quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

MISÉRIA MORAL E A CORRUPÇÃO


MISÉRIA MORAL E A CORRUPÇÃO

Jacob Fortes

Sob a perplexidade de uns e a indiferença de outros, o Brasil assiste a ascensão da miséria moral. Quando se fala em miséria a primeira coisa que acode a mente do leitor é a pobreza extrema, aquela impedida de transitar de modo indisfarçável por causa do seu uniforme personalizado. Nesse uniforme, matizado ao estilo de chita ramada, vê-se a figura da mendicância, da fome, da indigência, do desabrigo, da criança abandonada, da falta de escola, enfim, todas as paisagens representativas das lepras e chagas sociais; privilégio de quem habita o mundo da exclusão. Mas aqui, especificamente, não me refiro à miséria palpável: que pode ser detectada pela vista ou pelo tato, mas à impalpável: que conspira contra a reputação, contra a honra, contra a probidade no ato de agir.

A propósito, ninguém saberia dizer exatamente quando surgiu a miséria moral, que o populacho chama de desonra. O que se pode afirmar é que ela remonta aos primórdios da humanidade. Os anais da história, — refertos em episódios épicos, líricos, pungentes, repulsivos, — contabilizam condutas emblemáticas perpetradas sob o ânimo da desonra. Exemplificativamente é o caso de Jacó, meu xará (livro de Gênesis), que, mancomunado com Rebeca, sua mãe, engendrou toda aquela cavilação para fazer-se passar por Esaú, seu irmão, e, assim, extorquir-lhe a primogenitura. É dessa consciência não dotada de sentido moral que manuscrevo, melhor, que digito no Word.

Matusalênica ou contemporânea, o fato é que a desonra encontrou, no Brasil, o solo fecundo de que precisava para tornar-se viçosa, exuberante. A ocasião não parece apropriada para uma dissertação acerca das razões que tornam esse solo tão generoso para com a desonra. Porém, o escritural histórico/sociológico deste gigante chamado Brasil, cuja cultura, aliás, está impregnada de influências múltiplas, alicerça dizer que a desonra não foi fomentada pela cultura indígena (de fundo ecológico e forte apego à natureza; sem ambições de armazenamento), nem pela cultura negra (cujo povo teve sua dignidade solapada por mais de três séculos e, quando liberto, tornou-se marginalizado). Esse fomento deriva de outros fatores, sobremaneira da cultura do colonizador. Cultura, diga-se, pautada no aventureirismo magano dos que vieram não para construir uma nação, mas para enriquecer na possessão tupiniquim, (extinta “Serra Pelada”), e, em seguida, retornar ao berço ultramarino, circunstância que fez nascer o individualismo, o desamor pela coisa pública, o descompromisso com o bem comum.

Resguardada a retidão que teima em vigorar na maioria dos brasileiros, vejam-se essas manchas que prosperam no interno das famílias citadinas.

Onde é que eu errei? Perguntam-se os pais, perplexos, quando constatam que o filho aprendeu o caminho dos presídios. A perplexidade, no caso, apenas ilude as suas consciências, pois, no fundo, sabem que o aprendizado do filho teve início no seio da família. Primeiro uma condutazinha discrepante contra a qual não houve o menor ralho destinado a corrigir a criança. Depois o que era apenas discrepante foi-se avultando progressivamente até adquirir contornos de desregramento. E tudo por quê? Por que havia dentro de casa um espelho e um fautor, aliás, dois: o pai e a mãe. Eis o papel dos fautores: o pai avança a faixa de pedestre, o sinal vermelho, e a criança vê. A mãe, às ocultas, no interior do supermercado, desenfarda um tablete de diamante negro e a criança descobre o modo de comer chocolate sem pagar. No trânsito, invariavelmente, o pai viaja pelo acostamento e o filho vê. Também estaciona nas vagas privativas de portadores de deficiência e o filho vê. A mãe, numa manhã domingueira, se vangloria de ter recebido, da padaria, troco a maior e o adolescente escuta. O pai, na maior desfaçatez, esclarece à esposa, em tom de quem leva vantagem, que comprou algo e efetuou o pagamento com um cheque sem fundos, circunstância que chega aos ouvido do audiente rapazola. O rapazola introduz na casa um objeto de origem duvidosa e os pais dão de ombro. E com esses ingredientes (fartura de maus exemplos aliada à escassez de catecismo e religião) chega-se à receita que faz recender, no olfato do adolescente, o perfume que desperta para o cortejo às práticas ilícitas. E nessa toada, sob o ânimo de uma desonra que viceja e transita sem-cerimônia como se portasse o crachá da moralidade, vai-se propagando em todos os seguimentos da sociedade, espetacularmente no político, a degenerescência da conduta humana. Ressalte-se a circunstância pesarosa de o Brasil haver banido das escolas a disciplina moral e civismo e, também, o hasteamento do pavilhão nacional antes de começarem as aulas. Todo esse estado de coisa faz vigorar o pensamento dominante de que é preciso levar vantagem em tudo, principalmente durante um mandato eletivo. Nessa seara os corruptos, nadando de braçada, se esmeram por desfrutar dos benefícios provenientes das trapaças que engendram, embora recusem a pecha de desonestos. Escândalos intérminos brotam ao modo de ervas daninhas por entre o cereal de boa semente: o povo honrado. É verdade que aqui e acolá alguns escândalos são flagrados e apontados por um vedor, mas, recidivos, reaparecem; agora mais travestidos. Nada faz medrar a ética na política! Apesar da impunidade, que graça, eventualmente alguns corruptos são penitenciados por culpas verificadas em prova.

Enquanto a corrupção prospera o povo padece com serviços públicos de baixa qualidade, mais das vezes em ruínas. Os eleitos, encastelados em seus gabinetes, já não escutam a voz do povo; detentor de muitos haveres. O povo é o timoneiro que poreja no remo para manter o país na rota da prosperidade. Apesar de relegado ao esquecimento, esse povo — submetido ao calvário de viajar, por longas horas, em trens e ônibus sucateados, comprimidos aos moldes de vagões boiadeiros, — trabalha de forma incansável por uma vida melhor, para manter a pátria forte; aprovisioná-la, inclusive de impostos de alto preço. Aliás, não faz muito tempo esse povo, transbordando de indignação, emitiu, por meio de manifestações fragorosas que ecoaram no Brasil e no mundo, gritos de socorro, mas, pelo visto, inaudíveis aos ouvidos dos políticos. Será que isso é tudo quanto eles acham que merecemos? Pergunta-se o povo, abatido, por vezes sem o brilho das efusões cívicas. O que quer que esse povo faça, por mais que acene, por mais que rogue, por mais que chore, por mais que grite permanece inviso, ignorado, pelo menos enquanto não se avizinham as eleições. Mas é preciso continuar clamando para que a demora não se estenda para além do suportável; para que o intolerável de hoje não se faça natural amanhã.

Já que não se pode dedetizar a miséria moral, por tratar-se de ser abstrato, nem mesmo castrá-la para que não venha sobrepovoar o país com a sua filha, a miséria material, (cuja cara de mortalha causa repugnância aos olhos e punge corações), ao menos que iludamos os nossos ideais remetendo o nosso pensamento para o singular e incensurável procedimento finlandês.

Os brasileiros, que tem na carteira a balança que pesa o bom e o ruim, fiquem alerta: há um contingente de políticos que, por falta de decência e integridade, já não merece ser abonado. Avizinha-se o momento em que esses polutos, hábeis em promessas mentirosas, sairão à cata de votos levando ao crédulo eleitor a insinceridade acoitada por semblantes beatíficos e sorrisos ternos.     

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