terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Guaxenduba


Fonseca Neto

O litoral do Amapá ao Ceará de hoje é uma das primeiras áreas avistadas por navegantes ibéricos na época da expansão comercial. Hoje território brasileiro, esse rosto litorâneo voltado à linha equinocial, conheceu um duro processo de tomada de posse por parte do invasor português, no final do século XV, por todo o século XVI e grande parte do XVII. 
Do Ceará ao Amapá, litoral que se configura por imensas dunas, até a baía de São Marcos, no Maranhão, e depois ao Pará, até a fronteira com a França, no Oiapoque, por entrâncias e reentrâncias, num complexo de águas, ilhas e matas, fazendo maranhões e pororocas com aluviões doces e salgados. O esforço português de apossar-se dessa extensa faixa litorânea e daí ao controle das terras das ribeiras rumo ao sertão, afrontou seus habitantes nativos milenares, e também os invasores concorrentes oriundos da própria Europa, franceses e holandeses entre os mais frequentes.
A narrativa desse enfrentamento por terras e gentes a colonizar, sob a compulsão mercantil do tempo, é a história da formação do Maranhão antigo, assim do Pará, além do citado Ceará e Piauí, este, mais afilhado das dinâmicas do avanço colonial aos sertões que da dinâmica dos referidos mares navegados.
Os estudos dessa guerra generalizada são quase nada conhecidos na historiografia brasileira. São poucos, é verdade, mas quase desconhecidos. Parece deles não querem saber, os referentes interpretativos da história da América Portuguesa dos primeiros séculos e que se fizeram hegemônicos a partir da corte carioca e de São Paulo. 
Aqui da Ufpi, duas contribuições relevantes e recentes enriquecem o conhecimento desses séculos de enfrentamentos: 1) a tese de doutorado da professora Jóina Freitas Borges, sob o título “Os senhores das Dunas e os Adventícios de Além-Mar: Primeiros Contatos, Tentativas de Colonização e Autonomia Tremembé na Costa Leste-Oeste (Séculos XVI e XVII)”, que deve ser publicada em livro brevemente; 2) um livro que acaba de entrar em circulação, de autoria do professor João Renôr Ferreira de Carvalho, com o título “Ação e Presença dos Portugueses na Costa Norte do Brasil no Século XVII – A Guerra do Maranhão: 1614-1615” (Edufpi, 2013).
Arbitradas em favor de Portugal em 1494 pelos acertos interdinásticos e papais de Tordesilhas, essas terras foram objeto de uma primeira investida de apossamento real em 1535, quando divididas em lotes, doados, de iure e herdade, a fidalgos ricos para explorá-las economicamente. Essa via não se consumou e já no final do Quinhentos toda essa faixa litorânea estava sob a influência de franceses, negociada com indígenas, salvo algumas áreas, a exemplo do famoso Delta, habitado pelos tremembés, que opuseram forte resistência a estranhos. Ponto culminante da presença da França é a sua fixação, por algum tempo, em Upaon-açu, depois São Luís, onde organizaram uma Feitoria, a partir de 1596. Ergueram depois o Forte São Luís, em 1612, o que fez Portugal correr para assegurar seu quinhão tordesilhano. 
O estudo de Renôr foca os episódios encetados por Portugal para afastar os franceses. Acentua a difícil vitória portuguesa, com arrimo em muita referência documental, e revisita historiograficamente a Batalha de Guaxenduba, travada em fins de 1614 e que tomou Upaon e o Forte de Saint Louis. Vitória lusa sobre franceses e tupinambás aliançados, tão cantada e decantada pelos maranhenses. De fato, essa vitória maranhoa – feita São Luís em cidade e capital de um novo Estado colonial (1621) –, permite Portugal avançar militarmente para oeste, por terra, mar e rios, e a estabelecer seu domínio sobre o vale amazônico. Guerra de mundos que submeteu, e até eliminou, além de tupinambás e outros grupos indígenas, os próprios franceses e holandeses.  
Fontes documentais bem lidas, com destaque para representações cartográficas seiscentistas da “costa norte”.
Livro prefaciado pelo atual embaixador de Portugal no Brasil que, ufano, recorta da poética descobrimentista de Sophia Andersen, que “O mar tornou-se de repente muito novo e muito antigo / Para mostrar as praias / E um povo / De homens recém-criados ainda cor de barro / Ainda nus ainda deslumbrados”. A apresentação é do acadêmico Celso Barros Coelho.   

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