2 de julho Diário Incontínuo
HOMENAGEM AO JUIZ
BERNARDO LUCAS MATEUS
Elmar Carvalho
No dia 7 de maio, à
tarde, segui para Parnaíba. No dia seguinte, às 19:30 horas, seria lançado meu
livro Confissões de um juiz, que teria apresentação do poeta e escritor Alcenor
Candeira Filho. Alguns poemas de minha autoria seriam interpretados pela atriz
Carmem Carvalho. A solenidade aconteceria no auditório SESC/Avenida Presidente
Vargas, como efetivamente aconteceu, na forma programada.
Pretendia prestar uma
homenagem pessoal ao impoluto magistrado Bernardo Lucas Mateus, que relevantes
serviços prestou à Justiça, ao exercer seu cargo com dignidade em diversas
Comarcas do Estado do Piauí. Por essa razão, ao chegar à cidade de Buriti dos
Lopes, resolvi visitá-lo. Minha mulher pediu que fôssemos antes à casa do
senhor Bezinho Val. Dediquei-lhe um exemplar, e autografei outros, que deixei a
seu cuidado, entre os quais os destinados ao advogado Bernildo Val, seu filho e
prefeito do município, ao juiz de Direito Marcos Cavalcante e à biblioteca
pública municipal.
O senhor Bezinho Val
pediu-nos para nos acompanhar na visita que faríamos ao Dr. Bernardo Lucas
Mateus, o que muito nos gratificou. Em seus mais de oitenta anos de idade, acho
que quase 85, demonstrou muita agilidade e vigor ao entrar ou sair da picape. O
anfitrião nos recebeu com a sua natural fidalguia. Mantivemos rápida palestra,
embora ele estivesse deitado em uma cama, a tomar soro ou medicamento
intravenoso, sob os cuidados de uma enfermeira.
Vários filhos, entre os
quais o Luquinha, netos, parentes e amigos se encontravam na casa. Senti que
ele não poderia comparecer ao lançamento de meu livro, de forma que lhe
autografei um exemplar, e me despedi. Pouco mais de um mês depois, recebi,
através do Canindé Correia, a notícia de seu falecimento, e dias após o Paulo
César Lima me pediu, através de telefonema, para que eu escrevesse um texto,
que ele leria na missa de sétimo dia; o escrito integraria um folder a ser
distribuído no final do ato religioso.
Nesse texto, uma
espécie de crônica, eu dizia não saber se o saudoso magistrado teria conseguido
ler o meu livro, em virtude de seu grave estado de saúde, mas que desejava
tivesse isso acontecido. Um ou dois dias depois, quando o Paulo voltou a me
telefonar sobre o meu depoimento, falei também com o Luquinha. Este,
emocionado, já tendo lido o meu texto, me revelou que seu pai, certa madrugada,
acordara e perguntara pelo meu livro, que lhe foi entregue.
Acomodou-se em sua
cadeira preferida, e leu algumas páginas. Ao deitar-se para dormir, guardou
cuidadosamente o volume de minhas Confissões entre as dobras de seu pijama.
Esse ato de carinho e apreço me vale mais do que muitos elogios e certas “homenagens”.
Segue, abaixo, o meu depoimento sobre o nobre magistrado, lido na missa de
sétimo dia, celebrada na matriz de Nossa Senhora dos Remédios, no dia 22, às 19
horas:
“Atendendo pedido do
amigo Paulo César Lima, meu conhecido desde o final dos anos 1970, desejo
prestar esta singela homenagem a meu colega de judicatura Dr. Bernardo Lucas
Mateus, que engrandeceu e dignificou a magistratura piauiense.
Em sua simplicidade e
modéstia, nunca se preocupou em ser glorificado pela toga que vestiu, mas, ao
contrário, honrou e dignificou as suas vestes talares. Despido de vaidade e ostentações,
não se preocupou com a ritualística forense e eventuais honrarias de seu cargo,
mas, sim, em agir com Justiça e equidade, sem apego a formalismos
desnecessários, que apenas contribuem para entravar a marcha processual.
Em sua carreira, foi
juiz em várias Comarcas, desde esta, a sua querida Buriti dos Lopes, até a
longínqua Corrente, no extremo sul de nosso estado, nas ribas do Corrente e do
Gurguéia. Por vários anos, foi titular do Poder Judiciário em Barras, município
de rica tradição cultural e de portentosa história, que importantes
intelectuais e governadores legou ao Piauí e ao Brasil, em cujo rincão nasceram
muitos de meus ancestrais.
O Dr. Bernardo Lucas
Mateus sempre foi respeitado em sua cidade natal e nas Comarcas onde exerceu
suas funções de julgador. Embora não fosse um ermitão, por causa de seu
temperamento e talvez também em virtude de seu cargo era discreto e de postura
algo reservada, o que mais contribuía para o enaltecimento de sua figura de
julgador probo e justo, sempre correto em suas decisões interlocutórias e
sentenças.
Fez por merecer o
respeito e o acatamento de seus conterrâneos, de seus jurisdicionados e de seus
pares. Magistrado emblemático, nunca se ouviu falar de fatos, atos, feitos e
malfeitos, que pudessem macular a sua biografia, a sua imagem de magistrado
imparcial. Ao contrário, as referências a sua pessoa, tanto como cidadão como
na qualidade de juiz, eram sempre as melhores possíveis, e as suas qualidades,
de que não fazia alarde em sua modéstia, eram sempre reconhecidas.
Ao aposentar-se,
retornou ao seu torrão natal, à sua nunca esquecida cidade de Buriti dos Lopes.
Recolheu-se à sua velha morada solarenga, uma verdadeira quinta, banhada por um
córrego e ornada por exuberantes e frondosas árvores, a ler os seus livros e a
fazer as suas meditações. De maneira discreta, sem que uma das mãos soubesse o
que fazia a outra, sem propaganda e finalidades espúrias, praticou a caridade,
fez o bem aos seus semelhantes, em obras que não preciso aqui declinar.
Embora não o conhecesse
há longo tempo, exceto de nome, algumas vezes o visitei em sua residência.
Sempre me acolheu com lhaneza e alegria. Encetávamos rápida conversa, em que
lhe pude perceber o interesse cultural. Notei que ele tinha considerável
conhecimento da geografia e, sobretudo, da história do Piauí. Repassei-lhe
alguns livros de minha autoria.
No dia 7 de maio, ao
cair da noite, em companhia de minha mulher Fátima e do Sr. Bezinho Val, o
visitei pela última vez. Não obstante muito fragilizado pela doença, nos
recebeu com muita alegria. Meu objetivo era convidá-lo para a solenidade de
lançamento de meu livro Confissões de um juiz, em que lhe desejava prestar
singela homenagem pessoal por sua judicatura digna e honrada, mercê de suas
virtudes pessoais, que se refletiram em sua conduta magistratural.
Deitado em seu leito,
sob os cuidados de uma enfermeira, sabia que ele não poderia comparecer ao
evento, que aconteceria na noite do dia seguinte. Autografei-lhe um exemplar,
que lhe entreguei. Não sei se ele conseguiu lê-lo, ao menos algumas páginas.
Tenho certeza de que o faria, se a saúde lhe permitisse.
Dessa última visita,
ficou-me a imagem, que para sempre conservarei, de um homem bom, cordato, que
aceitava com resignação o sofrimento de sua doença, sem queixas e sem mágoas.
Não aparentava ter medo de que o termo de seus dias parecia estar próximo.
Deu-me a impressão de que aceitava mansamente a cortina de sua vida estivesse a
se fechar.
Consta na Bíblia que o
rei babilônico Belsazar, no festim em que ele conspurcou os vasos sagrados do
Senhor, viu estampar-se na parede do palácio real este letreiro: “Mene, mene,
tequel, ufarsim.” Devidamente interpretada pelo profeta Daniel, a frase foi
traduzida, e significa: “Pesado foste na balança, e foste achado em falta.”
Certamente Bernardo
Lucas Mateus, que na sua condição de magistrado usou a balança da justiça
humana com todo cuidado e cautela, tendo em mente a advertência de Jesus Cristo
– “a medida que usarem, também será usada para medir vocês” – ao transpor os
umbrais de uma das moradas do Senhor, encontrará escrita na parede, em letras
capitulares e cintilantes: ‘Pesado foste na balança, e foste achado digno de
entrares. Sejas bem-vindo.’”
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