As gotas poéticas de Claucio Ciarlini
Elmar Carvalho
Neste dia 13, quinta-feira, através do programa Chá das 5, da
Academia Piauiense de Letras, veiculado pelo Canal Nestante, iniciei uma
amizade com o escritor e cronista Carlos Castelo, nascido em Teresina, mas
desde criança radicado em São Paulo, graças a uma simpática brincadeira do
apresentador Zózimo Tavares, que era coadjuvado pelo acadêmico Dílson Lages
Monteiro. Recomendo assistam a essa excelente entrevista, que se encontra
disponível no You Tube.
Quando foi ontem, por WhatsApp, recebi um texto de Carlos
Castelo sobre haicai, publicado na revista virtual Bravo. Conciso, mas recheado
de informações e em linguagem exemplarmente didática. Respondi-lhe que no dia
anterior fizera um prefácio para um livro do poeta parnaibano Marciano
Gualberto, em que lhe comentei alguns desse tipo de poema, contido nessa obra
ainda inédita. Em resposta, ele me afirmou que nossas ideias eram coincidentes.
Do seu elucidativo e sintético artigo acho importante pinçar
o seguinte: “A forma poética teve início com Matsuo Bashô, nascido em Osaka, em
1644. Adentrou pela Terra Brasilis através de traduções do francês, feitas por
Afrânio Peixoto. E depois espraiou-se por muitos outros haicaistas, que vão de
Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Pedro Xisto, Ciro Armando Catta Preta a
Paulo Leminski e muitos outros.”
Em seguida, o articulista esclarece que o haicai hoje é tão
popular quanto o soneto o foi no século 19. Porém, pergunta se o leitor já
ouviu falar em senryu, para explicar que o gênero fora criado por Karai Senryu,
no século 17, e que seria “uma forma mais mundana de haicai”.
Tendo ele dito que a nossa concepção sobre essa forma poética
convergia, não me acanhei em lhe perguntar: “Poderíamos dizer que o senryu
seria um haicai sem rigidez formal e mais aberto para vários temas?” Sua
resposta foi afirmativa e sem titubeios. Acrescentei que iria repassar o seu
artigo para um escritor e poeta amigo meu, o professor e editor Claucio
Ciarlini, que produz os seus haicais.
O Claucio, então, se lembrou que havia me pedido para
escrever um comentário para o seu livro em elaboração, titulado “HaiCaos: Poema
em quarentena”.
Contudo, tendo em vista que, sendo o haicai um gênero poético
de rigidez formal, com versos de métrica certa, contada, e de temática sempre
ou quase sempre voltada para a natureza e suas circunstâncias, inclusive a
beleza da paisagem, o poeta passou a entender que talvez tenha que modificar o
título de seu livro em preparo.
Pedi-lhe não se angustiasse, que ante essa rigidez de forma e
fôrma, os poucos haicais que tive a ousadia de cometer, também já não o seriam;
seriam senryu, que mais se adaptam a minha personalidade não afeita a
“espartilhos” estéticos rigorosos, mas sim a uma mais ampla liberdade criativa.
Observados os pressupostos formais do haicai oriental, os de Millôr Fernandes
também não se enquadrariam; seriam também senryu.
No site Recanto das Letras, em artigo de Raul Pough, colhi a
seguinte informação: “O SENRYU nada mais é do que um Haikai (três versos de
5-7-5, sem rigor absoluto), também sem título e sem rima, mas que em linguagem
geralmente coloquial, de conteúdo cômico, humorístico, irônico ou satírico,
conceitual ou filosófico, de forma epigramática, trata principalmente do
cotidiano da vida, dos sentimentos, hábitos, atos e vicissitudes do homem e da
sociedade.” Encerrou seu texto dizendo que o senryu seria um terceto à moda
ocidental.
Todavia, ao entendermos que o senryu é uma “forma mais
mundana de haicai”, não podemos deixar de compreender que de qualquer maneira
não deixa de ser haicai, embora possamos considerar que seja uma variante, uma
espécie de mutação. Então, nada demais. Até o famigerado coronavírus tem as
suas variantes, sofre as suas mutações, e para o mal, por se tornar mais feroz
e mais contagioso, enquanto a modificação do gênero poético oriental entendo
tenha sido para o bem, para nos dar mais amplitude e diversidade formal e
temática.
Os haicais ou senryu de Claucio Ciarlini não são orientados
para uma métrica fixa e nem para obrigatórias rimas, vez que o poeta cultiva a
liberdade formal, para alcançar uma mais espaçosa inventividade. Todavia, não
quis transformar a sua liberdade em anarquia ou desregramento, porquanto usa
com sabedoria e parcimônia as rimas, os ritmos e a concisão, esta sobretudo em virtude dos tamanhos curtos
dos versos, que o levam, creio, a uma polimetria, e não a uma ausência total de
métrica; porém, não as fui contar.
Por outra parte a sua temática não ficou adstrita aos
assuntos costumeiros do haicai ortodoxo. Como não poderia deixar de ser, pelo
seu projeto delineado a partir do título, abarca vários problemas e
circunstâncias físicas, sociais, políticas e psicológicas, desencadeados por
esses sombrios tempos pandêmicos. Vejamos, à guisa de exemplo:
Alguns pastores sem noção
Numa loucura pelo dízimo
Podem dizimar uma nação
* * *
Mergulho em literatura
Aliviando-me a tortura
Até encontrarem a cura
* * *
Como pôde?
Perguntou o capitalista...
Pois pôde!
Acredito sejam esses três poemas acima suficientes para
demonstrar a criatividade e a inventividade de Claucio Ciarlini, sobretudo o
seu poder de síntese, a sua capacidade em dizer muito com um mínimo de
palavras, sem descurar da emoção, da beleza e da sensibilidade.
Invocando o espírito do excelso bardo Manuel Bandeira e evocando a sua verve admirável, diria que os poemas minimalistas do nosso vate, sejam eles chamados de haicais ou de senryu, cometeram “o milagre de colocar o universo em uma gota d’água”.
A capacidade de dizer muito em poucas palavras...
ResponderExcluirNão sou de muitas palavras, interpleto a vida, e não é por menos que adoro ditados populares.
Senryu é mais ao feitio ocidental, que não gosta de se prender a métrica. Li e comentei o livro de Cláucio: Versos em tempo de pandemia: os haicaos.Eclético, o bardo se deslancha em variados assuntos, alguns bem ácidos, sem timidez na crítica. Um livro agradável pelo teor e pela facilidade de bebermos da criatividade e sensibilidade, que em versos curtos nos traz um mundo de informações sobre os acontecimentos da atualidade.
ResponderExcluirPerdoem-me não ter assinado o comentário acima.
ResponderExcluirWIlton Porto
Belíssimo texto, meu caro. A partir dele adquiri informações novas sobre o haikai. Cláucio rege as palavras com maestria e sabedoria. Ele diz muito com poucas palavras, sejam elas haikai ou senryu. Parabéns pelo excelente texto.
ResponderExcluirSousa Filho (professor e poeta).
Obrigado amigos, pelos comentários.
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