Fonseca
Neto
Dizem
alguns vocabulários, seculares, latinos e portugueses (o do padre R.
Bluteau, por exemplo)que corso é como “assi chamaõ os Italianos o
lugar, em que pessoas de calidade andaõ passeando nos seus coches”
(1712). Diz outro que “é onde se corre por divertimento em coches,
ou se dá espectaculo de páreo ou de carreira de cavallos” (M.
Silva, 1789).
Por
essas indicações se nota que as chamadas festas de corso são
conhecidas na Europa setecentista e daí se projetarem para este
hemisfério tropical foi apenas um passo. Um passo que dão junto com
as festas carnavalescas de milenares tradições por lá e que a
força da cultura colonizadora igualmente transpôs e aqui germinou
em grande viço.
O
Brasil, e Teresina, em particular, conhecem os corsos carnavalescos
há mais de século. O Rio de Janeiro cortesão, além de outras
velhas cidades coloniais – Salvador, Olinda e São Luís –
elaboram a síntese dos modos de brincar o Carnaval entre nós, entre
eles o corso, assim brincado por setores da camada social dos
privilegiados possuidores de coches, sucedidos depois nessas
desfilanças pelos automóveis. Isto mesmo: o aparecimento do
automóvel alavanca o corso carnavalesco brasileiro, conferindo-lhe
uma possibilidade ainda maior de expandir-se. A elite, fantasiada e
fantasiando, desfilando em carros suas alegorias diante do povaréu,
pedestre e descalço.
Assim
em Teresina. Fantasiar carro em corso vem de velhos carnavais. Nos
anos 1960 eram os Jeep’s descapotados e os picapes, além de
caminhões, o “das raparigas” um deles de maior sucesso,
compreensivelmente pela mítica que se fazia real para todos de
vê-las, ao vivo e nas cores reais, à luz do dia. A organização do
carnaval local ancorado em escolas de samba (de novos e mirando no
exemplo da capital federal e sendo outra forma de a massa popular
continuar sendo mera espectadora) insignificou o desfile de corso,
uma vez que o carnaval de rua, movido a blocos e cordões, e outras
folganças sincretizadas, igualmente decairia, sem nunca desaparecer,
de todo. A elite e muito mais gente foi brincar em bailes fechados.
Vale
anotar, porque muito curioso, que a retomada do desfile de corso em
Teresina se dá, justamente, pela recriação do “Carro das
Raparigas”, uma figuração bem-humorada e colocada nas ruas por
ação da querida professora Cecília Mendes, quando presidiu a
Fundação Monsenhor Chaves, o núcleo articulador da política
pública municipal na área da produção cultural.
Hoje
uma festa que mobiliza dezenas de milhares de pessoas – e já
entrou desde 2012 no G. Book como o maior corso do mundo – os seus
sentidos de origem ganham enorme realce: este ano, somente os
inscritos, foram 898, a maioria caminhões de carroceria, cada um
deles carregando, em média, cerca de vinte foliões, alegorizados,
carros e brincantes, com uma variedade quase indescritível de
motivos e temas.
O
corso 2013 levou à rua o mais expressivo ajuntamento/movimento de
pessoas em Teresina, depois daquela concentração de cerca de 250
mil pessoas reunidas para ver o papa João Paulo II, quando por aqui
andou no ano de 1980.Impressionante a força da população em plena
rua, fantasiada, brincando o Carnaval a seu modo, de mamandos a
caducandos, bebericando e – enquanto desfila o corso, propriamente
dito – conservando um sentido de confraternização exemplar.
É
de se distinguir nesse grande evento o papel mobilizador de redes de
tevês locais, que foram para o olho do furacão corsesco com seus
estúdios e maravilhas tecnológicas, para interagir no calor da
brincadeira e aspergir sobre (e contagiar) os de casa e do mundo com
imagens sensacionais de pessoas e personagens protagonizando em nosso
mundo as saturnálias, ou que sejam as bacantes e dionisíacas
festanças, que eletrizam a química do corpo e deixa a alma
agradecida.
Taí
o Carnaval, de volta, cheio de muita graça, sem burocracia, e,
sobretudo, sem a Prefeitura ter de pagar para fazer o carro alegórico
de ninguém e financiar a brincadeira de poucos. Todavia, lazarando,
isto é, tentando fazer direito o que tem de fazer: a organização
serena da livre expressão popularesca em seu palco,a rua, quando
explode em fantasia e prazer.
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