Fonseca
Neto
Oeiras e todas as tranqueiras canindenses subiram a “doce colina” do Rosário, de tarde, apanharam o Bom Jesus, em imagem, depois, de Passo em Passo, levaram-no para o lugar da Vitória.
Na
linha do horizonte, das bandas do nascente, o azul tinindo de escuro
ia ficando cheio de nuvens nevoeiras, cor de chumbo; dava-se por
vista que um toró banhava as cidadelas de São João (da Varjota),
de Santa Cruz (do Piauí), de Santo Antonio (de Lisboa).
Nas
tradições dessa gleba fideísta, puxando fios de sentido de tempo
recôndito do memorial da Paixão, o Bom Jesus desce (secular trajeto
por Dagoberto narrado) enquanto os oratórios-capelas vão se abrindo
e explodindo em Flor de Passo, diante de sua imagem, do povo e do
bispo.
Segue
a procissão: roxas as flâmulas que a cortejam, em postes, portais,
janelas atoalhadas; as mantas estolares dos sacerdotes, assim o
pálio; de roxo, pagadores de promessa, cruzes de madeira atadas às
costas, uns, pedras sobre a cabeça, outros; roxas as opas dos servos
das diversas funções processionais; de roxo viajou o governador
pelo vale de São Miguel (do Fidalgo), desceu do “pavão
misterioso” que o trouxe pelo ar, subiu a colina, seguiu os passos
do Bom Jesus. E nos apertos do beco do Passo de Lindoca e da casa de
O. G., de túnica roxa e cordão torsal à la Francisco, aquela
devota de cabaça à cabeça, anteparada por tosca rodilha. Cabaça
daquelas de gogó.
Ante
a imponência do Paço Municipal, expressão colonial típica, e
engolido o sol na poência antecipada, param os caminhantes para ver
o Encontro do coroado de espinhos com a mater dolorosíssima;
chuvisca... e chove, mansamente, mas um relampejar valente faísca
nas bandas do sul; troveja. É trovoa? De pé estão e de pé a
contemplar ficam os caminheiros; na janela do meio da outrora Casa de
Câmara e Cadeia, aparece o sermonista do preceito, deita falação
aos 25 mil: até revestiram Bom Jesus, e sua mãe, mas seu povo,
encharcado, não arredou pé – gesto triunfante. O arcebispo
Jacinto Brito, da nova capital vindo, semeou o verbo dos evangelhos e
convidou a todos à vitória contra as manifestações de violência
que atormentam o viver nestes tempos. Agradou; também chamou a
“Maria Beú” de “Maria Béu” - mas ora mais (!) tinha que ter
uma graça hilária na circunspecção e para o tricotar da
dispersão.
Já
é noite. Já lufadas gélidas do sertão tocam os rostos, o tempo já
limpou e até apareceu a lua, cochilando preguiçosa. Após o rufo de
seguir, seguem todos para o Passo da Amargura, de novo o Miserere,
água benta, Flor de Passo e alecrim, as voltas do Engano. Seguem rua
acima, à esquerda: na casa dos filhos de dona Alina Rosa, sobre a
mureta adrede preparada para a passagem, há toalhetas, candelabros,
velas; assim em outras, jarros florais, sinais da sacralidade;
famílias ofertando água de beber. Na próxima esquina anuncia-se os
“prazeres da carne”, na sexta dos jejuares, dos quibebes, das
saudades. E quantas famílias inteiras reunidas para tudo isso ver,
obrar e seguir; rostos idosos em janelas. Minha querida Rita Campos,
à calçada do cônego, sentada, guardada da chuva, em emocional e
indescritível constrição.
Do
Rosário à Vitória a procissão passou, estacionou, seguiu. Uma
força votiva significante que a tudo parece mover. De mamandos a
caducandos uma fração da água benta a ungir e da Flor de Passo a
empalmar –para quê? Dizem ali que a Flor colhida em Passo tem
força salvífica, queimasse-a para deter a tempestade extrema e
refrear as pestes.
E
ouvi também por lá, que chuva sobre a procissão é sinal que
admoesta sobre castigos insondados. Mas o que se viu? O povo
celebrando a vida-chuva que a estiagem, ultimamente, negou a muitos
viventes: humanos, bichos outros, plantas.
Admira-se
Dagoberto como chega essa procissão ao fim “sem Ferrer”. Mas
também recorda que a “festa” continua, “nos Passos, nas flores
e nas lembranças...”. E neste ano, fitando-as, lembrei-me que são
lilásias as Flores de Passo abertas em todos os tons para honrar o
Mestre.
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