Fonseca
Neto
As
cidades velhas têm uma vantagem sobre as novas. Muitas, aliás. Uma
delas é o aprendizado da monumentalização notável de suas filhas
e filhos, rente às artes decantadas de pedra e cal de sua
ancianidade.
Oeiras
do Piauí tem especial devoção pelos que nascem de suas entranhas e
vivem nas malhas de seu tecido social. Como não foi desfigurada
totalmente pelas acelerações destrutivas de estúpido “progresso”,
também não foi despojada das lendas e outros mistérios trazidos ao
presente na insistência de suas gerações. Não soterrou em brumas
escurecidas do passado as edificantes histórias causais de sua gente
–ou mesmo as histórias causuais.
Nutre-se
a primeva capital, avidamente, de antigas memórias, enquanto produz
o tempo novo de suas filhas e filhos, os quais, ainda que se
distanciem do chão comum, seguem enleiados nos fios do teçume
mater. O clima bem dosado do lugar parece alongar a vida de muita
gente, dando chance, charme e graça à historiação orada, e até
escrita, dos seus viventes e viveres.
Há
em Oeiras, desse jeito, alguns premiados que, vivendo muito, habitam
o imaginário social na condição intermédia de personagens como
que em trânsito, da vida real à ficção. Até se tornam, aos olhos
dos mais jovens, testemunhos de tempos e experiências aparentemente
inexistentes. E é assim que são robustecidos e ganham o mundo as
suas singularidades, ao ponto de instituir o modo que o cronista
apanhou do seu falar comum –“em Oeiras é assim...”
Essas
observações me foram sugeridos e as fiz para realçar o oportuno
tributo que ora se faz em Oeiras ao maestro e homem público Joaquim
da Silva Copeiro, músico respeitado e, com certeza, digno de toda
reverência, numa cidade onde se diz que “de músico e...”.
Cidade onde tudo se move tocado a música –de batizado a enterro, o
sarau, o bordel. E os sinos dobram alegres ou tristes nos 26 tons
ditados nas partituras dos preceitos de cada circunstância de seu
cotidiano.
Homenagem
que Copeiro recebeu de um escola oeirense, o Instituto Barros de
Ensino (Ibens), que acaba de publicar um manancial de memórias do
músico: um livro autoral, “Rememorando o Passado, história de uma
vida”; uma revista, “Almanaque Biográfico – Joaquim da Silva
Copeiro: memórias de uma vida, histórias de uma cidade”; e um
jornal, “Revivendo o Cometa”, focando Copeiro e Vinicius de
Moraes. Publicações que inventariam as ações da área de ensino
de língua e literatura da escola, a qual desenvolve um projeto
sugestivamente intitulado “De poeta, músico e louco, em Oeiras
todos têm um pouco”, anualmente mergulhando na vida e obra de dois
grandes artistas. Em 2013, Copeiro e Moraes.
Um
dropes só da (re)memória copeiriana: “Ainda em dezembro de 1984
(dia 26), a Banda semiestruturada tocou no enterro do Sr. Walburg
Ribeiro Gonçalves. Foi um pedido dele a mim e aos familiares, quando
vivo. Com o consentimento da família tocamos as músicas do seu
pedido, ao sair o caixão: ‘Bombardeio da Bahia’, acompanhando o
enterro até o Condado, hoje, Armazém Paraíba. De lá ao
Cemitério ‘General Rabelo’, dobrados que quando vivo
assobiava-os. Houve pequenos desentendimentos, entre os que não
sabiam que era normal no passado” (p. 48). Há por aí uns tolos
que acham que só tem sentido memória de chefe político e gente
rica. Não é o caso, claro, do pessoal do Ibens, e de tantos
oeirenses e incondicionais amantes da “Invicta”: Dagoberto, R.
Newton, Bill, Socorro Brandão, Chico e E. S. Rêgo, Expedito, Joca,
Gutemberg, Soarinho, Rita, Stefano, Etelvina Ribeiro Gonçalves –
aliás, esta, dos Ribeiro que são o “partido” do mestre Copeiro,
e que nos anos 1940, juntos, com as responsabilidades de viverem na
terra de Possidônio, criaram esse ícone oeirense: a banda
Santa Cecília. Devem estar se deliciando com o livro.
O
“Almanaque e “O Cometa” são uma realização do coletivo de
estudantes e professores das referidas áreas, feitos qual oficinas
de invenção textual-literária; excepcional iniciativa.
E
foi imerso no turbilhão caminhante e roxo de uma Sexta de Passos, no
intervalo do Sermão, que interpelei um trobonista da orquestra: de
quem é essa “marcha” tão sóbria e lacrimosa, e altiva, “para
seguir”...? Respondeu-me rápido: “não sei ao certo, mas só
pode ser do Mestre Joaquim Copeiro” – al! Sim. Agora entendi
tudo. Quis falar com ele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário