Foto meramente ilustrativa |
EDIMÊ, a professora que
remanesce
Jacob Fortes
Por vezes nos pegamos
perdidos em silêncios indecifráveis, um estado letárgico alheado aos
pensamentos racionais. É circunstância comum, acomete a todos os pensantes.
Assim me sucedeu, dia desses, na hora da ave-maria, embora houvesse o
pressentimento vago de que o torpor do “vinho” iria desvanecer brevemente. Teclei o “enter” da minha mente uma, duas,
três vezes e nada. Por fim, tenuemente surgiram os primeiros feixes de luz. Um
filme insinuava-se. A tela, com a lerdeza de uma boiada calaceira que rumina o
capim mascado, finalmente despertou. Neste comenos, lá da BR, hora do rush,
ouvi a ambulância alardear continuamente a sua sirene em grau tão estridulante
que fazia supor urgente missão de salvamento. Isso fez acender de vez todas as
luzes do armarinho da minha memória. Um após outro, os pensamentos se ergueram
e logo se formou um cortejo processional deles em busca de propósitos.
O primeiro a aluir-se
expôs, num escaninho especial do armarinho, a figura da professora Edimê. Mais
que professora, orientadora, amiga, e muito mais para quem, ingênuo e ainda
poento do sertão, tinha o horizonte do tamanho das pestanas. Não sei do
paradeiro da estimada professora, menos ainda as razões que a fizeram
transferir-se da metrópole recifense para lecionar naquela cidadezinha. Naquele
tempo, quando o diário do século, incrédulo, anotava as façanhas do Sputnik
Primeiro, já lhe pesavam aos ombros o triplo dos meus doze. Dedutivamente, há
de encontra-se vetusta, em algum lugar que gostaria de saber, ostentando as
marcas inconfundíveis da longevidade. Senão, atendendo o chamado incontradito
do concurso de remoção, passou a exercer a docência em plagas celestiais. Assim
como na terra, lá também todos os ofícios são necessários. Seu relicário
instrumento de ensino/aprendizagem, a máquina de datilografia, fora, no dizer
do escritor Geraldo Almeida Borges, “Província Submersa”, incorporado, por
decreto dos computadores modernos, à carga patrimonial da idade neolítica.
Gostaria que ela
soubesse o quanto os seus ensinamentos me foram úteis e que efeito teve em meu
coração a sua fidalga generosidade. Ainda que não possa vê-la, ternamente
cultivo essa expectativa nutrindo a vontade de “ser novamente um menino”. Onde
quer que esteja ofereço-lhe, professora Edimê, com a permissão do Rei, a canção
“Lady Laura”, na voz melodiosa do meu silêncio, assistida por uma plateia de
duas lágrimas que boiam indecisas: uma para regar a saudade que se tornou minha
companheira, a outra para molhar as sementeiras que fazem florescer as edimês
que tornam a vida ainda mais doce, a despeito dos seus absurdos.
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