quinta-feira, 15 de maio de 2025

MALANDRO OCEÂNICO E ALCIÔNICAS MÚSICAS

 

Fonte: Google

MALANDRO OCEÂNICO E ALCIÔNICAS MÚSICAS


Elmar Carvalho

 

Outro dia, ouvindo a cantora Alcione, lembrei-me de Renato de Paula. Num dia qualquer de 1977 ou 78, meu pai, então gerente da ECT em Parnaíba, foi abordado por esse cidadão, durante o expediente da agência, na parte da manhã. Vinha ele de Tutoia, onde fora cumprir alguma missão da diretoria regional da empresa no Maranhão.

 

Aproveitara para conhecer o litoral piauiense. Alegando que extrapolara as diárias que recebera, pediu a meu pai que lhe emprestasse determinada importância. O velho disse não dispor no momento daquele valor, e veio com o Renato me pedir que lhe arranjasse a importância, asseverando que tão logo ele chegasse a São Luís me reembolsaria.

 

É óbvio que eu não gostei muito da solicitação, uma vez que estava vendo aquela pessoa pela primeira vez. De qualquer sorte, respondi que dispunha da quantia apenas em minha pequena poupança, na agência da Caixa Econômica Federal. O Renato afiançou-me que não me preocupasse, que tão logo chegasse à capital maranhense remeteria o dinheiro. Um tanto contrafeito fui fazer a retirada e lhe entreguei. Era um dia de sexta-feira, pois a Caixa não funcionava no sábado. Não lhe pedi para assinar nenhum cheque, recibo ou promissória. Resolvi aceitar sua palavra.

 

No domingo seguinte, fomos à praia de Atalaia, em Luís Correia. Tomamos umas cervejas e comemos tira-gosto de camarão. A cantora Alcione, chamada a Marrom, estava na moda, com a sua voz vibrante, metálica, quase de trompete, a cantar os seus sambas gostosos, dengosos, românticos. A música mexeu com o saudosismo de Renato, e ele se lembrou de sua ilha de Upaon-Açu. Ficou indócil, eufórico, e pedia para repetir algumas músicas; ficava a cantarolar, acompanhando-as.

 

Era ele um mulato de seus quarenta anos de idade, já um tanto gordo, com pinta e jeito de malandro carioca, no bom e legítimo sentido da palavra. Algumas cervejas e alciônicas músicas depois, ao entardecer, retornamos a Parnaíba. Confesso, temi pelo reembolso de meu suado dinheirinho. Mas, para meu espanto e agradável surpresa, poucos dias depois meu pai veio me entregar o dinheiro que Renato de Paula mandara.

 

Nunca mais o revi nem ouvi seu nome. Contudo, fiquei com a alegre lembrança de um bon vivant, amante de música e de cerveja, que sabia honrar sua palavra e seus compromissos.

23 de novembro de 2010

6 comentários:

  1. Considero que, o respeito pelo seu pai, como ter visto naquele cidadão um peixe fora d'água(ele não morava em Parnaíba), sensibilizou-o, o que fez com que você emprestasse sem documento assinado. Conhecendo-o, sei que você é um homem solidário e de compaixão.
    Os Poetas possuem uma alma sensível e delicada. Não é à toa, que defendem nos seus poemas, os mais fracos e abandonados. Têm o amor na ponta dos dedos.
    Wilton Porto

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  2. Você é uma pessoa bondosa e me vê com bons olhos, muito mais do que de fato mereço. Muito obrigado, caro amigo!

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  3. Parabéns.
    Certa vez, meu saudoso sogro precisou, com urgência, de dinheiro. Costumava dizer que é melhor ter um amigo do que dinheiro no bolso. E, como quem invoca a providência divina, apareceu um amigo verdadeiro e lhe emprestou.
    Passada a tormenta, devolveu cada centavo — e, com isso, selou-se algo maior: a confiança, a amizade sincera, que o tempo não corrói, a ferrugem não alcança e a morte não destrói.
    Que Deus os tenha.

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  4. Francisco Miguel: Confesso que eu não empretaria. Em matéria de dinheiro eu sou muito ranzinnza, depois de apanhar muito logo na minha juventude

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  5. Muito obrigado pelo acesso e comentários, caros amigos.

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