CHARGE E TEXTO: JOÃO DE DEUS NETTO
CUNHA NETO
Poeta, radialista, contador de “causos”, político, comerciante e lavrador. Cunha Neto (Campo Maior: 02/06/1924 – 07/02/2010) se iniciou em “cordel” em 1944, onde foi sócio da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel, da Academia dos Poetas de Uruguaiana [RS]; da Federação Brasileira dos Poetas do Brasil, Brasília [DF]. Publicou 130 folhetos dessa literatura, dentre eles: “Amigos de Campo Maior” e “Nossa Terra, Nossa Gente”. Membro da Academia Campomaiorense de Arte e Letras – ACALE.
RELEMBRANDO CUNHA NETO
Elmar Carvalho
Recebi, nesta manhã, telefonema de meu pai, que noticiava o falecimento do poeta Cunha Neto, ocorrido em Campo Maior, de madrugada. Meu pai havia ido ao velório. Não pude ir ao sepultamento do bardo. Tenho recordações antigas dele. Quando eu tinha por volta de nove anos de idade, vi um folheto de sua autoria, que o meu pai recebera na missa matinal de domingo, a que tinha ido assistir na matriz, hoje catedral. O cordel falava sobre o festejo de Santo Antônio do Surubim, padroeiro da cidade. Cantava as proezas e a coragem dos vaqueiros, que são homenageados na festa religiosa, com um dia a eles dedicado. Senti orgulho do conterrâneo, e – por que não confessar? – uma certa inveja. Imaginei o meu nome estampado em um livro. Mas só fui despertar de verdade para a literatura um pouco mais tarde.
Tempos depois, vi outros livretos do poeta, com poemas que falavam da lagoa do Corró, da saudade, e das belezas arquitetônicas e naturais de Campo Maior. Zé Cunha Neto era um autêntico cordelista, também chamado de poeta de gabinete, porque manejava a palavra escrita, mas não era um repentista, cuja principal característica é improvisar, acompanhando-se por uma viola. Foi meu amigo e amigo de meu pai. Quando tomei posse de minha cadeira na Academia do Vale do Longá, Zé Cunha me prestou uma enternecedora homenagem, declamando um poema de sua autoria sobre a minha pessoa. Não precisaria acrescentar que fiquei deveras comovido. Isso significa que o poeta era despojado da mesquinha inveja e sabia reconhecer as qualidades de outra pessoa, de outro poeta.
Era um cidadão de bem e do bem. Sua mulher, dona Ana, foi uma boa e sábia companheira, que soube amparar e compreender o grande poeta popular. Nos últimos anos, vinha amargando forte depressão, que torturava seu espírito, tornando-o quase recluso, retraído, quando outrora fora alegre, expansivo e sociável. Lembrando-me dos seguintes versos de Antero de Quental: “Na mão de Deus, na sua mão direita, / Descansou afinal meu coração”, tenho a certeza de que o coração bondoso e tão sofrido do poeta Cunha Neto encontrou abrigo, amparo e lenitivo na destra do Senhor.
(Extraído de Diário Incontínuo, registro do dia 07.02.2010)
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