Gurgueia, um rio em agruras
Reginaldo Miranda
Da Academia Piauiense de Letras
Ainda há pouco passei pelo Gurgueia, um dos mais importantes
rios do Piauí, que outrora serviu de caminho aos pioneiros desbravadores da
Casa da Torre.
Foi pelo seu vale úmido que desceram em desespero os
perseguidos nativos das tribos gurgueias que povoavam os dilatados sertões de
dentro. Foi no encalço desta sofrida nação indígena que os perseguidores
guerreiros do feudo baiano descobriram e povoaram esta parte da colônia. Foi em
seu ubérrimo vale que o governador de Pernambuco concedeu as primeiras
sesmarias na bacia oriental do rio Parnaíba. Foi em suas barrancas que
Francisco Dias d’Ávila e Bernardo Pereira Gago,assentaram as caiçaras de seus
primeiros currais. Foi pastando no capim mimoso dos “sacos do rio” que se
situaram as primeiras fazendas do Piauí. E aí o gado pé-duro multiplicou-se
vertiginosamente como as estrelas do céu e incontável como os grãos de areia à
beira-mar do dizer bíblico, para encher a pança do canavieiro das encostas do
litoral e do garimpeiro das gerais montanhas mineiras. Foram esses rebanhos,
engrossados e engordados em suas margens dadivosas que, mais tarde, povoaram
outras fazendas em outros vales ribeirinhos daquém e dalém Parnaíba. O que
dizer do Uruçuí, do Poti, do Longá, do Parnaíba e até do Balsas e do Itapecuru,
cujos rebanhos foram iniciados pelas novilhas e novilhos do Gurgueia? Pois este
rio está morrendo.
Eu ainda lembro-me da primeira vez em que o atravessei, no rigoroso
inverno de 1972. Fui passar férias na fazenda Riacho do Mendes, de um velho
parente-amigo Josias Rocha da Silva, então prefeito de Bertolínia, em companhia
de seus familiares. O carro, uma picape Willys de cor verde, ficou estacionada
à margem esquerda, do lado bertolinense, e nós atravessamos a pé para o outro
lado, dirigindo-nos para a sede da fazenda. Atravessamos na parte rasa,
empedrada, onde durante a estiagem passavam os raros automóveis e os animais de
montaria, o que não era permitido para os primeiros na estação invernosa como
aquela. Então, os adultos homens e mulheres passaram caminhando com cuidado e
nós crianças fomos passados pelos adultos. Eu, um menino de oito anos de idade,
fui atravessado no ombro do prefeito. Em minha visão de criança o rio parecia
fenomenal, a cada dia ganhando mais volume d’água e transbordando por imensas
áreas. Foi um mês gostoso fazendo peraltices em seu vale.
Hoje, o atravessei novamente, sobre moderna ponte numa
caminhonete, na altura do povoado Barra do Lance, município de Jerumenha. De forma triste, com a alma amargurada pude
contemplar a areia clara de seu leito desnudo e testemunhar as agruras de um
rio que morre a olhos vistos. O Gurgueia pede socorro. Em seu leito, onde
outrora correu águas barrentas para fertilizar o solo e semear a vida, hoje vi
apenas o reflexo da luz do sol sobre a areia clara. Em seu curso, onde outrora
correu água em abundância para matar a sede e irrigar o solo, hoje vi marcas de
pneus de caminhões e tratores. É triste este quadro para um gurgeiano ver e
lembrar dos tempos de outrora. À mente veio a quadra da infância, desde aqueles
tempos de que faço referência.
Porém, o mais triste é saber que este rio morre sem que
ninguém faça qualquer coisa para salvá-lo. Os fazendeiros já desmataram toda a
sua margem. O seu leito está completamente destampado, à luz quente do sol,
desde a serra do Galhão, onde nasce, até a desembocadura no rio Parnaíba, pouco
abaixo do balneário da Manga. São pouco mais de quinhentos quilômetros de
criminoso desmatamento, de assoreamento e de tristeza. Não tem mais fauna.
Morreram os peixes e répteis. Desapareceram caititus, veados e queixadas; as
pacas e cotias; foi dado adeus às capivaras, cujas manadas eram um símbolo do
Gurgueia. O gado já não pasta como outrora. Ver água agora, só nas enxurradas,
virou grotão, só água das escassas chuvas, quando o inverno chegar. E por pouco
tempo. É agora rio temporário.
Mas uma pergunta inquieta. O que é do Ministério do Meio
Ambiente? E da Secretaria que lhe corresponde no Piauí? Serão só cabide de
emprego? Ou vão começar a trabalhar? Embora de forma atrasada, é hora de
começarem os estudos ambientais e entrarem em ação para salvar esse rio. Então,
pegar o chapéu e pedir para sair. Porque não dá mais para esperar. O rio que já
foi chamado de vale da promissão, pede socorro. Vamos despertar. É preciso
salvar o Gurgueia e com ele o homem, a flora, a fauna, enfim, a vida e a
tradição vaqueira e sertã do sudoeste do Piauí. Acorda, vamos à luta bravo povo
da minha terra!
Algumas instituições neste país de absurdos nunca nos dizem porque vieram ao mundo. É o caso dos órgãos ambientais. Se não cuidam da nossa água, pra quê existem? A água é o maior patrimônio deste estado, e está se esvaindo em decorrência da irresponsabilidade de muitos. E tudo isso nas barbas dos engomados de plantão. Alguém pode afirmar que o nosso maior patrimônio é o povo, mas eu discordo. Um povo que não cuida convenientemente do seu maior bem, não merece viver por aqui. Um povo que emporcalha o que depois fará uso, não merece ser tratado com respeito. O que dirão de nós as gerações futuras, quando encontrar somente areia no leito dos nossos principais rios? Que juízo farão de nós? Boa coisa não devem pensar!
ResponderExcluirExcelentes o artigo do bravo Reginaldo e o comentário do não menos bravo JP Araújo.
ResponderExcluirE mais triste é que ambos são verdadeiros e refletem a mais pura expressão de nossa realidade ambiental.
Antônimo de Autoridades imcompetentes=Minoridades.
ResponderExcluirEstes são os verdadeiros incapazes, imcompetentes, sanguessugas(só estão preocupados com seus salários).Deixam os nossos mananciais se transformarem progressivamente em riachinhos e no futuro grotas.
Itamar Costa(Allche)