Francisco Miguel de Moura
Escritor. Membro da Academia Piauiense de Letras
Escritor. Membro da Academia Piauiense de Letras
Olhando-se
a biografia de um grande escritor, o que encontramos? Muito e pouco.
Muito de bibliografia, seja de obras publicadas dele ou dos outros,
seja de prêmios recebidos, seja de participações em obras
coletivas. Pouco de feitos políticos ou administrativos fora da
área. Assim aconteceu com NILTO MACIEL, nascido em Baturité, Ceará,
em 30-1-1945, e falecido em Fortaleza, em 30-4-2014. Ele ingressou na
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em 1970;
criou, em 1976, com outros escritores, a revista “O Saco”, que
revolucionou o Ceará e o Brasil; mudou-se para Brasília em 1977,
tendo trabalhado na Câmara dos Deputados, no Supremo Tribunal
Federal e no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, quando fundou
a revista “Literatura” (1991). Muitos números foram
editados e continuou a fazê-lo a partir de 2002, quando voltou para
Fortaleza. Da importantíssima publicação – talvez a melhor do
Brasil no período – fui colaborador com artigos e poemas, tanto
nas edições de Brasília, quanto nas de Fortaleza, e fiz parte do
Conselho Editorial com os escritores Batista de Lima, Enéas
Athanázio, Jorge Tufic, Leontino Filho, Nelson Hoffmann e Soares
Feitosa. No ano 2000, quando fizemos uma viagem à Cuba de Fidel
Castro, conheci pessoalmente Nilto Maciel, de quem fiquei sabendo,
por ouvi-lo e vê-lo, que “era uma pessoa que só dava valor à
vida e à literatura, tudo mais era brincadeira, na verdade, era um
grande gozador”. Foi uma festa agradável, não obstante não
conversarmos sobre a política, nem de lá nem de cá, porque não
era esta a “nossa praia”, como diz o carioca. Lançamos, na
ocasião, o livro coletivo “Poesía de Brasil”, organizado por
Aricy Curvello e traduzido ao espanhol por Gabriel Solis.
É
verdade que NILTO bebia muito, especialmente cerveja, se não era
alcoólatra, parecia. Seu corpo foi encontrado em 30 de abril, em sua
casa, onde morava sozinho. Não havia como levar ao hospital. Seus
amigos apressaram para sepultá-lo no dia seguinte. Era casado, mas
não vivia com a mulher (ou as mulheres) – gostava de muitas (ou de
todas). E tinha filhas, ao que sei. Mas a verdade é que era um
solitário, visitado apenas por poucos amigos, a maioria escritores e
escritoras, em sua casa, onde mantinha boa biblioteca, onde
trabalhava sem hora. Seu modo de ser, desde o primeiro livro,
levava-o para a literatura, digo, para sua solidão. Na infância
sonhara ser jogador de futebol, depois das brincadeiras de rua,
refere um dos seus recentes livros, “Quintal dos dias” (2013),
onde mistura história, realidade e ficção e conta parte de sua
infância no interior. Eis porque abraçou o realismo mágico ou
fantástico, nas suas "estórias". Sobre um dos seus
primeiros livros, fiz um paralelo dele com o Jorge Luís Borges, em
artigo de jornal. Grande contista este Nilto Maciel, grande
novelista, grande incentivador da literatura e dos escritores. Neste
particular foi um benfeitor da humanidade. Porque literatura é
humanismo, o mais puro humanismo, chegando mesmo a assemelhar-se a
uma “religião sem dogmas”, expressão que usei alhures
e apliquei à literatura, pela primeira vez.
Dito
isto, é importante reproduzir parte do 1º capítulo de “Quintal
dos dias”, onde o escritor abre a boca, no dizer popular: “Venho
da Serra, do verde do Ceará, mas meus pais e avós vieram do sertão
seco. Do tempo do trabuco, da injustiça, da perseguição, de
Antônio Conselheiro, aquele de Canudos, que as tropas militares
massacraram. Li a História desses povos, dessas gentes. Mas li
também Camões, a Bíblia, Alencar, Machado, cordel, Moreira Campos.
E me pus a escrever também. Mais para relembrar aquele povo e seus
descendentes. Para recriá-los. Ou mesmo criá-los, porque talvez
nada exista. O que existe é a obra de arte, que é ficção. Nada é
real. Quanto mais antigo mais irreal. Ninguém me conhece. Ninguém
me lê. Sou marginal da literatura. Há muito deixei de sonhar com
glórias e famas. Tudo isto é passageiro. O que é bom permanece.
Sem precisar de muletas, fanfarras, galardões, medalhas. Sou apenas
um escritor de poemas, contos e romances”.
Falar
em Nilto Maciel é falar em literatura, todo o tempo. Conheço quase
todos os livros que publicou, em torno de 30 só de ficção, dos
quais li os primeiros e os últimos. Houve um intermédio em que me
encontrava em grande efervescência e escrevia muito mais do que lia.
Destaco sua obra “Vasto abismo” (1998): - Quem escreveu um livro
como esse não precisa escrever mais nada para tornar-se célebre.
Mas li, também, principalmente os contos, a partir do
primeiro:“Itinerário” (1974), estreia do escritor. Sobre
ele, escrevi:“Recomendo-o, sobretudo aos jovens, pela concisão do
estilo, poeticidade do desenvolvimento, concretude e brevidade dos
exercícios ficcionais. Há surpresas de finura na linguagem, de
aproveitamento máximo dos temas, de finalização – acho até que
por esta última qualidade se caracterizam. Parecem, a maioria,
propositalmente reduzidos ao final, talvez como impacto de estrutura,
talvez como motivação poética. Fábulas, anti-histórias, crônicas
do sentir e do ser, vão do alegórico ao zombeteiro, mas não descem
ao anedótico, eis algumas das estratégias usadas no seu movimento
de criação”.
Contista,
cronista, poeta, romancista e divulgador da literatura, especialmente
daqueles autores que não ganharam a “simpatia” da grande mídia
- via grandes editoras – Nilto Maciel, antes de sua morte, adivinha
sua imortalidade na literatura, escrevendo o livro “Como me tornei
um imortal” (2013), devassando a vida de seus amigos e conhecidos e
expondo-os em crônicas bem humoradas e fantásticas. “É um
virtuose”.
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