Cunha e Silva Filho
Leitor,
já vi muitos desfiles de Sete de Setembro, os
quais, para mim, sobretudo quando criança e
adolescente, diziam muito e muito do meu país, dos
fastos da História pátria, do Grito do Ipiranga,
das aulas de História do Brasil, dos compêndios didáticos
escritos em geral do ponto de vista dos dominadores, ou
seja, subordinando os fatos supostamente acontecidos
ao crivo da historiografia oficial.
Os
desfiles de Sete de Setembro, do qual
participavam o Exército, as Polícia
Militar, os Bombeiros e os colégios públicos e
privados eram uma festa na Teresina dos
anos de 1950 e, para mim, até o início da década de
1960.
De
alguns desfiles, ou como chamávamos, de algumas
“paradas”, participei, como aluno do Domício e do
Liceu Piauiense. Era um grande evento para o qual afluíam
gente de todos os bairros e de todos os níveis sociais.
Nessas
“paradas”, não havia passeatas, manifestações,
desprezo às forças policiais, às autoridades, não
havia cartazes atacando corruptos nem
reclamando das condições deploráveis do país.Era
tudo alegria, comemoração, reverência,
respeito, enfim, moralismo pleno.
Isso
tudo, com os anos, pelo país afora, foi
diminuindo em sua beleza de comemoração ao Dia da
Pátria e na reflexão voltada para os
destinos do nosso povo. No dia seguinte às “paradas,”
só havia um assunto nas escolas ou nos lares: saber quem
tinha desfilado melhor, quem havia “marchado” co mais
perfeição e mais garbosamente, este colégio ou aquele? Quem
havia vencido e levado os louros?
A
imagem mais bonita que me vem agora ao espírito era observar
a cadência dos militares com seus passos marciais
que faziam um único vinco nos movimentos
exatos ao ritmo do passo acertado. Perfeição total no
jogo dos joelhos dobrados nas calças das
fardas ou nos uniformes dos
estudantes, bons marchadores.
Agora,
resta perguntar: aquela tranquilidade, paz,
alegria de outrora era ou não o reflexo de uma
sociedade domesticada e alheia às lutas do poder
político e dos bastidores dos palácios de então?
Seria preciso chamar um Roberto DaMatta para
explicar tudo isso.
Cinquenta
e poucos anos depois. Estamos em 2013 e, neste ano,
no Rio de Janeiro, em Brasília, em Belo Horizonte, em
São Paulo, praticamente no país inteiro, o Sete
de Setembro perdeu o brilho, sobretudo no Rio de Janeiro,
que é a cidade que mais conheço.
Várias
condicionantes e novas circunstâncias
de ordem social e pública e institucional conspiraram
para que o Sete de Setembro se tornasse um fiasco. Vejam
os fatos. No palanque oficial nem o
governador do Estado do Rio se achava presente. Nas
arquibancadas atualmente montadas para o público
que ia sempre homenagear e assistir ao
desfile, o Corpo de Bombeiros, as Forças Armadas,
os raros sobreviventes pracinhas da Segunda
Guerra Mundial, o desfile dos alunos do
respeitado e centenário Colégio Militar do Rio de Janeiro, e
tantos outros participantes praticamente
desfilaram para um reduzido público na
Avenida Presidente Vargas, em frente ao imponente
Palácio Duque de Caxias, velho e belo
prédio onde já funcionou o antes denominado Ministério
da Guerra.
De
repente, surgem grupos de manifestantes, no meio
dos quais penetram os chamados
baderneiros ou vândalos, depredadores - até hoje não sei
quem está por detrás disso tudo -, de prédios
públicos, de bancos, de postes, de placas
com o nome de ruas. Depois que Nero mandou queimar
Roma e pôr a culpa nos cristãos, tudo se pode cogitar
em termos de mandantes ou insufladores do “quanto
pior, melhor.” O confronto na Presidente Vargas entre
manifestantes e baderneiros empanou a grandeza do
tradicional desfile de Sete de Setembro. Das
arquibancadas houve uma debandada geral correrias,
atropelos, medo, violência policial
que, sem preparo tático e competência, se
estende em suas ações truculentas indo atingir
inocentes, idosos, crianças.
Esses
acontecimentos recentes que o país tem
vivido são sinais de que algo errado e podre existe no
reino da Dinamarca. O clima do país está mais para uma
tragédia shakesperiana, com seus Macbeths, seus
Shylocks, seus Iagos, não faltando algumas
pitadas de comédia de erros e de quiproquós de
um sonho de uma noite de verão, respingando seus efeitos e
“malfeitos” também e principalmente na Câmara dos
Deputados, do Senado, do Judiciário e de alguns
palácios estaduais já por demais conhecidos da
população brasileira.
Brasília,
assim, sem ainda temer os protestos e
reivindicações dos manifestantes sérios e
conscientizados, continua indiferente na sua soberba e cinismo
nunca antes visto no passado da política brasileira. O
cineasta Cacá Diegues, na crônica “Vamos tirar a
máscara” (O Globo, Opinião 7/9/2013),
definiu com propriedade o que vem a ser Brasília
na simbologia tragicômica de sua imagem ante os olhos do povo
brasileiro: “Brasília é a nossa Versalhes republicana. lá
está a nobreza secular de nossa vida pública, a bailar ausente do
que se passa no resto do país, se sentindo injustiçada se
algum ingrato reclamar do uso indevido do que não é
deles. Da Praça dos Três Poderes, não se vê a Bastilha
cair.”(grifos meus)
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