Jorge Carvalho, em foto recente, enviada por Jonas Guimarães |
Casa onde morava o poeta |
Jorge, em foto do Poemágico |
Elmar, em foto do Poemágico |
Retrato do poeta quando jovem |
DIÁRIO
[Minhas lembranças do poeta Jorge Carvalho]
Elmar Carvalho
17/03/21
Nos textos Geração 70 ou do Mimeógrafo e A Morte de Josélia, publicados recentemente em meu blog, e que se encontram em registros acima neste Diário, falei no meu amigo e poeta Jorge Carvalho (26/04/1951 - 17/03/2021), cujo nome completo é Jorge Antônio Costa Carvalho. Por isso mesmo, cedo da manhã, evoquei as lembranças que guardo dele.
Mas logo em seguida, ao ver as mensagens do WhatsApp, constatei que o médico Luiz Ayrton, notável
poeta, recém-eleito para a Academia Piauiense de Letras, seu primo, me dava a
infausta notícia de seu falecimento. Ato contínuo, ao verificar um áudio,
enviado pelo escritor e jornalista Antonio Gallas, tive confirmada a lamentável
informação, com mais detalhes, sobre a sua trágica morte.
Passei a conhecer o poeta Jorge Carvalho em 1977 ou 1978,
quando eu trabalhava nos Correios (ECT) e cursava Administração de Empresas no
Campus Ministro Reis Velloso – UFPI. Ele, salvo engano, ainda era estudante da
Faculdade de Direito do Recife, já no final do curso. Creio conhecesse alguns
dos meus poemas, através de Folha do Litoral e do jornal Inovação. Em suas
visitas, de maneira simpática e amável, me presenteava com várias revistas de
poesia, muitas ligadas à vanguarda poética, como a Gandaia, se não estou
laborando em equívoco. Conversávamos sobre assuntos de Parnaíba, da cultura em
geral e, sobretudo, claro, sobre literatura.
Convidado por ele, um dia fui conhecer a sua biblioteca,
instalada no enorme solar onde moravam seus pais, o senhor João Carvalho, amigo
de meu pai, e dona Maria da Graça Costa Carvalho. Era um imponente casarão de
esquina, situado na Avenida Presidente Vargas, ornado por um belo e amplo
jardim. Na sua biblioteca constatei que ele tinha muitos livros e revistas, mormente
volumes de poetas modernistas. Com toda solicitude, me emprestou algumas obras
desses bardos, sendo uma delas de autoria do grande Cassiano Ricardo, cuja
inventividade e recursos formais sempre admirei.
Devo confessar que nessa época Parnaíba não tinha livraria
propriamente dita, mas papelarias, que vendiam materiais e livros didáticos,
nas quais podiam ser encontrados dois ou três livros literários. Já eu, desde
1975, começava a formar minha biblioteca, através de bancas de revistas e
principalmente através do sistema de reembolso postal, hoje extinto.
Em agosto de 1982, fui morar em Teresina, quando passei a
exercer o cargo de fiscal da extinta SUNAB, e ele trabalhava na sede da secretaria
de Educação do Piauí. Algumas vezes nos encontramos na capital, para conversarmos,
e algumas vezes viajamos no mesmo ônibus da velha empresa Marimbá. Certa vez,
lutamos, em vão, para acordar um colega seu, que caíra em sepulcral sono.
Talvez, no terminal rodoviário, o condutor tenha conseguido esse desiderato.
Era Jorge Carvalho muito inteligente e detentor de uma
capacidade de argumentação muito elevada. Defendia suas ideias com entusiasmo e
convicção. Não bastasse ter uma aguçada inteligência, possuía uma memória
prodigiosa. Quando estava colhendo material para o meu livro O pé e a Bola,
conversei com ele sobre César Rebelo, craque em múltiplas modalidades
esportivas, tendo ele me contado de memória fatos importantes da carreira desse
atleta, inclusive citando datas, nomes de torneios e craques, bem como
episódios mais relevantes de campeonatos.
Sabia muito sobre a história social recente de Parnaíba. Conhecia
a sua genealogia de forma admirável, de
modo que citava nomes, grau de parentesco e outros dados de forma precisa. Sugeri
escrevesse crônicas memorialísticas sobre fatos interessantes, pitorescos,
anedóticos e folclóricos de Parnaíba, sobre os quais ele discorria em conversa,
mas nunca o fez. Da mesma forma, eu e o poeta Alcenor Candeira Filho insistíamos
para que ele reunisse seus excelentes poemas numa obra individual, porém ele
parecia desdenhar a nossa sugestão, talvez por modéstia, talvez porque não
desse muita importância a sua produção poética.
No
ano de 1985, eu e ele envidamos esforços para publicar o livro Poemágico – a nova alquimia, que eu
havia idealizado. Mantivemos contato com a secretaria da Cultura para sua
publicação. Foi no governo Hugo Napoleão, na gestão do secretário Jesualdo
Cavalcanti Barros, que mais tarde se tornou escritor, memorialista e
historiador.
Essa obra era prefaciada pelo grande escritor Assis Brasil,
parnaibano, que na época morava no Rio de Janeiro, e não mais voltara ao Piauí,
de onde saíra ainda em sua adolescência ou juventude. Foi aprovada pelo
Conselho Editorial do Projeto Petrônio Portella, criado na gestão de Jesualdo,
constituído por Benjamim do Rego Monteiro Neto, Carlos Evandro Martins Eulálio,
Clidenor de Freitas Santos, José Camillo da Silveira Filho e Maria Figueiredo
dos Reis.
No prefácio a que me referi, dele disse Assis Brasil: “Jorge
Carvalho acompanha seus companheiros de geração nesse périplo literário, entre
o tempo nostálgico do passado e o tempo presente da atuação engajada. Seus
poemas são construídos, inventivamente, a partir de montagens sintáticas, de
forte sentido visual. Embora seja um poeta que procura por novas formas de
dizer a poesia, não se revela artificial ou cerebral. É o poeta, desta
antologia, de tantas qualidades, que mais experimenta a forma e a linguagem,
que mais foge da norma comum do código linguístico. E também um poeta que não
traiu o seu tempo e o compromisso social com a sua geração.”
Na importante antologia A Poesia Piauiense no Século XX,
publicada em parceria da Imago com a Fundação Cultural Monsenhor Chaves, em
1995, que teve organização, introdução e notas de Assis Brasil, da qual ele era
participante, mereceu o seguinte comentário elogioso do antologista: “um
experimentador da linguagem literária, um renovador da forma, entre a nostalgia
da terra (Parnaybanzo) e o compromisso social imediato (A prostituta). Quando
opta pela forma fixa do soneto, mostra toda a sua versatilidade (O fogo).”
Em minha juventude, encontrei, em algumas ocasiões, o Jorge
Carvalho em alguns bares da cidade. Ele não bebia, talvez por ser espírita, e
tampouco comia carne. Mas ficava comigo e com meus amigos, saudáveis boêmios e
literatos, até altas horas da noite. Conversávamos sobre poemas e poetas. No
entusiasmo de minha ardorosa juventude, eu recitava poetas de diferentes épocas
e escolas literárias, entre os quais Da Costa e Silva, Mário Faustino, Camões,
Neruda, Ferreira Gullar, Bandeira, fora outros monstros sagrados e consagrados
da literatura brasileira e universal.
Sempre lhe admirei a inventividade. Era um mestre do
malabarismo com as palavras, dos jogos florais rítmicos e das sonoridades, com
as rimas, as aliterações e as coliterações. Mestre era também dos arcabouços
formais, pois sabia extrair as lições do velho carmen figuratum; conhecia e bem
os recursos do verbi-voco-visual do concretismo, de modo que seus poemas eram
também visuais, de admiráveis plasticidades. Contudo, não era um simples
formalista, a praticar meros jogos de rimas e trocadilhos. Seus poemas primavam
pela forma e pelo conteúdo. Aliás, poderia dizer que ele ajustava com perfeição
suas criativas formas ao fundo de seus poemas.
Na penúltima vez que o vi, em evento literário em Parnaíba, ele
me falou que encontrara entre os guardados de sua mãe uma lembrança impressa da
missa de sétimo dia da morte de minha irmã Josélia. Prometeu me enviar cópia
por e-mail, e o fez, fato que muito me sensibilizou.
Na última, dois anos atrás, me presenteou com dois livros,
que comprara numa de suas viagens ao Sul do país: um era sobre a vida e a
poesia de Oswald de Andrade, e o outro se denomina 30 anos com Sousândrade, da
autoria de Carlos Torres-Marchal.
Isso comprova que ele ainda era uma admirador da tradição da
vanguarda brasileira, e o mesmo bom amigo e grande poeta, que sempre fora, e me
presenteara com revistas de poemas, quando a minha alma juvenil ainda se alcandorava
para a amplidão luminosa da poesia.
Que mais dizer? Não sei o que mais dizer, exceto orar, e
pedir que Deus, em sua infinita bondade, conhecendo as vicissitudes e fraquezas
de todos nós, receba o meu amigo Jorge Carvalho, no regaço de sua Glória
eterna.
(*) Na realidade, segundo informação contida em Poemágico (p. 81), ele se formou na Faculdade de Direito do Recife, em 1974.
Poeta Elmar Carvalho,
ResponderExcluirparabéns pela excelente crônica memorialista. É um feliz relato de fatos e características de uma pessoa admirável que foi o Jorge Carvalho.
Cordialmente,
Ben-Hur Sampaio
Olá Ben-Hur Sampaio!
ExcluirSe és quem estou pensando, somos parceiro na música "PUREZA RARA", que fizemos na época do Grupo Cachoeira.
Sou Chico Sampaio de Parnaíba. Gostaria de lhe falar se for possível, meu Sapp é 86994661566.
Bom dia, grande abraço!!
Era um bom poeta e foi um bom amigo. Muito inteligente. Tinha uma memória poderosa. Deus o tenha.
ResponderExcluirPoeta Elmar, você se superou como cronista, nesta do nosso Jorge Carvalho. Espetacular! Você é o maior cronista vivo do Piaui, quiçá um dos maiores cronistas vivos do Brasil. Mostrou-nos, assim, o estimado poeta Jorge Carvalho.
ResponderExcluirAmigo e confrade Chico Miguel,
ResponderExcluirVocê foi que extralou no elogio.
Olhe que também já sou idoso.
Assim é quase covardia.
O amigo vai acabar me levando a óbito.
Muito obrigado, caro amigo.
Caro amigo Elmar Carvalho, parabéns por essa bela crônica memorialista. Pelos idos de 2015 a 2018, quando ia em férias para nossa querida e bela Parnaíba e saía nas belas noites frias para solver os fluídos espirituais nos Centros Espíritas Humberto de Campos (Rua Franklin Véras, 799, bairro Campos), Chico Xavier (Rua Borges Machado, 915, bairro Pindorama, quase em frente a Universidade do Delta do Parnaíba) e no Caridade e Fé (Rua Samuel Santos, 284, bairro São Francisco), sempre encontrava nessas Casas religiosas o nosso irmão Jorge Carvalho. Nunca tive oportunidade de conversar com ele, deduzi que seria ele o falecido pela foto que a mídia publicou, mas sempre mantinha uma vontade de perguntar para alguma pessoa desses centros espíritas de quem se tratava.
ResponderExcluirEle, às terças e quintas-feiras, assistia assiduamente às palestras públicas (cultos religiosos), recebia o passe e logo tomava um copinho de 50 ml de água magnetizada (água benta). Não tinham como ele não ser notado, pois sempre se trajava de branco para assistir aos cultos religiosos e logo após a palestra, conversava de maneira atenciosa com as pessoas que estavam próximas.
Tudo bem, tudo normal, quando terminava o culto, eu ia para minha casa e a ideia de conhecê-lo esvai-se. No ano seguinte e eu em novas férias a ideia retornava e o Jorge Carvalho novamente nas Casas de Orações, orando e trajando-se de branco.
Com essa notícia do dia 17/03/2021 que você me trouxe do desencarne (morte) dele me causou surpresa principalmente por se tratar uma pessoa conhecida, querida e faz parte de uma rotina ou amizade. Embora se saiba que Deus sempre tem um plano para cada um de seus filhos.
Como está com dois anos que não vou à Parnaíba, o terei na minha boa memória dele frequentar um culto religioso. Quem sabe um dia eu possa ler uma de suas poesias... Que Deus o tenha na sua infinita bondade e misericórdia!
Abraços,
Everardo Oliveira, Parnaibano
Amigo Everardo, você acabou dando um belo depoimento sobre o saudoso amigo. Quase fez uma crônica. Abraço.
ResponderExcluirBela e merecida homenagem.
ResponderExcluirAcho que eu tinha 7 anos e Jorge Antônio 5, na escola infantil da Professora Maria Celeste de Jesus. Ficava atrás do Fórum. Era um puxadinho no amplo jardim da casa do Dr Jeremias, que usávamos no recreio. Terminada a aula, eu andava sob o sol de quase meio-dia, até o bairro Nova Parnaíba. Mas sempre fazia escala na casa do Jorge. Ele era tão miúdo que não podia voltar sozinho da Escola Santo Antônio. Lembro que eu segurava a sua mão com muita força. “Ele é muito danado”, dizia a sua mãe, que me agradecia com um refresco de frutas de verdade, do quintal. Era o melhor combustível para eu enfrentar a caminhada de quase 1 km. Sempre feliz porque ia rever o meu quintal, antes de tirar a farda, para desespero de minha mãe. Caju dá uma nódoa que dura para sempre, como dura esta saudade. Obrigado, Elmar. Fiquei muito emocionado ao ver a foto do Jorge, de gravata-borboleta, a mais parecida com o meu menino.
Abraços
Vitor de Athayde Couto
Essa foto me foi enviada pelo médico Luiz Ayrton, primo dele, que em meados de abril vai tomar posse na APL, em sessão virtual. Excelente comentário. Quase uma crônica e pequeno depoimento. Era um bom amigo o nosso Jorge Carvalho.
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