Paçoca de gergelim
Pádua Marques
Romancista, contista e contista
Nestes dias de junho, cheios de
alegria por tudo quanto é canto por causa dos festejos de Santo Antônio, São
João e São Pedro, me ocorre lembrar de uma comida que até hoje ainda me causa
contentamento e saudade, a paçoca de gergelim. Na nossa casa era coisa de uma
vez por outra minha mãe fazia com aquele capricho. Ninguém até hoje fez uma
igual, bem pilada e fininha.
Minha mãe tinha uma paciência e
uma resignação que até hoje me impressionam. Fosse na cozinha ou fazendo algum
trabalho de costura de roupas, ao lavar as panelas e os pratos, lá estava ela
de cabeça baixa e concentrada, de pouco falar com quem quer que fosse naquela
hora. E era assim que minha mãe fazia a paçoca de gergelim, aguardada pelos
meninos e meninas ali em volta da mesa grande de quase dois metros, hoje com
mais de noventa anos.
Em nossa casa tinha um pilão, que
a mamãe dizia e repetia ser ainda do tempo de minha avó. Tinha esse pilão pouco
mais, se muito, de um metro, feito de madeira robusta, duas bocas e de cintura
fina. Era um pilão que ficava sempre de pé. A mão dele era quase da mesma
altura, com aquelas duas partes mais grossas que o meio do corpo. E minha mãe,
depois de torrar numa panela de ferro o gergelim misturado com farinha branca e
uma pitada de sal e açúcar, se punha a pilar com aquela cadência e uma
paciência que só ela sabia ter.
Minha mãe sabia mais que ninguém
pilar gergelim, milho pra aluá, arroz, farinha branca pra um caldo, fosse o que
fosse. Às vezes quando havia necessidade, dava esse trabalho pra algum de nós
meninos ou meninas, os maiores e já com sustança nos braços. E ficava ali por
perto olhando se a paçoca estava no ponto.
Pouco tempo, não mais que alguns
minutos, aquela farinha ia mudando de cor. E algum menino sempre ficava com
vontade de meter a mão pra provar aquela farinha, assim num quase marrom,
avermelhada. Paçoca de gergelim não era necessariamente comida dos tempos de
São João. Mas era quase sempre feita naquele tempo. E servia e muito pra o café
das três ou da noite. Depois de pronta e provada por minha mãe, a paçoca ia
sendo distribuída a cada um de nós numa tigela.
Mas o gergelim não era apenas pra
fazer paçoca. Era santo remédio, segundo minha mãe, pra curar gripes fortes
porque, pisado no pilão e tirado o leite, era um expectorante, como hoje se
diz. Curava catarro nos peitos e dava alívio quando a gente tossia.
E depois de beber aquele leite de
gergelim sem açúcar lá íamos nós os de meninos gripados procurar os fundos de
uma rede, se aquietar. Mas a gente gostava mesmo era da paçoca. Aquele gosto
bom de, nem salgado e nem doce. Pra tomar com café era uma beleza!
Depois o pilão voltava pra seu
lugar na cozinha, o canto da parede, perto dos dois potes de barro, os dois ali
silenciosos com aquelas tampas de folhas de Flandres pintadas de azul com
flores brancas ou amarelas, compradas há muito tempo no Mercado da Coronel
Jonas.
Esse pilão ficou até muitos anos
em nossa casa. Até que por falta de uso, às vezes de ano em ano pra pilar o
milho de nosso aluá de todos os meses de junho, o cupim foi comendo aos poucos
até não servir mais, ficou velho igual aos homens. Virou um pilão velho coberto
de poeira. Ninguém ligou mais pra ele, ninguém mais se lembrou dele ou tratou
de perguntar se estava bem de saúde. A mão de pilão, essa durou mais tempo. Mas
ficou a recordação da paçoca boa de gergelim, fininha, de cor rosada, grudando
no céu da boca.
(Extraída do livro O Menino, de
Pádua Marques)
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