quarta-feira, 21 de maio de 2014

NILTO MACIEL - GRANDE ESCRITOR BRASILEIRO


Francisco Miguel de Moura
Escritor. Membro da Academia Piauiense de Letras

Olhando-se a biografia de um grande escritor, o que encontramos? Muito e pouco. Muito de bibliografia, seja de obras publicadas dele ou dos outros, seja de prêmios recebidos, seja de participações em obras coletivas. Pouco de feitos políticos ou administrativos fora da área. Assim aconteceu com NILTO MACIEL, nascido em Baturité, Ceará, em 30-1-1945, e falecido em Fortaleza, em 30-4-2014. Ele ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em 1970; criou, em 1976, com outros escritores, a revista “O Saco”, que revolucionou o Ceará e o Brasil; mudou-se para Brasília em 1977, tendo trabalhado na Câmara dos Deputados, no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, quando fundou a revista “Literatura” (1991). Muitos números foram editados e continuou a fazê-lo a partir de 2002, quando voltou para Fortaleza. Da importantíssima publicação – talvez a melhor do Brasil no período – fui colaborador com artigos e poemas, tanto nas edições de Brasília, quanto nas de Fortaleza, e fiz parte do Conselho Editorial com os escritores Batista de Lima, Enéas Athanázio, Jorge Tufic, Leontino Filho, Nelson Hoffmann e Soares Feitosa. No ano 2000, quando fizemos uma viagem à Cuba de Fidel Castro, conheci pessoalmente Nilto Maciel, de quem fiquei sabendo, por ouvi-lo e vê-lo, que “era uma pessoa que só dava valor à vida e à literatura, tudo mais era brincadeira, na verdade, era um grande gozador”. Foi uma festa agradável, não obstante não conversarmos sobre a política, nem de lá nem de cá, porque não era esta a “nossa praia”, como diz o carioca. Lançamos, na ocasião, o livro coletivo “Poesía de Brasil”, organizado por Aricy Curvello e traduzido ao espanhol por Gabriel Solis.

É verdade que NILTO bebia muito, especialmente cerveja, se não era alcoólatra, parecia. Seu corpo foi encontrado em 30 de abril, em sua casa, onde morava sozinho. Não havia como levar ao hospital. Seus amigos apressaram para sepultá-lo no dia seguinte. Era casado, mas não vivia com a mulher (ou as mulheres) – gostava de muitas (ou de todas). E tinha filhas, ao que sei. Mas a verdade é que era um solitário, visitado apenas por poucos amigos, a maioria escritores e escritoras, em sua casa, onde mantinha boa biblioteca, onde trabalhava sem hora. Seu modo de ser, desde o primeiro livro, levava-o para a literatura, digo, para sua solidão. Na infância sonhara ser jogador de futebol, depois das brincadeiras de rua, refere um dos seus recentes livros, “Quintal dos dias” (2013), onde mistura história, realidade e ficção e conta parte de sua infância no interior. Eis porque abraçou o realismo mágico ou fantástico, nas suas "estórias". Sobre um dos seus primeiros livros, fiz um paralelo dele com o Jorge Luís Borges, em artigo de jornal. Grande contista este Nilto Maciel, grande novelista, grande incentivador da literatura e dos escritores. Neste particular foi um benfeitor da humanidade. Porque literatura é humanismo, o mais puro humanismo, chegando mesmo a assemelhar-se a uma “religião sem dogmas”, expressão que usei alhures e apliquei à literatura, pela primeira vez. 

Dito isto, é importante reproduzir parte do 1º capítulo de “Quintal dos dias”, onde o escritor abre a boca, no dizer popular: “Venho da Serra, do verde do Ceará, mas meus pais e avós vieram do sertão seco. Do tempo do trabuco, da injustiça, da perseguição, de Antônio Conselheiro, aquele de Canudos, que as tropas militares massacraram. Li a História desses povos, dessas gentes. Mas li também Camões, a Bíblia, Alencar, Machado, cordel, Moreira Campos. E me pus a escrever também. Mais para relembrar aquele povo e seus descendentes. Para recriá-los. Ou mesmo criá-los, porque talvez nada exista. O que existe é a obra de arte, que é ficção. Nada é real. Quanto mais antigo mais irreal. Ninguém me conhece. Ninguém me lê. Sou marginal da literatura. Há muito deixei de sonhar com glórias e famas. Tudo isto é passageiro. O que é bom permanece. Sem precisar de muletas, fanfarras, galardões, medalhas. Sou apenas um escritor de poemas, contos e romances”.  

Falar em Nilto Maciel é falar em literatura, todo o tempo. Conheço quase todos os livros que publicou, em torno de 30 só de ficção, dos quais li os primeiros e os últimos. Houve um intermédio em que me encontrava em grande efervescência e escrevia muito mais do que lia. Destaco sua obra “Vasto abismo” (1998): - Quem escreveu um livro como esse não precisa escrever mais nada para tornar-se célebre. Mas li, também, principalmente os contos, a partir do primeiro:“Itinerário” (1974), estreia do escritor. Sobre ele, escrevi:“Recomendo-o, sobretudo aos jovens, pela concisão do estilo, poeticidade do desenvolvimento, concretude e brevidade dos exercícios ficcionais. Há surpresas de finura na linguagem, de aproveitamento máximo dos temas, de finalização – acho até que por esta última qualidade se caracterizam. Parecem, a maioria, propositalmente reduzidos ao final, talvez como impacto de estrutura, talvez como motivação poética. Fábulas, anti-histórias, crônicas do sentir e do ser, vão do alegórico ao zombeteiro, mas não descem ao anedótico, eis algumas das estratégias usadas no seu movimento de criação”.

Contista, cronista, poeta, romancista e divulgador da literatura, especialmente daqueles autores que não ganharam a “simpatia” da grande mídia - via grandes editoras – Nilto Maciel, antes de sua morte, adivinha sua imortalidade na literatura, escrevendo o livro “Como me tornei um imortal” (2013), devassando a vida de seus amigos e conhecidos e expondo-os em crônicas bem humoradas e fantásticas. “É um virtuose”.   

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