jovem Guarda). À meia-noite, sem rojões, todos em pé, o presidente do clube anunciava o novo ano. Confraternizavam-se, e a banda mudava de ritmo com "grito de carnaval". Ternos eram retirados, rostinhos e corpos colados soltavam-se na descontração do "salto carnavalesco", músicas inéditas, veiculadas nas rádios, de dezembro a março, faziam enorme sucesso. Gal Costa, Caetano Veloso, Zé Keti...
Entrada em "clube social", considerado decente, exigia conduta "politicamente correta": moças pudorosas, sem vestígios de aventuras sexuais alheias à hipocrisia social dominante, não adentravam. Nem empregada acompanhava a família. A filtragem começava na roleta da entrada do clube. Marcelino, porteiro do Diários, mulato implacável, conhecia as impuras e mandava-as de volta, ou as retirava do salão, se descobertas pelos fuxiqueiros. Coronel Jofre Castelo Branco, presidente do Jóquei, provocava bate-bocas homéricos em defesa do pudor, constrangendo publicamente mulheres de "vida livre" que se afoitassem penetrar no clube. Maridões, arrotando virtudes da esposa e filhas, esbaldavam-se em cabarés chiques, que recolhiam adolescentes expurgadas pelas famílias. Casamento, só com virgem. Sem esta virtude, dificilmente a jovem circulava no meio familiar e social, diferente do que o Mestre pregou. Homossexuais sofriam da mesma estagnação moral.
Para se comprar uma ação de clube social, averiguava-se a biografia do pretendente, inclusive das filhas. O Iate exigia a representação e cuidados de um sócio antigo. Mesmo assim, aconteceram tabefes e lutas corporais por ciumeiras e flertes entre marmanjos da "alta sociedade".
Rojões da passagem de ano deixam a gente inebriada de encantamento, um porre meio inconsequente, se não lhes tirar alguma lição existencial. Aprendi um pouco, ligando as duas pontas do passado e do porvir. No meio, o Senhor do tempo.

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