LITERATURA: UMA ENTREVISTA DE
LEYLA PEERRONE-MOISÉS
Cunha e Silva Filho
É evidente que o tema considerado em seu sentido lato
envolve discussões derivadas do binômio literatura-crítica literária,
i.e., questões como o ensino
da literatura, currículo escolar
do ensino médio e estudos literários
na universidade e, por último, o lugar
de maior destaque que vem ocupando a indústria cultural que nada trouxe
de bom para o antigo prestígio obra literária que, segundo
Perrone-Moisés, até os meados do século passado, teve a literatura.
Em outras palavras, o espaço
conquistado pela indústria do
entretenimento, com a sua natureza passageira,
o seu facilitário junto às massas, provocou o declínio do fascínio, sacralização e áurea da
literatura de alta qualidade artística.
Nesses tempos diluidores, tudo
passou por um espécie de
nivelamento comum do bom e do ótimo e do produto
descartável através da via da mera comunicação, inclusive e sobretudo da
linguagem.
Daí, se queixar a ensaísta do
rebaixamento ou da importância da
disciplina estudo da literatura no currículo escolar do ensino médio. Reconhece a ensaísta
que o
fenômeno não se só no Brasil
mas é internacional.Naturalmente Perrone-Moisés atribui esse
desprestígio dos estudos literários a um desvio na formulação de estratégias de mercado
de trabalho destinado a preparar
candidatos a funções profissionais
para as quais a literatura seria,
por assim dizer, “inútil.” A questão, a meu ver, vai mais fundo, porque está vinculada a projetos governamentais de desenvolvimento em
plena efervescência da globalização e das
necessidades imperiosas de contingentes de mão de obra, assim como de reserva de
mercado.
A questão não é tão-somente
educacional, porém político-ideológica.
Fenômeno similar já se havia registrado no país no tempo
da ditadura militar, anos 1970, e
na fase do chamado “milagre
brasileiro,”com a criação e difusão dos cursos
profissionalizantes, principalmente no ensino privado,
coincidentemente época em que se iniciaram mudanças drásticas
no ensino de literatura com a
atenção especial dispensada ao papel
da comunicação, ao
aproveitamento dos estudos linguísticos
e à ênfase dada à teoria da comunicação.
Só se falava, nas aulas de literatura e
de língua portuguesa a partir do ensino médio, nas funções da linguagem formuladas
pelo linguista russo Roman
Jakobson (1896-1982). Era o tempo em que os estudos linguísticos se imbricaram com
os estudos literários para o bem
e para o mal.
“Comunicação “ passou a ser a palavra
chave e o lugar antes
privilegiado do ensino de
literatura brasileira e de língua portuguesa
foi posto em segundo plano e se misturando ao que, mais tarde, o MEC,
designou como “Linguagens, códigos e suas tecnologias,” segundo lembra
Perrone-Moisés em tom irônico.
A ensaísta ainda , em tom
francamente crítico, alude ao novo plano de ensino médio ao falar este de ‘linguagem’. Ao que ela, irônica e perplexa, se interroga: “Mas de que linguagem se
trata?”
Pondera
Perrone-Moisés que as os
alunos(eu acrescentaria as pessoas em geral)
não só precisam de estudar as línguas, mas sobretudo
necessitam de exercitar a reflexão
crítica, de aprofundar suas visões da vida e do mundo. A ensaísta não perde tempo para
censurar uma “falsa democracia” no meio
do ensino e da educação em âmbito oficial, onde o “essencial” é apenas
disponibilizar ao aluno os textos
mais digeríveis, quando o que
caberiam fazer os responsáveis pela educação seria
elevar “progressivamente” o nível do educando, o que para ela seria,
sim, uma prática democrática.
Na mencionada entrevista,
Perrone-Moisés levanta a questão de uma tendência atual da ficção, conhecida como autoficção, termo cunhado, em 1977, por Serge Doubrowski, no âmbito da crítica literária, que funde
autobiografia com ficção, numa combinação de traços
contraditórios para esse tipo de
subgênero literário. aparentado,
segundo se pode constatar,da biografia e das memórias
para designar esse tipo de ficção na qual
o narrado fica a cargo do “eu” do autor, ainda que seja dirigido em terceira pessoa, ou mesmo em
primeira (por que não?). Por acaso, uma terceira pessoa não poderia escamotear a primeira ou vice-versa?
Na opinião dela, esse tipo de subgênero
literário é fruto do nosso tempo e tem a
ver com a impossibilidade com que o
escritor, um autor se defronta diante
do seus “limites” de “compreensão
da totalidade” num mundo altamente
complexo como é o que
estamos vivenciando a duras penas.
Ora,
esse fato determinante conduz o
escritor para uma forma de escapar
daquela impossibilidade, fazendo com que se volte para a sua própria identidade,
a sua história pessoal
e os seus dilemas específicos.
No então,
assinala a ensaísta, a vida pessoal
de um autor não constitui em
si uma chancela para que
sua autoficção se torne uma
feliz elaboração estética. É precisos que o autor vá mais além das peripécias
pessoais e adentre as condições fundamentais
de produção de textos que tenham algo mais a dizer
em termos de linguagem e de
composição estética. Seria preciso que a obra de autoficção não só
desvele “autoconhecimento,” mas
também “compreensão dos outros.” .Ou seja,
não é o dado narcisista que é
relevante, mas a realização literária
pela linguagem, pela excelência do nível estético e humano.
Mais um tópico de que fala a ensaísta
refere à sua desfavorável posição com
respeito às abordagens conhecidas como
culturalistas na literatura. Não
negando a validade da literatura
como manifestação
histórico-cultural, a ensaísta
toma posição mais
ousada e muito aderente ao elemento
da “imaginação” e da forma da linguagem
da escrita literária que, para
ela, são componentes intrínsecos
do fenômeno literário.
Ao afirmar que não se opõe às discussões de temas políticos e polêmicos
como o feminismo, o homoerotismo, por exemplo, a ensaísta
reforça a ideias de que literatura não é “panfleto” nem “manifesto.”
Nada, segundo ela, contra as questões políticas, desde que estas não se sobreponham às qualidades
do fazer literário, desde que
não abra mão do ato criativo com
“valor estético” e cognitivo”
Ao
abordar a situação da
literatura no meio universitário, ela
chama a atenção para o fato de
que hoje em dia as comunicações
acadêmicas em congressos só interessam,
em alguns casos, aos iniciados, aos universitários de letras.Sua entrevista reage com firmeza contra quem
entende ser a “obra de arte” um produto comerciável, consumível,
descartável, com produto passageiro,
isso tudo na contramão do sentido de “conservação” e valorização e perenidade da arte literária.
No balanço que faz da
literatura contemporânea, ela reconhece que a literatura tem agora uma “presença frágil” na mídia.” Para que sobreviva, ela precisa
de alavancar meios de melhorar a leitura e o ensino da literatura.
. Contraditoriamente, concluo, a
ensaísta frisa que o número de
publicações literárias é muito
animador e mesmo
grande e suas palavras para a atividade da crítica literária
ela deixa perceber que os
críticos perderam o antigo reconhecimento que alcançou seu apogeu “nos meados do século
XX, o mesmo valendo para a literatura que,
no seu juízo, perdeu seu
lugar de destaque passando, com o tempo, a se misturar com o
rótulo geral e insosso no meio de
outras vias de comunicação,
resultante, é óbvio, do avanço
incontrolável, da indústria
cultural e, todas as suas
nuanças.O leito interessado na
discussão de todas essas questões encontrará
o aprofundamento delas na nova
obra da ensaísta, razão da
entrevista, Mutações da literatura no
século XXI (Companhia das Letras).
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