PROFESSOR
LIMA COUTO
Elmar
Carvalho
No
começo de 1977, quando iniciava o meu curso de Administração de
Empresas, feito no Campus Ministro Reis Velloso – UFPI, freqüentava
a casa do velho professor Lima Couto, sobretudo à noite, quando
costumava pegar carona com o seu filho Paulo Couto, meu amigo e
colega de turma, no seu fusca branco, que me lembraria uma garça,
não fosse o seu formato mais parecido com um besouro. Foi quando
conheci e passei a admirar o mestre.
Nessa
época, iniciei a minha colaboração nos jornais parnaibanos Folha
do Litoral, extinto, e Norte do Piauí, de Mário Meireles, ainda
hoje em circulação, com a publicação de meus poemas, de feição
modernista, vários posteriormente enfeixados em meus livros e nas
antologias de que participei, ao contrário de vários outros
colaboradores, que publicavam exclusivamente versos de sabor
passadista, conforme registro no meu ensaio “Jornal
Inovação – um depoimento”: “(...)
antes de Alcenor Candeira Filho, com seus dois livros (“Sombras
entre Ruínas” e “Rosas e Pedras”), impressos em mimeógrafo,
pioneiros, inclusive em termos de Piauí, da utilização desse
equipamento, que passou a designar uma geração literária, deste
escriba e do poeta V. de Araújo, ambos com poemas publicados, ainda
nos idos de 1977/1978, nas páginas de “Folha do Litoral”, o que
se viam em Parnaíba eram poemas obsoletos e formalmente
ultrapassados, sobretudo sonetos de cunho parnasiano (...)”
Para
minha satisfação, o prof. Lima Couto, que era um apreciador de
poesia, embora sua formação intelectual talvez não haja assimilado
bem o modernismo, admirava os meus poemas e os comentava comigo, bem
como aproveitava, nas várias vezes em que fui a sua casa, para
discutir outros assuntos literários, culturais e educacionais. Não
obstante já tê-lo conhecido numa idade avançada, tomava-se então
de grande euforia e com sua voz melódica e de timbre marcante, com
gestos fortes e caraterísticos, falava-me de poetas que admirava,
entre os quais se destacavam Longfellow e Tagore, e me recitava, de
memória, poemas que apreciava, a maioria de conteúdo filosófico e
de mensagem edificante. Pude, via de conseqüência, vislumbrar a sua
considerável erudição.
Com
o mais vivo entusiasmo, falava-me de sua experiência magisterial,
sobretudo na qualidade de professor de Inglês, língua que dominava,
havendo feito até uma bela tradução de poema do já aludido
Longfellow. Também falava de sua trajetória como administrador
educacional, das suas ações e metas administrativas, bem como de
sua meteórica experiência como livreiro. Tinha em grande conta a
estadualização, no governo Chagas Rodrigues, do velho Ginásio
Parnaibano, que hoje ostenta o nome do prof. Lima Rebelo, também
conhecido como Preceptor da Parnaíba.
Algumas
vezes, enquanto esperava o Paulo, aproveitava para ficar no jardim da
casa, para olhar as plantas e absorver os perfumes das flores do
caramanchão. Creio que vem dessa saudosa lembrança, esses versos
que pus no meu poema “Vida in Vitro”, que é na verdade o
inventário e a epopéia da vida de um homem, de um homem qualquer:
buscas
os cheiros embriagantes dos
brancos
lírios de são josé e das rosas vermelhas
do
velho caramanchão de antigamente.
os
lírios se transformaram em cálices
de
amargura e nas rosas depositas
o
orvalho de tuas lágrimas pelo mundo
perdido
num canto escuro do passado
Ainda hoje
recordo com muita intensidade esse velho mestre, que não foi meu
professor na instrução pública, mas de quem recolhi lições
admiráveis e de quem recebi incentivo e palavras de estímulo.
Um
dia, para minha perplexidade e apreensão, o meu amigo e jornalista
B. Silva me contou que o Prof. Lima Couto dissera temer que eu viesse
a morrer muito jovem, pois me achava muito inteligente e um bom
poeta. O elogio era suspeito, porquanto oriundo de uma pessoa amiga,
mas me deixou um tanto temeroso, pois estava eu ainda no ocaso de
minha adolescência, mergulhado nos sonhos que o tempo e a vida se
encarregaram de desmantelar e envolvido pela aura da poesia, que
ainda não me abandonou.
Felizmente,
para mim, o grande mestre era um mau profeta, e aqui ainda estou eu
para contar a história e para relembrar, numa crônica repassada de
saudade, poesia e emoção, a figura inesquecível de um ser humano
que se chamou José de Lima Couto.
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