Foto meramente ilustrativa |
O jeep do Curador
José Pedro de Araújo
Romancista, contista, cronista
Em um tempo em que as estradas de
acesso ao velho e querido Curador não passavam de caminhos para uso da tropa de
animais, o município ganhou um presente e tanto: um Jeep Willys novinho. Vou
começar essa história bem do começo, para que fique mais clara e inteligível.
Em uma região conhecida como
Japão, situada no centro do estado maranhense, uma florescente vila foi
ganhando vida, se organizando, e logo mais já clamava por liberdade,
desligando-se do município mãe, Barra do Corda, para escrever a sua própria
história. Teria um futuro promissor por se situar em região estrategicamente
bem localizada, por onde passavam muitos caminhos rumo a diversas partes do
estado. E isso, aliado ao fato de possuir terras férteis e livres, fez a
comunidade nascente se desenvolver rapidamente. Com o pomposo nome de Curador,
uma homenagem ao velho morador que usava suas mezinhas feitas a partir de
raízes e folhas de plantas nativas para curar enfermidades de muitos que por
ali transitavam, galgou a posição de município em dezembro de 1943, mas somente
em junho de 1944 aconteceu a tão ansiada solenidade de emancipação política.
Dai ser esta a data escolhida para festejarmos o seu aniversário. Mas, essa
parte da história todo o mundo já sabe, ou quase todo o mundo, e me detive nela
apenas para dar fluência e extensão ao texto.
E eis que quando os maranhenses
de outras bandas já iam se acostumando com o nome do novo município, Curador, a
Assembleia Legislativa do Estado, através de uma proposta de Lei apresentada
pelo deputado José Martins Dourado, muda-lhe o nome, ou altera o seu topônimo,
como se diz tecnicamente, para Presidente Dutra. Eurico Gaspar Dutra, como
todos também sabem, era o Presidente da República do Brasil, e acolheu o
presente com muita alegria, afinal, seu nome passaria à posteridade e jamais
seria esquecido.
Mas, ao que parece, a coisa não
se deu de maneira tão bonita assim. O presente ofertado teve lá o seu custo, e
importou em algumas retribuições por parte do homenageado. E tudo isso
acontecia com a participação de Vitorino Freire, felpuda raposa que dominou a
política estadual sem nunca ter sido governador. Vitorino havia retornado ao
Maranhão tão logo Dutra assumiu a presidência e, instantaneamente, passou a
articular politicamente o blocão que iria controlar a política estadual por
décadas, até a tomada do poder por outro grupo hegemônico, a oligarquia Sarney.
Mas eu dizia que a mudança do
topônimo do novo município teve um custo para o homenageado. Correu célere
pelas ruas poeirentas da cidade, pelos becos, e até mesmo belos babaçuais que
cercam a sede municipal, a notícia de que Vitorino Freire, com o apoio, ou a
conivência, do Presidente da República, havia comprado a alteração do nome de
Curador para Presidente Dutra. Bem, isso pode não ter acontecido exatamente
dessa maneira, mas os tempos comportavam todo tipo de notícia, até mesmo as
fantasiosas e, deste modo, a oposição ainda machucada com a derrota na eleição
de Ariston Leda, passou a divulgar essas histórias como se verdadeiras fossem.
Verdadeira ou não, o certo mesmo
é que o presidente da república, sensibilizado pelo gesto, presenteou o novo
município com a destinação de verbas para a execução de obras de
infraestrutura, especialmente para a construção do campo de aviação na nova
cidade, no valor de 50.000 cruzeiros. Até mesmo o colégio das irmãs, por essa
época enfrentando grandes dificuldades para a sua conclusão, foi presenteado
também com uma verba de 50.000 cruzeiros. Essa notícia foi alardeada pelo
jornal Diário de São Luís na sua edição do dia 20 de fevereiro de 1949. E não
apenas isto, o município ganhou de presente também um Jeep Willys, de
fabricação americana. Mas aí advieram novos problemas, novas histórias sobre a
doação desse veículo que, em última análise, se constituiria no primeiro veículo
automotor a pertencer ao município, e o primeiro também a pertencer à
municipalidade.
O tal veículo, na verdade, foi
uma doação da Cooperativa de Usineiros de Pernambuco, que congregava os
produtores de açúcar, conforme se pode observar em uma série de telegramas
trocados pela tal cooperativa, a presidência da república, e também o
governador do estado, Sebastião Archer da Silva, com o prefeito eleito. Abaixo
transcrevo um deles:
(Cooperativa dos Usineiros de
Pernambuco – Rio de Janeiro, Abril de 1949. Exmo. Senhor Presidente General
Eurico Gaspar Dutra – Nesta.
Prezado Senhor Presidente,
Por intermédio do nosso amigo,
Senador Vitorino Freire, tivemos ciência da criação do município “Presidente
Dutra", no estado do Maranhão. Nós os usineiros de açúcar de Pernambuco,
ficamos satisfeitos com tal manifestação do povo do Maranhão porque
reconhecemos, solidários com os maranhenses, o quanto V. Excia. vem realizando
em benefício da Nação em seu governo de Justiça, Ordem e Respeito. E desejosos
de manifestar a nossa simpatia, pedimos licença a V. Excia para oferecer o
automóvel “Jeep” cujos documentos de embarque anexamos a esta, com o objetivo
de facilitar o transporte de utilidades para o novo município, concorrendo
assim para o seu rápido progresso. E também veja V. Excia neste nosso
oferecimento uma modesta homenagem que lhe prestamos como reconhecimento).
Deixo à análise dos leitores
deste humilde texto, as razões para tão desprendida manifestação de uma
entidade que, em ultimo caso, nada, ou pouco, tinha a ver com o estado
maranhense. No mínimo um grande gesto de reconhecimento para com o esperto
Vitorino Freire, tão pernambucano quanto a Cooperativa de usineiros. Mas, o
fato é que o Jeep foi doado e há registro de que logo estava rodando
sobranceiro por esses caminhos ermos e mais acostumados à pata das cavalgaduras
do que propriamente aos pneus dos veículos automotores. E vem daí outras
histórias que não me cabe aqui averiguar se são verdadeiras ou não. Noticio o
fato apenas e tão somente como fato histórico, e para que também fique
registrado nos anais do velho e bom Curador.
A oposição passou a divulgar que
o veículo doado era utilizado pela família do prefeito como se fora seu. E que
até fora levado para Tuntum, quando da emancipação daquele município, deixando
Presidente Dutra sem o seu automóvel. Não sei dizer se essa história é
verdadeira ou se devemos tratá-la como mais uma picuinha política criada pelas
oposições. Como todos sabemos, as histórias políticas comportam muitas versões,
todas “verdadeiras”. E como se diz nos dias de hoje, “uma mentira tantas vezes
repetida, acaba se transformando em verdade”. Pode ser este o caso. Ou não.
Existiu, contudo, o fato histórico aqui registrado nesta crônica.
Para quem não sabe, o tal campo
de aviação foi transformado muito depois na importante Av. Tancredo Neves, uma
das maiores artérias do velho e progressista Curador. Ponto para a comunidade.
E Dez anos depois, o velho
general foi outra vez homenageado e teve o nome posto em outro município
nordestino, desta vez no estado da Bahia. Ficou o Brasil com dois municípios
“Presidente Dutra”.
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