sexta-feira, 13 de outubro de 2017

O SUICÍDIO DO ENTALHADOR DE PORTAS DE IGREJA

Fonte: Google

O SUICÍDIO DO ENTALHADOR DE PORTAS DE IGREJA

Chico Acoram Araújo *

                No decorrer de 2012 tive a grata satisfação de colecionar encartes do “Jornal O Dia” com o título TERESINA 160 ANOS, organizado pelo ilustre professor, historiador e cronista Fonseca Neto. Esses encartes, que acompanhavam as edições do citado jornal das quartas-feiras e domingos, enfocavam histórias sobre a nossa querida cidade de Teresina desde que foi fundada por Conselheiro Saraiva, tendo como pano de fundo, notícias do Brasil e do mundo a partir do ano de 1850 até a primeira década do ano de 2000.
                Li, de forma efusiva, todas as histórias da capital do Piauí contadas nesse precioso livro composto de encartes do Jornal, que até então as conhecia superficialmente, ou desconhecia totalmente. Mas, dentre essas importantes histórias, uma me chamou mais atenção: aquela do encarte de folhas 99 e 100, com o título “Sebastião: paixão e morte na Benedita Matriz”. Segundo o organizador dos encartes, Sebastião Mendes foi o escultor de cinco das sete portas da igreja de São Benedito, obras essas tombadas pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Fonseca salienta ainda que ele foi um artista talentoso, um homem cheio de fé, e marcado por uma tragédia.
                  Na Chapada do Corisco, na margem direita do rio Parnaíba, despontava uma auspiciosa urbe; a nova capital da Província do Piauí, fundada pelo jovem presidente José Antônio Saraiva no ano de 1852. O contorno urbano da cidade começava a emoldurar-se sob a batuta do mestre de obras João Isidoro da Silva França, o grande arquiteto da construção da cidade de Teresina. A igreja do Amparo foi a primeira edificação da cidade, cuja capela-mor foi inaugurada em 25 de dezembro de 1852, portanto o marco zero de Teresina. Daí em diante outras importantes obras públicas foram erigidas. A igreja das Dores foi o segundo templo construído em Teresina, em 1865. Muitas ruas foram surgindo: Rua do Barrocão (hoje, José dos Santos e Silva), Rua da Chapada (Tiradentes), Estrada Nova (Rua Rui Barbosa), Rua Glória (Lizandro Nogueira), Praça da Constituição (Praça Deodoro ou da Bandeira) e muitos outros logradouros.
                Em 1874 chega a Teresina frei Serafim de Catania, padre franciscano de origem italiana com formação em arquitetura. Sob sua orientação, e pelo trabalho da comunidade de escravos e das famílias humildes, bem como das contribuições dos ricos da cidade e proprietários de terras, inicia-se, em 1874, a construção do terceiro templo católico de Teresina, a majestosa igreja de São Benedito. Escolheram para a sua localização, o alto da Jurubeba, ao lado de um cemitério onde se enterravam pobres, escravos e mendigos; os ricos, por sua vez, eram sepultados no cemitério São José, na zona norte da cidade. A construção da igreja transcorreu de forma complicada em decorrência da grande epidemia de varíola ocorrida em 1875, e também em razão da grande seca de 1877 a 1879. A conclusão do templo somente veio acontecer 12 anos depois, em 03 de julho de 1886.
                É dentro desse cenário de Teresina dos anos oitocentistas, e inspirado nas informações do emérito professor Fonseca Neto e da mestranda Katiuscy da Rocha Lopes (item 2.3.2 da Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Profissional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que resolvi recordar um pouco a história de Sebastião Mendes de Sousa, o genial escultor piauiense que entalhou as famosas portas da igreja de São Benedito. Cabe salientar que, conforme esclarece o precitado professor, a história sobre Sebastião Mendes nunca foi escrita, sendo conhecida em Teresina através de várias gerações, ou seja “passando de bocas a ouvidos e destes a outras bocas”.  No entanto, enfatiza ele, existem na literatura piauiense breves citações de cronistas da época dando notícias sobre esse importante escultor. Por exemplo, Celso Filho diz que é um engano atribuir os trabalhos das portas da igreja de São Benedito ao famoso mestre Aleijadinho, e que a obra foi verdadeiramente realizada por Sebastião Mendes. Esse cronista diz ainda que Sebastião morou, entre 1875 a 1878, no quarto dos caixeiros da Casa Comercial do Barão de Urussuí (Coronel João da Cruz Santos), onde deu aulas de logaritmos, aritmética e progressões a Higino Cunha, que consignou o fato em suas Memórias. Outro cronista da época que cita o anônimo artista é o memorialista Elias Martins. Em sua monografia “Frei Serafim de Catania”, Elias declara que Sebastião Mendes fora um “artista célebre”, “nascido em terras do Piauí”, e que morreu “desastradamente ainda no florescer da idade”. De outra parte, Katiuscy Lopes em sua dissertação transcreve a Resolução 630, publicada em 18 de agosto de 1868, assinada pelo Vice-Presidente da província do Piauí, José Manuel de Freitas, autorizando despender anualmente, durante quatro anos, a quantia de um conto de réis com a subvenção prestada a Sebastião Mendes de Sousa e Philomeno Jullef Portela Richards, para cursarem os estudos de belas artes, em qualquer Província do Império. Essa Resolução estabelece ainda que o pensionista Philomeno Jullef se aplicaria ao ramo da pintura, e o pensionista Sebastião Mendes ao de escultura.
                Mas, antes disso, nos idos anos de 1860, o pequeno Sebastião já andava perambulando pelas ruas da nova capital da Província do Piauí vendendo peças artesanais que ele mesmo produzia. Revelou-se genial na arte esculpir figuras, imagens e gravuras em madeira, buriti e outros materiais. Os habitantes da cidade ficavam maravilhados com a genialidade do garoto que tinha apenas dez anos de idade. Fonseca registra que Sebastião era um santeiro por excelência. “Entalhava um rosto qualquer numa velocidade e com tanta graça que a todos causava grande admiração”, diz o eminente historiador.
                Por sua vez, Katiuscy Lopes cita que Sebastião Mendes teve, com o apoio de amigos do seu tio, a oportunidade de mostrar ao presidente da província do Piauí, as peças que tinha produzido. Informação aditada pelo ilustre professor Fonseca Neto ao relembrar que, ainda no gabinete do palácio, deram ao escultor um pedaço de madeira para que ele esculpisse o rosto do presidente, o qual ficou muito admirado quando viu sua efígie naquele pedaço madeira. Esse fato ensejou, tempos depois, que o jovem artista recebesse da província do Piauí uma bolsa anual por quatro anos para estudar na Academia Imperial de Belas Artes, no Estado do Rio de Janeiro, conforme afirma Katiuscy.
                De volta Teresina, o presidente da província encomenda ao recém-formado na Escola de Belas Artes do Rio Janeiro para cinzelar as sete portas da igreja São Benedito que estava em fase final de conclusão da obra. É provável que autoridade tenha convidado Sebastião Mendes para realizar o nobre trabalho para compensar a subvenção que tinha recebido do governo, e, obviamente, pelo fato de ser ele um excelente escultor. Sebastião aceita o desafio, e começa a esculpir as portas, ali mesmo na igreja, com todo esmero e primor artístico da época.
                Fonseca Neto relata, por fim, que Sebastião Mendes não chegou a concluir o conjunto das sete portas encomendadas por conta de um relacionamento amoroso frustrado que o levou a tirar a própria vida, no ano de 1886. E por conta do infausto acontecimento, apenas cinco portas foram talhadas, e mostram os traços artísticos do brilhante escultor, com detalhes almofadados e motivos de folhas e flores. As outras duas portas restantes foram feitas por outro entalhador de nome não conhecido, que imitou os traços das outras portas esculpidas por Sebastião Mendes.
                Sobre o suicídio, o professor nos relata que Sebastião, rapaz negro e de origem humilde, se apaixonara por uma bela jovem pertencente a uma aristocrática família de Teresina. Às escondidas, os dois enamoram-se. Não por muito tempo. O namoro chegou ao conhecimento dos pais da moça, que, ao tomar conhecimento da relação, tomaram a decisão de encaminhar a filha para o distante sul do país. O pobre rapaz, quando soube da partida da sua amada, acometeu-se de uma imensa desilusão e sofrimento, fato que o levou a cometer suicídio.
                Como foi dito anteriormente, da história desse grande escultor piauiense, muito pouco se sabe, pois jamais foi escrita. O pouco que se conhece a respeito desse notável artista decorre de informações passadas e difundidas por anônimos ao longo de várias décadas. As razões para tanto se deve, segundo Fonseca Neto, ao fato de ser ele negro, pobre, e por ter ceifado a própria vida. Portanto, foi escolhido para ser esquecido. A biografia desse ilustre piauiense precisa ser resgatada, enfatiza o nobre historiador.
              

*Chico Acoram é contador, funcionário público federal e cronista.           

3 comentários:

  1. Que maravilha de Crônica, esta do amigo Chico Acoram. Verdadeiro resgate de nossa história com texto bastante agradável. Acoram, torna agradável até história de suicídio. Parabéns. Também parabéns para Dr. Elmar pela publicação, pois, com certeza, considerou também importante este pedacinho de nossa passado. Almeida.

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  2. Obrigado, Dr. Almeida. Vamos em frente. Um abraço.

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