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Rio Grande dos Tapuias
Reginaldo Miranda *
A cordilheira serrana que vem do
planalto central em rumo do norte separando a bacia do S. Francisco da bacia do
Tocantins, a certa altura se abre ao meio formando um ipsilon em que uma
vertente derreia para o leste direcionando o curso do rio S. Francisco e outra
derreia para o oeste direcionando em sentido contrário o curso do rio
Tocantins. Eis aí o fator determinante do direcionamento das águas do norte do
Brasil. Para trás ficam os campos
cerrados do Brasil Central e numa vertente as primeiras manifestações da
floresta amazônica ao passo que na outra vai se encontrar os primeiros sinais
da caatinga nordestina. No vértice desse ipsilon vão surgir as primeiras águas
que formam o rio Parnaíba, de cujas vertentes da cordilheira serrana que se
abriu vão correr as águas dos diversos afluentes que o engrossarão ao longo de
seus 1.700km de curso. Do lado de fora desses vértices outras águas vão formar
novos afluentes das duas primeiras bacias hidrográficas, às vezes com
nascedouro comum interligando-as. Por essas razões na bacia intermediária do
Parnaíba vai se encontrar espécimes vegetais das três grandes vegetações
brasileiras, sendo mesmo a barra do Gurgueia com o Parnaíba, verdadeiro marco
de vegetação donde vai se encontrar as primeiras manifestações da exuberância
amazônica em contato com a vegetação de cerrado. Pois, essa interligação de
bacias e a variedade vegetal vai determinar a bacia parnaibana como grande
corredor de migrações entre as diversas tribos indígenas que demandavam de uma
região para outra. Mais tarde, esse caminho vai ser continuado pelos retirantes
nordestinos que do sertão agreste buscam os vales úmidos do norte.
Mercê desse fenômeno migratório,
no brasil pré-lusitano quase uma centena de nações indígenas vai residir no
vale parnaibano, com cerca de trezentas mil almas. Viviam primordialmente da
caça e da pesca, ajudados por uma agricultura rudimentar em que cultivavam
algumas culturas a fim de não deixarem ao acaso a sobrevivência diária de seus
membros. Às vezes entrava em guerra uma nação contra outra em disputa dum rio
mais piscoso ou duma mata de fauna mais rica, onde pastavam as manadas de
caitetus, veados, antas, capivaras, cotias, pacas, tatus e outras espécies da
rica fauna parnaibana. Todavia, até o século XVII o curso desse rio vai ser
desconhecido para os conquistadores lusitanos, se acreditando, por informações
dos índios do litoral, que o mesmo nascia em uma grande lagoa rica em pérolas.
Esse desconhecimento do rio
piauiense vai se refletir em sua primeira denominação, Rio Grande dos Tapuias.
Rio Grande, porque era o maior desaguadouro da costa entre o Maranhão e
Pernambuco, a ser avistado pelos navegantes. Dos Tapuias, em face dos índios
Tremembés que desciam em canoas a mariscar em sua foz. Mais tarde foi também
designado Pará, Parauaçu, Punaré, Paraguaçu e, por fim, Parnaíba, em homenagem
aos paulistas de Santana do Parnaíba que aqui fincaram raízes. O ano em que se
descobriu sua foz não se sabe ao certo, mas foi designado Ano Bom, daí o delta
parnaibano ter ficado conhecido durante os primeiros anos como Baía do Ano Bom.
Na verdade, outros europeus que
não os portugueses iniciaram o comércio pelo Rio Grande dos Tapuias ainda em
meado do século XVI, através de aliança com índios Tapuias da nação Tremembé.
Por essa razão, o Rio Grande dos Tapuias, mais tarde designado Parnaíba, vai
ser uma importante via comercial, principalmente utilizada pelos franceses, que
em troca de ferros, roupas, espelhos e algumas bugigangas levavam âmbar e
pau-violeta, entre outros produtos vegetais e animais. Para isso, os Tremembés,
seus principais fornecedores, se aliaram a índios do interior servindo de
intermediários e se fortalecendo como grandes parceiros de franceses e de
outras nações indígenas. Sobre esse assunto muito ainda há de ser pesquisado,
inclusive na França, para se estabelecer o grau de intensidade desse comércio,
a influência que exerceu sobre as tribos que dele participaram e a consequente
dificuldade que possa ter trazido para a ocupação colonial portuguesa no
litoral piauiense, retardando-a de forma a atrasá-la em relação ao sul da mesma
bacia hidrográfica. Por seu turno, os franceses estacionavam em frente ao
delta, ou Baía do Ano Bom, com seus navios de honesto porte, de onde
prosseguiam rio a dentro por algumas léguas em busca dos diversos produtos
estocados pelos tapuias Tremembés, por si e/ou comprados de outras tribos do
interior, em caravelões da costa. Faziam “muito boa colheita”, segundo informa
o cronista Gabriel Soares de Souza. Até onde navegavam os franceses rio acima é
questão ainda não descoberta, entretanto, não se pode esquecer que os Tremembés
tinham influência até a foz do Poti, hoje Teresina, onde viviam seus parentes
Aranhis, e por esse afluente acima os também parentes Potis e Crateús.
Esses fatos todos demonstram que
os Tremembés se tornaram grandes aliados dos franceses, não sendo descabido,
portanto, que alguns deles possam ter visitado a França a fim de fortalecer as
relações comerciais, assim como ocorreu com os Tupinambás do Maranhão. De
qualquer forma essas notas pontificam o rio Parnaíba, outrora Rio Grande dos
Tapuias, como corredor de contrabando. É assunto que merece maior investigação.
(Artigo publicado no jornal Meio
Norte, coluna Academia, edição de 02.11.2007).
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*REGINALDO MIRANDA, autor de
diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do
Instituto Histórico e Geográfico e Piauiense e do Tribunal de Ética e
Disciplina da OAB-PI.
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