quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O Sete de Setembro não é mais o mesmo


Cunha e Silva Filho                 

                   Leitor, já vi muitos  desfiles de Sete de  Setembro,  os quais,  para mim,  sobretudo quando  criança e adolescente,  diziam muito e muito do meu país,  dos  fastos da História  pátria,  do Grito do Ipiranga,   das aulas de  História do Brasil, dos compêndios didáticos   escritos em geral do ponto de vista dos dominadores, ou seja,   subordinando os fatos supostamente   acontecidos  ao crivo  da  historiografia oficial.
Os desfiles de  Sete de Setembro,  do qual  participavam   o  Exército,  as Polícia Militar,  os Bombeiros e os colégios  públicos e  privados  eram  uma festa  na  Teresina dos  anos  de 1950 e, para mim,  até o início da década de 1960.
De alguns desfiles,   ou como  chamávamos, de algumas “paradas”, participei,  como  aluno do Domício e  do Liceu Piauiense. Era um grande evento  para o qual afluíam  gente de todos os bairros e de todos os níveis sociais.
Nessas “paradas”, não havia  passeatas,  manifestações,  desprezo  às forças  policiais, às autoridades, não havia  cartazes  atacando  corruptos nem  reclamando  das condições deploráveis do país.Era   tudo alegria,   comemoração,  reverência,  respeito, enfim,  moralismo  pleno.
Isso tudo, com os anos,  pelo país afora,  foi  diminuindo  em sua beleza  de comemoração ao Dia da Pátria  e na reflexão  voltada  para  os destinos do nosso  povo. No dia seguinte  às “paradas,” só havia um assunto nas escolas ou nos lares:  saber quem  tinha  desfilado melhor, quem havia “marchado” co mais perfeição e mais garbosamente, este colégio  ou aquele? Quem  havia   vencido  e levado  os louros?
A imagem mais  bonita que me vem agora ao espírito era observar  a cadência dos militares  com seus passos  marciais  que faziam  um único  vinco  nos movimentos    exatos ao  ritmo  do passo acertado. Perfeição total  no jogo   dos joelhos  dobrados  nas calças das fardas  ou nos uniformes      dos  estudantes,  bons marchadores.
Agora,  resta  perguntar:  aquela  tranquilidade,  paz,  alegria de outrora  era ou  não o reflexo de uma  sociedade   domesticada e alheia às lutas do poder  político  e dos bastidores  dos palácios  de então? Seria preciso   chamar um  Roberto DaMatta para  explicar  tudo isso.
Cinquenta e poucos anos  depois. Estamos  em 2013 e, neste ano,  no Rio de Janeiro, em Brasília,  em Belo Horizonte, em São Paulo,  praticamente no  país inteiro,  o Sete de Setembro  perdeu  o brilho, sobretudo no Rio de Janeiro, que é a cidade que mais conheço.
Várias condicionantes    e  novas circunstâncias  de ordem  social e pública e institucional   conspiraram para que  o Sete de Setembro  se tornasse um fiasco. Vejam  os fatos.  No palanque  oficial  nem  o governador  do Estado do Rio  se achava presente. Nas arquibancadas   atualmente  montadas para o público  que  ia sempre homenagear e  assistir  ao desfile, o    Corpo de Bombeiros,  as Forças Armadas, os raros  sobreviventes  pracinhas  da Segunda  Guerra Mundial,  o desfile  dos alunos  do  respeitado e centenário  Colégio Militar do Rio de Janeiro, e   tantos  outros participantes   praticamente    desfilaram  para   um reduzido  público  na Avenida  Presidente Vargas, em frente ao  imponente  Palácio  Duque de Caxias, velho  e  belo  prédio  onde já funcionou  o antes denominado  Ministério da Guerra.
De repente,  surgem  grupos de manifestantes,  no meio dos quais  penetram  os  chamados   baderneiros ou vândalos, depredadores -  até hoje não sei quem está  por detrás disso tudo -,  de prédios  públicos,  de bancos, de postes,   de placas  com o nome de ruas. Depois que  Nero  mandou  queimar  Roma e pôr a culpa nos cristãos, tudo  se pode  cogitar  em termos  de  mandantes ou insufladores  do “quanto  pior, melhor.”  O confronto na Presidente Vargas entre manifestantes e baderneiros  empanou a  grandeza  do tradicional   desfile de Sete de Setembro. Das arquibancadas houve uma  debandada geral   correrias,  atropelos,  medo,   violência  policial  que,   sem preparo tático  e competência,  se estende em suas ações  truculentas  indo atingir   inocentes,  idosos, crianças.
Esses acontecimentos   recentes  que o país  tem  vivido  são sinais de que algo  errado e podre existe no  reino da Dinamarca. O clima do  país está mais para uma tragédia shakesperiana, com seus  Macbeths,  seus Shylocks,   seus Iagos, não faltando  algumas  pitadas de comédia  de erros  e de quiproquós  de  um sonho de uma noite de verão, respingando seus efeitos e “malfeitos”  também e principalmente na Câmara  dos Deputados, do Senado, do    Judiciário e de alguns  palácios  estaduais  já por demais  conhecidos da população brasileira.
Brasília, assim,  sem ainda  temer  os protestos  e reivindicações  dos manifestantes  sérios  e conscientizados, continua indiferente na sua soberba e cinismo  nunca antes visto  no passado  da política brasileira.   O  cineasta Cacá Diegues,  na crônica “Vamos tirar a máscara” (O GloboOpinião 7/9/2013), definiu com  propriedade o que  vem a ser  Brasília na simbologia tragicômica de sua imagem ante os olhos do povo brasileiro: “Brasília é a nossa Versalhes republicana. lá está a nobreza secular de nossa vida pública, a bailar ausente do que se passa no  resto do país, se sentindo injustiçada se algum  ingrato reclamar do uso  indevido do que não é deles. Da Praça dos Três Poderes, não se vê a Bastilha cair.”(grifos meus)

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