M.
Paulo Nunes
Na
floração literária provocada no país pelo chamado romance de 30
ou de documentação social da vida brasileira, que tem frequentado
amplamente estas páginas, houve forte repercussão no Piauí, como
se verifica em autores como Fontes Ibiapina (Palha de Arroz,
Brocotós), entre os mais velhos, William Palha Dias, explorando a
temática do cangaço, com Papo Amarelo, e o ciclo da Maniçoba
(Vila de Jurema), ou ainda Renato Castelo Branco, tematizando o ciclo
da carnaúba com Teodoro Bicanca, para referir apenas os que já
se encontram do outro lado do mistério, como dizia o bruxo do Cosme
Velho.
Hallan
Silva segue a última temática, ao focalizá-la em sua obra
recente, Pedra Negra, ao fixar a ação de seu novo romance, em
sua terra natal, Campo Maior, a chamada “terra dos carnaubais”.
Mas
não se trata de um romance “à clef”, como aqueles de que
falamos, porquanto sua contribuição avança um pouco mais, no
sentido de recriar uma nova forma romanesca que depende muito pouco
da técnica do romance de 30, porquanto muito mais vinculada aos
autores que lidam com o novo processo novelesco inspirado no
neo-realismo mágico ou hispano-americano. Este, a partir de 1962,
inspirou autores como o mexicano Juan Rulfo, com Pedro Páramo,
Júlio Cortazar (Os Prêmios) e, “last but not least”, Gabriel
Garcia Marquez, com Cem Anos de Solidão, O Amor nos Tempos
do Cólera, e Mário Vargas Llosa (Corversación en la Catedral,Tia
Júlia e o Escrivinhador,A Festa do Bode) e, por último, este
fantástico O Sonho do Celta, vigorosa denúncia do genocídio
belga, no Congo, e os estragos produzidos por brasileiros e peruanos,
na Amazônia, sob o guante do imperialismo inglês e
norte-americano, naquela região, de que resultou, em nosso
território, a saga da construção da estrada de ferro
Madeira-Mamoré, a famosa “ferrovia do diabo”, tematizada pelo
escritor Márcio Sousa, em seus corajosos romances-denúncia
Mad-Maria, enfocando aquela ferrovia, e Galvez – Imperador
do Acre, sobre aquele disputado território, finalmente incorporado
ao nosso país, mediante as artes do Barão do Rio Branco, com
o Tratado de Petrópolis, de 1903.
Em
relação a Vargas Llosa, a concessão do Nobel de Literatura –
1911, pouco veio a acrescentar à sua glória literária que ora
atinge a culminância de sua carreira, com a publicação deste seu
último romance.
Hallan
vai assim abrindo novos rumos para a nossa romancística,
diferenciando-se progressivamente, quanto à técnica literária, dos
demais cultores do gênero.
Ao
lado de personagens reais como o Cel. Clemente, aparecem outros de
sua invenção, todos eles partícipes da vida dramática da cidade e
de nosso Estado, como o Major Honório, Gerusa, o Pe. Hermínio,
perturbado com a falta de fé, aliada ao drama de Mocinha, que já
apresenta os primeiros sinais da gravidez, o que sobremodo inquieta o
sacerdote, os quais se movimentam na trama do romance de Hallan, com
uma nota viva de grandeza ou degradação humana, e como pano de
fundo, ergue-se a paisagem dos casarões estuantes de lembranças de
uma comunidade que ali se eterniza como retrato vivo de uma época
das mais importantes da nossa história social, fadada ao
desaparecimento.
O
escritor Hallan Silva soube assim retratar tão bem o nosso passado,
deixando gravadas em suas pedras e em suas formas de vida uma nota
viva daquela dramática realidade, em sua expressão romanesca.
A
Ação novelesca do romance se biparte ou triparte em várias faces
ou planos, abolida a noção do tempo cronológico, como ocorre na
romancística tradicional, em favor da noção de tempo interior ou
psicológico, convertida a memória seletiva, a serviço do criador
ou demiurgo, em favor da memória involuntária, como ocorre em
Marcel Proust, em sua famosa obra Em busca do tempo perdido, o
maior romance de todos os tempos, inspirador do romance moderno.
Parabéns
ao Hallan pela nova experiência literária, após tão bem
realizar-se no ensaio, na crítica literária e no conto, com As
formas incompletas: Apontamentos para uma biografia, estudo
magistral sobre o nosso excelso poeta H. Dobal (2010); Representação
e identidade do Vaqueiro, no cinema novo (2010); o livro de
contos Cambacica (2011), e agora nos premia com este
primoroso romance, com que vem enriquecer a nossa literatura, abrindo
novos espaços ao novo romance piauiense.
Fonte: portal da Academia Piauiense de Letras
Nenhum comentário:
Postar um comentário