CONSIDERAÇÕES
SOBRE UMA BELA ESCULTURA
Elmar Carvalho
Vítima de
brutal “engarrafamento”, na sexta-feira passada, fiquei preso no trânsito,
exatamente no balão do cruzamento das avenidas Petrônio Portella e Raul Lopes.
Em lugar de me debater e espancar o volante, ou proferir imprecações contra
tudo e contra todos, como muitos fazem, optei por ficar observando,
detidamente, a escultura instalada na rótula. Não tenho certeza, mas acho que ela foi produzida pelo grande artista Carlos Martins, falecido em 2013, autor de outras magníficas obras.
É feita de
arame, peças de ferro e vergalhões metálicos. É bela e imponente em sua
singeleza. É como se fora uma catilinária ou verrina metálica contra os
conquistadores e os preadores e matadores de índios. O vencedor montado em
grande e robusto corcel, em pose típica das estátuas equestres, puxa com uma
corda um prisioneiro, naturalmente derrotado na refrega, e que será
escravizado. O enorme corcel passa sobre corpos tombados. Seu chapéu produz
grande efeito plástico, pois parece o próprio Sol com os seus raios
incandescentes.
No simbolismo
do monumento, o cavaleiro, na concepção dos nativos, poderia ser a própria
encarnação do deus-sol, pois possuía o estrondo e o raio de armas de fogo.
Conduz na destra enorme lança, que faz lembrar os heróis das pelejas medievais
e os cavaleiros andantes da idade média. Mas apenas aparentemente, porque na
verdade ele simboliza os chamados heróis da conquista, como os bandeirantes
paulistas e os homens da Casa da Torre da Bahia.
Entretanto,
hoje se sabe que muito do morticínio das chamadas conquistas se deve a doenças
transmitidas aos nativos americanos pelos europeus, inclusive e talvez
principalmente pelos espanhóis. Contudo, essa pecha de violência não é um
“privilégio” e exclusividade de portugueses e espanhóis, mas também de
ingleses, franceses, holandeses e outros povos, pois onde quer que tenha havido
invasões, conquistas, houve entrechoque de civilizações, com a consequente
reação dos invadidos, dos conquistados.
Hoje, como todo
mundo sabe, o Brasil é essa fecunda miscigenação, com essa diversidade e
riqueza cultural, e esse caldeamento de raças, que possibilitou o surgimento da
beleza morena, que nos encanta e encanta o mundo. Não houvera acontecido o que
aconteceu, hoje o Brasil seria, talvez, ainda um paraíso selvagem, intocado,
com os indígenas caçando, pescando e colhendo suas frutas nativas. Foi pior?
Foi melhor assim?
Deixo a
resposta aos latifundiários da verdade, aos doutos, aos exegetas, aos
proprietários das certezas absolutas. Aos que não aceitam o que somos ou o que
nos tornamos, resta-lhes o consolo de que podem se despir, envergar uma tanga,
armar-se de arco e flecha e tentar ser admitidos em alguma tribo do Xingu ou do
Amazonas. No entanto, devo lhes recordar que o maior cantor indianista do
Brasil, o grande bardo Gonçalves Dias, tinha orgulho de carregar em suas veias
a mistura do sangue de três raças: a negra, a indígena e a branca.
Mas a bela e
significativa estátua pode ser um libelo de fogo contra todos as formas de
dominação, como o patrão que espolia o empregado, o marido que tiraniza a
mulher, o pai que sevicia o filho, o governante que tripudia sobre o povo que o
elegeu... Tenho a esperança de que algum dia todos seremos irmãos, sem
dominadores e dominados, sem conquistadores e conquistados.
Ainda é
possível sonhar e nutrir esperanças. No momento em que eu contemplava a escultura,
um forte vendaval a fez oscilar, e tive a nítida impressão de que o cavalo, o
cavaleiro e o prisioneiro ganhavam a vibração da vida. A vida que deve
perpassar toda verdadeira obra de arte.
22 de março de 2010
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