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O SUICÍDIO DO ENTALHADOR DE
PORTAS DE IGREJA
Chico Acoram Araújo *
No decorrer de 2012 tive a
grata satisfação de colecionar encartes do “Jornal O Dia” com o título TERESINA
160 ANOS, organizado pelo ilustre professor, historiador e cronista Fonseca
Neto. Esses encartes, que acompanhavam as edições do citado jornal das
quartas-feiras e domingos, enfocavam histórias sobre a nossa querida cidade de
Teresina desde que foi fundada por Conselheiro Saraiva, tendo como pano de
fundo, notícias do Brasil e do mundo a partir do ano de 1850 até a primeira
década do ano de 2000.
Li, de forma efusiva, todas as
histórias da capital do Piauí contadas nesse precioso livro composto de
encartes do Jornal, que até então as conhecia superficialmente, ou desconhecia
totalmente. Mas, dentre essas importantes histórias, uma me chamou mais
atenção: aquela do encarte de folhas 99 e 100, com o título “Sebastião: paixão
e morte na Benedita Matriz”. Segundo o organizador dos encartes, Sebastião
Mendes foi o escultor de cinco das sete portas da igreja de São Benedito, obras
essas tombadas pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Fonseca salienta
ainda que ele foi um artista talentoso, um homem cheio de fé, e marcado por uma
tragédia.
Na Chapada do Corisco, na
margem direita do rio Parnaíba, despontava uma auspiciosa urbe; a nova capital
da Província do Piauí, fundada pelo jovem presidente José Antônio Saraiva no
ano de 1852. O contorno urbano da cidade começava a emoldurar-se sob a batuta
do mestre de obras João Isidoro da Silva França, o grande arquiteto da
construção da cidade de Teresina. A igreja do Amparo foi a primeira edificação
da cidade, cuja capela-mor foi inaugurada em 25 de dezembro de 1852, portanto o
marco zero de Teresina. Daí em diante outras importantes obras públicas foram
erigidas. A igreja das Dores foi o segundo templo construído em Teresina, em
1865. Muitas ruas foram surgindo: Rua do Barrocão (hoje, José dos Santos e
Silva), Rua da Chapada (Tiradentes), Estrada Nova (Rua Rui Barbosa), Rua Glória
(Lizandro Nogueira), Praça da Constituição (Praça Deodoro ou da Bandeira) e
muitos outros logradouros.
Em 1874 chega a Teresina frei
Serafim de Catania, padre franciscano de origem italiana com formação em
arquitetura. Sob sua orientação, e pelo trabalho da comunidade de escravos e
das famílias humildes, bem como das contribuições dos ricos da cidade e
proprietários de terras, inicia-se, em 1874, a construção do terceiro templo
católico de Teresina, a majestosa igreja de São Benedito. Escolheram para a sua
localização, o alto da Jurubeba, ao lado de um cemitério onde se enterravam
pobres, escravos e mendigos; os ricos, por sua vez, eram sepultados no
cemitério São José, na zona norte da cidade. A construção da igreja transcorreu
de forma complicada em decorrência da grande epidemia de varíola ocorrida em
1875, e também em razão da grande seca de 1877 a 1879. A conclusão do templo
somente veio acontecer 12 anos depois, em 03 de julho de 1886.
É dentro desse
cenário de Teresina dos anos oitocentistas, e inspirado nas informações do
emérito professor Fonseca Neto e da mestranda Katiuscy da Rocha Lopes (item
2.3.2 da Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Profissional do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que resolvi recordar um pouco a
história de Sebastião Mendes de Sousa, o genial escultor piauiense que entalhou
as famosas portas da igreja de São Benedito. Cabe salientar que, conforme
esclarece o precitado professor, a história sobre Sebastião Mendes nunca foi
escrita, sendo conhecida em Teresina através de várias gerações, ou seja
“passando de bocas a ouvidos e destes a outras bocas”. No entanto, enfatiza ele, existem na
literatura piauiense breves citações de cronistas da época dando notícias sobre
esse importante escultor. Por exemplo, Celso Filho diz que é um engano atribuir
os trabalhos das portas da igreja de São Benedito ao famoso mestre Aleijadinho,
e que a obra foi verdadeiramente realizada por Sebastião Mendes. Esse cronista
diz ainda que Sebastião morou, entre 1875 a 1878, no quarto dos caixeiros da
Casa Comercial do Barão de Urussuí (Coronel João da Cruz Santos), onde deu
aulas de logaritmos, aritmética e progressões a Higino Cunha, que consignou o
fato em suas Memórias. Outro cronista da época que cita o anônimo artista é o
memorialista Elias Martins. Em sua monografia “Frei Serafim de Catania”, Elias
declara que Sebastião Mendes fora um “artista célebre”, “nascido em terras do
Piauí”, e que morreu “desastradamente ainda no florescer da idade”. De outra
parte, Katiuscy Lopes em sua dissertação transcreve a Resolução 630, publicada
em 18 de agosto de 1868, assinada pelo Vice-Presidente da província do Piauí,
José Manuel de Freitas, autorizando despender anualmente, durante quatro anos,
a quantia de um conto de réis com a subvenção prestada a Sebastião Mendes de
Sousa e Philomeno Jullef Portela Richards, para cursarem os estudos de belas
artes, em qualquer Província do Império. Essa Resolução estabelece ainda que o
pensionista Philomeno Jullef se aplicaria ao ramo da pintura, e o pensionista
Sebastião Mendes ao de escultura.
Mas, antes disso, nos idos anos
de 1860, o pequeno Sebastião já andava perambulando pelas ruas da nova capital
da Província do Piauí vendendo peças artesanais que ele mesmo produzia.
Revelou-se genial na arte esculpir figuras, imagens e gravuras em madeira,
buriti e outros materiais. Os habitantes da cidade ficavam maravilhados com a
genialidade do garoto que tinha apenas dez anos de idade. Fonseca registra que
Sebastião era um santeiro por excelência. “Entalhava um rosto qualquer numa
velocidade e com tanta graça que a todos causava grande admiração”, diz o
eminente historiador.
Por sua vez, Katiuscy Lopes
cita que Sebastião Mendes teve, com o apoio de amigos do seu tio, a
oportunidade de mostrar ao presidente da província do Piauí, as peças que tinha
produzido. Informação aditada pelo ilustre professor Fonseca Neto ao relembrar
que, ainda no gabinete do palácio, deram ao escultor um pedaço de madeira para
que ele esculpisse o rosto do presidente, o qual ficou muito admirado quando
viu sua efígie naquele pedaço madeira. Esse fato ensejou, tempos depois, que o
jovem artista recebesse da província do Piauí uma bolsa anual por quatro anos
para estudar na Academia Imperial de Belas Artes, no Estado do Rio de Janeiro,
conforme afirma Katiuscy.
De volta Teresina, o presidente
da província encomenda ao recém-formado na Escola de Belas Artes do Rio Janeiro
para cinzelar as sete portas da igreja São Benedito que estava em fase final de
conclusão da obra. É provável que autoridade tenha convidado Sebastião Mendes
para realizar o nobre trabalho para compensar a subvenção que tinha recebido do
governo, e, obviamente, pelo fato de ser ele um excelente escultor. Sebastião
aceita o desafio, e começa a esculpir as portas, ali mesmo na igreja, com todo
esmero e primor artístico da época.
Fonseca Neto relata, por fim,
que Sebastião Mendes não chegou a concluir o conjunto das sete portas
encomendadas por conta de um relacionamento amoroso frustrado que o levou a
tirar a própria vida, no ano de 1886. E por conta do infausto acontecimento,
apenas cinco portas foram talhadas, e mostram os traços artísticos do brilhante
escultor, com detalhes almofadados e motivos de folhas e flores. As outras duas
portas restantes foram feitas por outro entalhador de nome não conhecido, que
imitou os traços das outras portas esculpidas por Sebastião Mendes.
Sobre o suicídio, o professor nos
relata que Sebastião, rapaz negro e de origem humilde, se apaixonara por uma
bela jovem pertencente a uma aristocrática família de Teresina. Às escondidas,
os dois enamoram-se. Não por muito tempo. O namoro chegou ao conhecimento dos
pais da moça, que, ao tomar conhecimento da relação, tomaram a decisão de
encaminhar a filha para o distante sul do país. O pobre rapaz, quando soube da
partida da sua amada, acometeu-se de uma imensa desilusão e sofrimento, fato que
o levou a cometer suicídio.
Como foi dito anteriormente, da
história desse grande escultor piauiense, muito pouco se sabe, pois jamais foi
escrita. O pouco que se conhece a respeito desse notável artista decorre de
informações passadas e difundidas por anônimos ao longo de várias décadas. As
razões para tanto se deve, segundo Fonseca Neto, ao fato de ser ele negro,
pobre, e por ter ceifado a própria vida. Portanto, foi escolhido para ser
esquecido. A biografia desse ilustre piauiense precisa ser resgatada, enfatiza
o nobre historiador.
*Chico Acoram é contador,
funcionário público federal e cronista.
Que maravilha de Crônica, esta do amigo Chico Acoram. Verdadeiro resgate de nossa história com texto bastante agradável. Acoram, torna agradável até história de suicídio. Parabéns. Também parabéns para Dr. Elmar pela publicação, pois, com certeza, considerou também importante este pedacinho de nossa passado. Almeida.
ResponderExcluirSem dúvida, caro Almeida.
ExcluirObrigado, Dr. Almeida. Vamos em frente. Um abraço.
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