quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Oeiras, passeio com o álino


Fonseca Neto

Visitei há poucos dias a cidade de Oeiras, ocasião de um Encontro literário da Confraria Eça-Dagobertiana, tudo feito na medida das ardentes sensações que a velha urbe sabe tecer. 
No cenário, obviamente, um filho e guia genial dos passeios ao lugar, o eciano da póvoa de cá, Dagoberto Carvalho Júnior, que tem as estruturas físicas e mentais de Oeiras refletidas e gravadas no espelho ondular de sua alma. Júnior até escreveu e já vai na sexta edição o “Passeio a Oeiras” – e a outras chegará, pois a primeira sé paroquial do Piauí permanecerá tal um convite ao contato com as manhas do tempo que a todos seduzem.
Vou registrar nas linhas seguintes um testemunho de algo que ele próprio já se referiu nesta folha: assisti Dagoberto apresentar o burgo tranqueiro ao acadêmico Reginaldo Miranda, presidente da APL, do alto do calçadão do Cine-Teatro Oeiras, ali ao lado da catedral da Vitória e do frontão angular estadonovista da Associação Comercial em prédio. Chegara a uma e quarenta da matina e, na praça de cima, ainda o Café Oeiras em cantares e beberes.  
O ponto em que estávamos é, de fato, símbolo, e mística, o marco da criação da cidade: a assentada do “tabuleiro que se acha pegado a passayem do Jatubá para a parte do Canindé”, conforme a ata da assembleia de criação da paróquia e que determinou a localização da Matriz. Locada, aliás, segundo a tradição católica de se fazer as igrejas-templo de frente para o poente –assim a da Vitória e as demais setecentistas do Rosário (dos Pretos), e da Conceição (dos Pardos). Estávamos no centro da grande praça.
Pois sim: ali o guia – extático, bem vi – o presidente, e eu. Afora o citado ponto de agito, no Café, o centro antigo de Oeiras dormia àquela hora. E diante do cenário real, na fortuidade daquela boca de madrugada, lua bonita, soprando a cruviana do sertão, Dagoberto apresenta ao visitante ilustrado a “cidadela” que seu espírito retém e que lhe anima, e alina...; que sem dúvida fortalece os nós de sua segurança ontológica. Aponta o casario do entorno da imensa praça vitoriana: casas feitas sobre escombros de casas e sonhos que viraram pó; casas das histórias de hoje lado a lado com as casas que ficaram de ontem: da Câmara e Cadeia, de [São] João de Nepomuceno, do Cônego, do Médico, das Doze Janelas; no centro dela, “a matriz, dominando a paisagem grande..., assistindo o enfileiramento das casas na pressa de fazer ruas...”; sim, dos seus quatro lados, saindo “ruas caminhando o caminho dos homens”.  Aponta, mais ao longe, sul, o campanário do Rosário, “a lua cheia resplendendo sobre a igreja”; Rosário que é um “alto”, igreja e praça: lugar essencial do povo negro de áfricas – pois se açorianas as sensações da praça branca, congos e angoleses são os rufos que ecoam desse morro, que é mesmo do rosário, propriamente, também de lágrimas, açoites, labor e vidas roubadas... E lembra nosso guia que padres de Jesus e governadores do tempo de João Pereira também por ali pontuaram suas presenças...
Para o norte, a casa do Visconde, a igreja da Conceição – e a conversa estica com o presidente Miranda, pesquisador da sociedade curraleira e suas teias familiais, identificando antigos troncos que sobrenominam o Piauí historicamente empoderado. Ora, percorrer as vias do tempo oeirense com os motores memoriais em ação plena, equivale tocar suas rugosidades. É se permitir contemplar as tramas do palco social, em cada casa secular, de pé, no caruncho dos telhados, ou que seja ruína física ou escombro do humano de toda espécie. Num morro no horizonte à frente, meio à direita, uma cruz e cinco letras, três vogais... Muito bom ouvir essas conversas –afinal, História é vida, vivida, a filha da Memória, daí que Clio, filha desta, trombeteia e escreve.

Lembrei-me que tinha visto esse álino incansável, imerso no mesmo cenário, e regalo, sob o sol duma manhã, apresentar a Ariano Suassuna a dita praça e catedral... E é vero que eças dagobertianices recifam Taperoá e além.

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