Fonte: Mural da Vila |
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20
de setembro Diário Incontínuo
MEMORIAL
A QUATRO POETAS DE OEIRAS
Elmar Carvalho
No
dia 13, sexta-feira, à noite, no Café Oeiras, no centro histórico
da velha capital, ocorreria o lançamento do livro Sonetos &
Retalhos, do saudoso poeta Gerson Campos, ao qual pretendia
comparecer, como de fato compareci. Por causa disso e também em
virtude de minha já alongada e visceral ligação com a velhacap,
resolvi fazer sozinho, em meu carro, o roteiro poético e sentimental
de meu poema Noturno de Oeiras, percorrendo diversos logradouros e
monumentos arquitetônicos da vetusta urbe.
O
centro histórico venho revendo diariamente, posto que o Fórum, onde
está instalado o Juizado Especial Cível e Criminal, fica nele
situado. Dessa forma, todo dia revejo os casarões, os velhos
sobrados, a casa de doze janelas e a catedral de N. S. da Vitória,
os quais celebrei em meus versos. Do adro da velha matriz, revejo a
bela praça e as suas palmeiras imperiais, quase diria episcopais
palmeiras, uma vez que estão em episcopal cidade, a de mais
acendrado e fervoroso catolicismo.
Em
meu périplo turístico e poético, fui inicialmente à casa grande
da antiga Fazenda Canela, onde viveu e morreu o grande poeta Nogueira
Tapety, sobre o qual já tive o ensejo de escrever um pequeno ensaio
de crítica literária. Contemplei-a bem, e a achei um tanto
deteriorada. Falei isso ao Dr. Carlos Rubem, parente e admirador do
poeta, cujo livro póstumo Arte e Tormento foi por ele editado, à
noite, um pouco antes do início do evento cultural. Respirei
aliviado quando ele me informou que o arquiteto Olavo Pereira da
Silva Filho, com o qual se encontrava, estava fazendo o estudo de
restauração da sede da extinta fazenda, que remonta ao século XIX.
Impregnado
da lembrança dos versos do vate Nogueira Tapety, falecido ainda
jovem, cujo extraordinário soneto Senhora da Bondade sei de cor, não
pude deixar de me lembrar que outros três grandes poetas piauienses,
nascidos em Oeiras, também morreram precocemente. Gerson Campos, o
grande homenageado do dia, “traído” pelo coração, cujas
engrenagens já vinham desengrenadas, faleceu com 39 anos
incompletos, num estádio de futebol, que hoje ostenta seu nome,
emocionado com a vitória da Seleção de Oeiras, ocorrida nos
momentos finais da partida. Foi ele também radialista e desportista,
além de ótimo goleiro; nesta posição fui seu colega, uma vez que
também cometi minhas “voadas” e pontes acrobáticas em campos de
futebol.
J.
Ribamar Matos, funcionário do Banco do Nordeste do Brasil, também
morreu precocemente, vítima de um desastre automobilístico,
acontecido no Ceará, em circunstâncias que ignoro. Era um poeta
ligado à tradição da poesia; seus sonetos, rimados e metrificados,
tinham substrato geralmente lírico, pelo que estou lembrado. Um ano
antes de sua trágica morte, prestou sentida homenagem a Gerson
Campos, em emocionante texto, publicado no jornal O Cometa de junho
de 1973, ainda sob o impacto do fatídico acontecimento, no qual
dizia não aceitar a “injustiça da Morte, que nivela os bons e os
maus”.
O
outro grande bardo oeirense, colhido pela “indesejada das gentes”
ainda relativamente no verdor dos anos, foi Licurgo de Paiva, patrono
da cadeira que ocupo na Academia Piauiense de Letras. Sobre ele
disse, por ocasião de minha posse no quase secular sodalício:
“Licurgo José Henrique de Paiva, cuja carreira literária foi
inicialmente tão auspiciosa, tão plena de esperança, foi depois
gradativamente declinando até o seu trágico e melancólico
crepúsculo, através de uma série de vicissitudes, em sua vida
particular e profissional, sobretudo ocasionadas pela dipsomania, que
frustrou todos os bons augúrios com que os astros lhe acenavam. Na
derrocada final do sol negro da desgraça, terminou sendo enterrado
numa sepultura por muitos considerada ignota, em lugar remoto do
Piauí.”
Com
a lembrança desses grandes vates em minha mente, e sabedor de que
Nogueira Tapety, recolhido na Fazenda Canela, já nos momentos finais
de sua curta vida, recebera a visita de Baurélio Mangabeira, outro
versejador, e um tanto andarilho (uma vez que fora proprietário de
um jornal tipográfico ambulante), que veio de Teresina, em lombo de
cavalo, praticamente para se despedir do valoroso bardo tísico,
imaginei que a vetusta casa da Canela, após restaurada, poderia
transformar-se no memorial dos quatro grandes poetas oeirenses, a que
me referi.
Continuando
a minha peregrinação poética, turística e afetiva, fui ao adro da
igreja do Rosário. Reverenciei o antiquíssimo templo. De lá,
contemplei a madona da Vitória, a abençoar a cidade do alto do
Leme. Do alto do Rosário, consegui localizar as igrejas de N. S. da
Conceição e de N. S. da Vitória. Essa contemplação nostálgica,
embebida só de emoção e da mais inefável poesia, me fez ir ao
Morro da Cruz, para ver de mais alto a querida e velha cidade e a
paisagem adusta e agreste, mas também bela, do seu derredor.
Lembrei-me que sugeri, mais de década atrás, ao Dr. Carlos Rubem
Campos Reis que encetasse campanha para que no alto desse outeiro
fossem colocadas placas com poemas que cantassem a eterna vila do
Mocha. Ele entusiasmou-se com essa ideia, mas certamente encontrou os
obstáculos intransponíveis da insensibilidade governamental para a
arte e a cultura.
À
noite, com a alma encharcada de oeirensidade, fui ao lançamento do
livro Sonetos & Retalhos. Foi uma noite memorável, memoranda.
Jamais a esquecerei. Revi velhos amigos. Fiz parte de uma roda de que
faziam parte o Ferrer Freitas, seus irmãos Tadeu e Raimundo, Luís
de Artaxerxes (senhor do Alto do Xé) e outros amigos. Foi uma festa
de música e poesia. Belas melodias de excelentes letras, verdadeiros
poemas, foram executadas e cantadas. O ator Bonifácio Lima, de forma
magistral, interpretou o poema Monólogo de uma Rosa, emocionando
toda a assistência.
Outras
pessoas recitaram outros textos poéticos de Gerson Campos,
provocando grande encantamento da plateia. Para minha grata surpresa,
o experiente e notável cronista Ferrer Freitas, além de ter
prestado breve depoimento sobre Gerson Campos, participou de um dueto
musical com Vanda Queiroz, em que se saiu muito bem, mormente para
mim, que não lhe conhecia a faceta musical.
O
senador Wellington Dias fez a apresentação da obra, através de
excelente texto, no qual discorreu sobre o livro e a rica
personalidade do autor, em que predominava a cordialidade e o
bom-humor, com os quais atraía duradouras e sólidas amizades, que
ainda lhe reverenciam a memória. A amiga e professora Rita Campos,
na qualidade de irmã, prestou a sua homenagem ao ilustre poeta e
escritor. Cassi Neiva fez uma eficiente e esclarecedora apresentação
de toda a solenidade lítero-musical.
Para
que não se diga que neste registro quase não falei no livro Sonetos
e Retalhos, 2ª edição, passo a fazê-lo agora, embora de forma
sintética. Trata-se de um belo projeto gráfico e editorial, levado
a efeito pela Fundação Nogueira Tapety, da qual é presidente o
promotor de Justiça Carlos Rubem. Gutemberg Rocha foi o revisor da
obra, e foi também um de seus organizadores e autor de vários
textos nela acolhidos. De perfeito acabamento gráfico, foi a obra
impressa em papel couché. Último Campos produziu-lhe a capa e Dino
Alves fez-lhe a ilustração. O design gráfico é da autoria de
Josélia Neves.
Enfeixa
os sonetos de Gerson Campos, rimados, ritmados, metrificados,
geralmente líricos; na parte denominada Retalhos foram coligidos os
poemas de fatura e temática diversa, entre os quais vários
acrósticos. Nos acrósticos se percebe o grande domínio técnico do
bardo, porquanto ele faz o encadeamento dos versos de forma fluida,
sem bruscas rupturas e produzindo boas rimas. Quem não é senhor
dessa modalidade poética, geralmente coloca versos autônomos, que
na verdade são apenas frases colocadas sobre ou sob frases, sem
formarem efetivamente uma unidade harmônica e poética.
O
prosador comparece com as crônicas de Caleidoscópio I a IV, que
foram bastante elogiadas pelos escritores e poetas José Expedito
Rego e Rogério Newton, com os quais concordo. Rogério escreveu um
excelente ensaio sobre elas, em que lhes louva as virtudes. Em
linguagem despojada, quase coloquial, Gerson fala de suas lembranças
antigas, das figuras populares que conheceu na infância, de certos
costumes que soube guardar na memória, para depois restaurá-las em
sua prosa ágil e vívida.
O
livro traz ainda um volumoso caderno de fotografias, que documentam a
vida e a época em que viveu o autor. A parte Gerson para Sempre
agalha artigos, depoimentos, poemas e crônicas sobre o literato
homenageado, em que as suas boas qualidades de poeta, de ser humano e
amigo são louvadas com muita ênfase e entusiasmo. Foram escritos
por várias pessoas (muitas o conheceram e lhe tinham admiração e
estima), entre as quais cito Possidônio Queiroz, Costa Machado,
Carlos Said, Gutemberg Soares, Dagoberto Carvalho Jr., Petrarca Rocha
de Sá, Joca Oeiras, Bernadete Maria de Andrade Ferraz, além de
outros escritores e poetas já referidos ao longo desta crônica.
O
lançamento de Sonetos & Retalhos foi uma noite magna, mágica,
magnífica, recheada de música e poesia, um verdadeiro e inebriante
sarau lítero-musical, em que ouvimos belos depoimentos sobre o
inesquecível Gerson Campos, um mestre da alegria, da amizade e da
saudável boemia; assim mesmo, com sílaba tônica no i, para que
rime com poesia e magia. Afinal, boêmia assenta mais aos
gramáticos, puristas, castiços e falsos boêmios.
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