Cunha
e Silva Filho
Acabou-se,
pelo que se tem visto, a era dos tempos da Guerra Fria, no jogo duplo
desconfiado e ardiloso de parte a parte entre democracia e comunismo.
Os dois países líderes formados dos Estados Unidos e da Rússia,
bem ou mal, continham os ânimos belicistas recíprocos, evitando o
final indesejável da destruição apocalíptica. Hoje, a história
da História é bem outra. Há a ONU, a OTAN, o MERCOSUL e o MNA
(Movimentos do Países Não Alinhados (este último surgiu do desejo
de contribuir para fazer o “contrapeso” entre os três primeiros.
Em
síntese, há uma multipolaridade de alcance maior, que se prepara
para o enfrentamento, por ora, pacífico, entre o Ocidente e o
Oriente. A geopolítica global do Oriente está mais atenta e
mais consciente, cujo exemplo maior foi a “Primavera Árabe,
a qual já cede em alguns pontos comuns a visões provenientes dos
países do Ocidente, como constituição de países-membros,
países-observadores, incluindo o Brasil, organizações
internacionais como a ONU e a Liga Árabe. O MNA tem suas
lideranças de cúpulas alternadas de três em três anos. Outra
novidade. Na Agenda do mencionado MNA, os temas a serem debatidos
nesta 16ª Cúpula que terá como sede Teerã, o qual, desta forma,
sai do seu isolamento: a) conflito na Síria; b) não proliferação
nuclear; c)governança global; desenvolvimento.O Irã desta vez
substitui o Egito na presidência do MNA. Os países que estarão
presentes a Cúpula têm multiplicidade de visões políticas em
muitos aspectos fortemente divergentes do Irã.
Tal
reviravolta moderna não deixa de ser auspiciosa para os destinos da
paz mundial e para o incremento do diálogo entre países que, de um
lado e de outro, ainda se sentem mutuamente hostilizados. Neste caso,
não é de se desprezar o peso desse acontecimento agora, já que o
MNA era reputado pelos especialistas em política internacional como
algo superado e sem nenhuma expressão no tocante a decisões e
mudanças de rumos na diplomacia mundial .O MNA foi fundado em 1961 e
seu objetivo principal era ter uma posição neutra tanto com o bloco
capitalista quanto com o soviético na época da Guerra Fria.
A
16 ª Cúpula acontecerá de 26 a 31 de agosto e, como tal, esperamos
que novos e proveitosos desdobramentos possam advir das conclusões
dos debates e da aprovação de algum Documento a ser apresentado.
O
mundo mudou, está mudando e, apesar da tragédia da Síria, que,
infelizmente, conta com o apoio do Irã, da Rússia, da China, no que
perde prestígio para os países democráticos, aguardemos algum
sinal de esperança para o nosso já conturbado planeta. É de se
assinalar que o próprio Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon estará
nessa Cúpula, não se deixando se submeter, conforme declarações
da sucinta e excelente reportagem de Samy Adhirni ( “Irã busca
romper seu isolamento em cúpula do 3º Mundo”, Folha
de São Paulo, 26/08/2012)
aos apelos autoritários dos EUA e de Israel.
Não
endosso nem as pretensões belicistas que por muito tempo têm
caracterizado os governos americanos, nem tampouco sou favorável às
ideias estapafúrdias de Mahmoud Ahmadinejad de, publicamente,
declarar sua vontade de ver Israel apagado do mapa mundial.
Entretanto, sou firmemente contra a sua adesão a um dos mais
tirânicos governos ditatoriais contemporâneos, como é exemplo a
Síria de Bashar al-Assad.
Não
é possível que o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenel, não
se sinta, por princípios religiosos e humanitários, constrangido
com o massacre genocida do ditador Sírio, para quem vidas humana
valem nada.Ora, ao rebaixar o valor do ser humano a algo imprestável,
não está mais do que afirmando uma espécie de ódio e desprezo
contra si mesmo. Se, entretanto, seu governo se pautasse por poder
institucional que fizesse seu povo feliz, livre e democrático, ainda
que internamente dividido por grupos dissidentes(sunitas, aulitas)
ainda assim seria possível procurar uma governança que pudesse
conviver com relativa harmonia e, procurando valer-se da sabedoria
política, conquanto maquiavelicamente, ensejar também
espaço de poder político a grupos de oposição, desde que sem o
recurso espúrio da tirania, da corrupção e do enriquecimento
ilícito monopolista e imperial. Um líder político tem que saber
que, em tempos atuais, só se governa melhor pela abertura a sistemas
de conquista do poder pelo sufrágio do voto, pelo diálogo político
sem intransigências descabidas. Não há outro caminho para o
trato político a não ser que esteja desejando cavar para si mesmo o
fim trágico reservado a autocratas.
De
qualquer forma, vejo com bons olhos o empenho iraniano de se abrir a
outros países, democráticos e até não democráticos a fim de
encontrarem novos caminhos e perspectivas para livrarem o mundo da
bipolaridade. O Brasil será representado nessa Cúpula e dele
aguardamos posições mais nítidas sobre questões que afetam a vida
de milhares ou milhões de pessoas. A Síria é um desses temas que
não podem ser discutidos só pelo prisma ideológico e econômico.
A
dimensão humanitária, a defesa da preservação das vidas são
fatores determinantes que não podem ser descartadas por todos os
países que da Cúpula participarão. O Brasil, mais uma vez,
reafirmo, deve estar à altura de sua contribuição para a paz
mundial. Não custa nada aqui citarmos as palavras finais de Marcelo
Coutinho, um jovem professor de relações internacionais da UFRJ
que, em recente artigo vigoroso e abrangente sobre o papel da
“Primavera Árabe” e sobre a tibieza que o Brasil
diplomaticamente tem demonstrado no cenário internacional (Folha
de São Paulo,Tendências/Debates “Primavera
Árabe e inverno no Itamaraty", 26/08/2012), faz o seguinte
alerta: “O Itamaraty tropeçou demais. Daqui a cem anos, os livros
de história vão falar dos eventos que mudaram uma parte central do
mundo. O Brasil vai aparecer em uma nota de roda pé do lado errado
dessas transformações.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário