As Minhas Copas do Mundo de
Futebol (4)
José Pedro Araújo
Romancista, cronista e historiador
Fomos à França em 1998 defender o
nosso título, ganho nos estados unidos em 1994. Não precisamos jogar as
eliminatórias, uma vez que o campeão do mundo já está automaticamente
classificado para a copa seguinte, ele e o país anfitrião, e isso nunca é bom porque
a seleção se prepara para o duro embate apenas jogando amistosos. Portanto, não
sabíamos como chegaríamos às disputas por pontos no curto torneio que é uma
copa do mundo. Sem o nosso talismã da copa anterior, Romário, cortado quando a
seleção já se encontrava na França para a disputa, depositamos as nossas fichas
num jovem atacante que tinha ido à copa dos EUA apenas como coadjuvante:
Ronaldo, o fenômeno. E ele fez bonito na sua primeira competição mundial como
ídolo de uma nação louca por futebol. Isso, apesar de contarmos com um camisa
dez de respeito, Rivaldo, o craque de pernas tortas, quase tão envergadas como
a de Garrincha, e também com o nosso camisa sete da copa anterior, Bebeto.
Ganhamos os dois primeiros jogos
contra Escócia e Marrocos, e perdemos o terceiro para a Noruega.
Classificamo-nos em primeiro do grupo, mas ficamos com aquela dúvida se o time
teria forças suficientes para chegar a mais um título. Fomos para as
oitavas-de-final e despachamos o Chile com uma goleada por 4x1 e seguimos em
frente. E nas quartas-de-final foi a vez da Dinamarca pegar o voo de volta para
casa, 3x2. Melhoramos bastante durante a competição e o melhor do mundo,
Ronaldo, vinha fazendo o seu papel muito bem. Na semifinal encaramos a Holanda,
adversária que estava ficando comum em todas as copas do mundo. E foi o que se
viu: um jogo difícil, amarrado e perigoso, decidido somente nos pênaltis. 1x1
no tempo normal, 4x2 nos pênaltis, estávamos na final mais uma vez.
Assistíamos aos jogos no sítio
que tínhamos em sociedade com a minha irmã, e a festa que começara com poucas
pessoas, ia engrossando a plateia jogo a jogo até chegarmos a grande final,
quando a torcida já era enorme. A
comemoração terminava sempre do mesmo jeito: dentro da piscina. Estávamos no
melhor dos mundos. Tomávamos todas ao ponto de a borda da piscina ficar cheia
de copos e garrafas de cerveja, serviço extra para o caseiro. Enquanto isto, no
seu entorno, amarradas em árvores, bandeiras e faixas alusivas ao Brasil
tremulavam e davam um aspecto festivo ao ambiente.
Duas tevês haviam sido
instaladas, uma na sala e outra no alpendre, para que todos pudessem assistir
aos jogos sem atropelos. Muito diferente dos tempos em que ouvíamos o locutor
se esgoelar pelo rádio, ou víamos os jogos em aparelhos que só nos mostrava a
bola de tempos em tempos, tal era a qualidade ruim da imagem ofertada.
Mas ai veio a final, e, quando já
nos encontrávamos à postos e bem acomodados para assistirmos mais uma final da
nossa seleção, veio a notícia arrasadora: o nosso principal jogador, Ronaldo,
havia sofrido uma convulsão no dia do jogo e, provavelmente não jogaria. Foi
uma ducha de água fria. Enquanto isso, do lado do nosso adversário na final, a
dona da casa, a França, uma franco-argelino, Zinedine Zidane, vinha assombrando
com um futebol de altíssimo nível.
Já estávamos certos de que o
Brasil jogaria sem o seu principal jogador, quando eis que Ronaldo aparece no
gramado. Cabisbaixo, sem demonstrar aquela força e agilidade que o
caracterizava, veio para o jogo meia-bomba, como dizem no jargão futebolista.
As mulheres, pouco afeitas ao metiê, até se assanharam quando o careca entrou
em campo. Mas nós, um pouco mais entendidos das coisas do futebol, ficamos em
suspense o jogo inteiro. Não deu outra: perdemos a final para os donos da casa
por largos 3x0. A tristeza foi geral. Já estávamos acostumados às grandes
comemorações, e fomos chorar dentro da piscina, onde as nossas lágrimas não
poderiam ser vistas por se confundirem com a azul e límpida, uma vez que era
trocada a cada jogo.
Dava pena ver a criançada em
total desespero, afinal, o futebol passou a ser um alento para as nossas
mazelas, e derrotas em outros campos da vida, há muito tempo. E o nosso país,
tão cheio de fraquezas e notícias diárias ruins, tem no seu futebol uma válvula
de escape para os nossos tormentos, as nossas fraquezas.
Quatro anos depois estávamos
novamente com o bloco na rua. Com Ronaldo Fenômeno no auge da sua forma, após
passar por um grave problema em um dos joelhos, partimos para o Japão/Coréia do
Sul, com uma seleção muito desacreditada, depois de jogar as eliminatórias de
forma muito defensiva, e se classificar em terceiro lugar, atrás de Argentina(
que ficou a anos luz da gente), e Equador. Mas, enfim, estávamos lá, e isso
aqui no país é motivo para muita festa, apesar de os jogos terem sido
disputados em horários impróprios, sempre de madrugada. Passarmos bem pela
primeira fase, em primeiro lugar do grupo, após passar fácil por Costa Rica,
China e Turquia. E nas oitavas batemos a Bélgica com certa facilidade e pegamos
a Inglaterra nas quartas-de-final. Este sim, foi um jogo duríssimo contra os
inventores do futebol. Ganhamos por 2x1, com um gol de Ronaldinho Gaúcho no
melhor estilo espírita. Não deu para saber até hoje se ele teve a intenção de
cruzar a bola na área ou se bateu mesmo para o gol.
As comemorações, confesso, eram
meio frias, sem aquele estilo carnavalesco das outras copas. Tudo porque os
jogos eram realizados nas madrugadas, como já falei, e íamos dormir para
acordar próximo à hora do jogo. A torcida também era muito reduzida, pois a
insegurança quer já começava a assombrar o país nos mantinha em casa. Foi a
copa do mundo em que a cerveja sobrou na geladeira por falta de consumidor. Por
outro lado, ainda assistíamos aos jogos na velha TV Sharp adquirida duas copas
antes. Imagem, contudo, perfeita, para os padrões de então. Na semifinal
ganhamos pelo magro placar de 1x0 de uma seleção pouco assídua em copas do
mundo até então, a Turquia. Jogo chato, difícil para um time que se acostumou a
depender do trio Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e, principalmente, Ronaldo
Fenômeno. E nesse jogo estávamos sem o nosso poderoso camisa dez, expulso na
partida anterior contra a Inglaterra.
Enervado e com a pressão nas
alturas, fomos para mais uma final, contra a temível seleção da Alemanha. Nesse
dia precisei mais do que nunca do amparo da cerveja para controlar os nervos.
Não dormi a noite inteira, antes fiquei assistindo a tudo o que era programa
esportivo até a hora da grande final. Foi pior. Deveria ter ido dormir, pois os
nervos estavam à flor da pele quando o jogo começou. Completo outra vez, o time
brasileiro emparedou a Alemanha e fez um jogo memorável. Ronaldinho Gaúcho,
Rivaldo, e o Fenômeno estavam demais da conta e o Brasil venceu a forte
retranca adversária com dois gols de Ronaldo. Estávamos nos acostumando a
ganhar copas do mundo outra vez. Em três disputadas, ganhamos duas e fomos
finalistas na terceira. Nada mal. E a ainda vimos a Argentina ficar logo na
primeira fase. O que poderíamos querer de melhor? Quanto aos meus nervos, até
que estavam no lugar, tal o futebol que jogamos contra os nossos temíveis
adversários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário