segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


TRAIÇÃO E MORTE

Elmar Carvalho

Marcos vinha de um casamento fracassado, do qual tivera três filhos. Chegara a suspeitar da mulher, por causa de alguns atrasos no retorno do serviço, de algumas compras demoradas, e de uma vez em que não a encontrara no seu local de trabalho. A mulher tudo explicou, de forma segura, convincente, sustentando-lhe o olhar, sem gagueiras, sem titubeios, sem incoerências e sem contradições. Mesmo assim, desconfiado como era, contratou detetive particular para lhe seguir os passos. Após quatro meses, recebeu circunstanciado relatório em que a fidelidade da mulher lhe foi assegurada. Apesar disso, os desgastes naturais da vida em comum, as incompreensões recíprocas, as rotinas no relacionamento, o minguar da paixão inicial, tudo terminou contribuindo para o divórcio.

Resolveu passar a ter relacionamento esporádicos, e até mesmo recorreu a moças de programas. Contudo, encontrou uma mulher com quem muito se afinava, e que também vinha de um casamento desfeito, felizmente sem filho. No início, se encontravam em lugares públicos e em motéis. Depois, a mulher já pernoitava em seu apartamento, e vice-versa. Com o passar do tempo, passavam os finais de semana na companhia um do outro. Por fim, resolveram morar juntos, e dois anos depois decidiram casar, no religioso e no civil. Marcos disse à mulher não admitir traição, e lhe contou o motivo de sua separação anterior. Creusa, sem ênfase, para não demonstrar ter ficado ofendida, mas com firmeza, lhe respondeu que ficasse despreocupado, quanto a isso, pois o amava, e, além do mais, sua índole não lhe permitiria cometer tal indignidade.

Após uns três meses do casamento, Creusa disse ao marido estar grávida. Estranhou o fato de Marcos não ter demonstrado alegria. Na verdade, notou-lhe certa frieza, e até mesmo contrariedade. Como o homem tenha dito que poderia ela estar enganada, achou que a reação de apatia, senão mesmo de tristeza, poderia vir dessa dúvida. Por isso, disse-lhe que oportunamente repetiria o teste. Mas não precisou fazê-lo, porque em pouco tempo a sua barriga tirou qualquer dúvida por ventura existente. Para sua perplexidade, a tristeza do marido apenas aumentava. Aparentemente não mais a desejava. Aliás, parecia que passara a lhe ter repulsa, e já não mais a procurava, e até se afastava, quando a mulher o acariciava.

Certa noite, quando Creusa retornou da rua, onde fora comprar o enxoval do bebê, encontrou o marido com o aspecto transtornado e o olhar desvairado. Na mesa, ele havia colocado uns papéis, e algo encoberto por um guardanapo. Marcos, sem rodeios e sem meias palavras, falou: “Você é uma vagabunda e cínica. Quanto cinismo e quanto teatro, sua cretina... Nunca eu lhe disse, e isso foi de propósito, mas eu fiz vasectomia, e portanto esse teu filho não é meu filho, sua safada”. A mulher jurou que devia haver um engano, porquanto nunca o traíra, porém o marido foi implacável na acusação, e quanto mais ela lhe jurava fidelidade, mas ódio ele parecia sentir, enquanto exibia o atestado e o laudo de sua vasectomia. Depois, como louco ou possesso, retirou o revólver de debaixo do pano, e matou a mulher com três tiros. Em seguida, se dirigiu à delegacia do bairro, onde tudo confessou, a exibir os documentos da cirurgia, que o tornara impotente para a concepção.

O delegado era experiente e muito criterioso, e não obstante as provas da vasectomia e a confissão firme do autor do crime, mandou fosse feito exame de DNA na falecida, no feto e no homicida. O resultado apontou, com possibilidade quase zero de erro, ser Marcos o pai do menino que estava sendo gerado no ventre de Creusa. Mandou, então, examinar o que ocorrera com a suposta vasectomia. Descobriu-se que o canal deferente se havia restaurado, em caso raro, mas não impossível de acontecer. Marcos ficou como louco, taciturno, calado, com o remorso a lhe corroer a alma. Poucos dias após, foi encontrado morto, pendente de um lençol branco, caprichosamente enrolado como uma corda. O olhar esbugalhado fitava a monotonia da parede branca. Aliás, parecia fitar exatamente um ponto muito pequeno, quase invisível, no qual se lia, em letras de sangue, a palavra perdão.

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