Fonseca Neto
Visitei
há poucos dias a cidade de Oeiras, ocasião de um Encontro literário
da Confraria Eça-Dagobertiana, tudo feito na medida das ardentes
sensações que a velha urbe sabe tecer.
No
cenário, obviamente, um filho e guia genial dos passeios ao lugar, o
eciano da póvoa de cá, Dagoberto Carvalho Júnior, que tem as
estruturas físicas e mentais de Oeiras refletidas e gravadas no
espelho ondular de sua alma. Júnior até escreveu e já vai na sexta
edição o “Passeio a Oeiras” – e a outras chegará, pois a
primeira sé paroquial do Piauí permanecerá tal um convite ao
contato com as manhas do tempo que a todos seduzem.
Vou
registrar nas linhas seguintes um testemunho de algo que ele próprio
já se referiu nesta folha: assisti Dagoberto apresentar o burgo
tranqueiro ao acadêmico Reginaldo Miranda, presidente da APL, do
alto do calçadão do Cine-Teatro Oeiras, ali ao lado da catedral da
Vitória e do frontão angular estadonovista da Associação
Comercial em prédio. Chegara a uma e quarenta da matina e, na praça
de cima, ainda o Café Oeiras em cantares e beberes.
O
ponto em que estávamos é, de fato, símbolo, e mística, o marco da
criação da cidade: a assentada do “tabuleiro que se acha pegado a
passayem do Jatubá para a parte do Canindé”, conforme a ata da
assembleia de criação da paróquia e que determinou a localização
da Matriz. Locada, aliás, segundo a tradição católica de se fazer
as igrejas-templo de frente para o poente –assim a da Vitória e as
demais setecentistas do Rosário (dos Pretos), e da Conceição (dos
Pardos). Estávamos no centro da grande praça.
Pois
sim: ali o guia – extático, bem vi – o presidente, e eu. Afora o
citado ponto de agito, no Café, o centro antigo de Oeiras dormia
àquela hora. E diante do cenário real, na fortuidade daquela boca
de madrugada, lua bonita, soprando a cruviana do sertão, Dagoberto
apresenta ao visitante ilustrado a “cidadela” que seu espírito
retém e que lhe anima, e alina...; que sem dúvida fortalece os nós
de sua segurança ontológica. Aponta o casario do entorno da imensa
praça vitoriana: casas feitas sobre escombros de casas e sonhos que
viraram pó; casas das histórias de hoje lado a lado com as casas
que ficaram de ontem: da Câmara e Cadeia, de [São] João de
Nepomuceno, do Cônego, do Médico, das Doze Janelas; no centro dela,
“a matriz, dominando a paisagem grande..., assistindo o
enfileiramento das casas na pressa de fazer ruas...”; sim, dos seus
quatro lados, saindo “ruas caminhando o caminho dos homens”.
Aponta, mais ao longe, sul, o campanário do Rosário, “a lua
cheia resplendendo sobre a igreja”; Rosário que é um “alto”,
igreja e praça: lugar essencial do povo negro de áfricas – pois
se açorianas as sensações da praça branca, congos e angoleses são
os rufos que ecoam desse morro, que é mesmo do rosário,
propriamente, também de lágrimas, açoites, labor e vidas
roubadas... E lembra nosso guia que padres de Jesus e governadores do
tempo de João Pereira também por ali pontuaram suas presenças...
Para
o norte, a casa do Visconde, a igreja da Conceição – e a conversa
estica com o presidente Miranda, pesquisador da sociedade curraleira
e suas teias familiais, identificando antigos troncos que
sobrenominam o Piauí historicamente empoderado. Ora, percorrer as
vias do tempo oeirense com os motores memoriais em ação plena,
equivale tocar suas rugosidades. É se permitir contemplar as tramas
do palco social, em cada casa secular, de pé, no caruncho dos
telhados, ou que seja ruína física ou escombro do humano de toda
espécie. Num morro no horizonte à frente, meio à direita, uma cruz
e cinco letras, três vogais... Muito bom ouvir essas conversas
–afinal, História é vida, vivida, a filha da Memória, daí que
Clio, filha desta, trombeteia e escreve.
Lembrei-me
que tinha visto esse álino incansável, imerso no mesmo cenário, e
regalo, sob o sol duma manhã, apresentar a Ariano Suassuna a dita
praça e catedral... E é vero que eças dagobertianices recifam
Taperoá e além.
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