Regis
de Moraes Marinho
Poeta e promotor de justiça
Poeta e promotor de justiça
Cambacica, pequeno grande livro do escritor piauiense
Halan Silva, publicado em 2011 pela Livraria e Editora Nova Aliança,
é uma novela que retrata um amor não concretizado entre Otávio, um
ornitólogo pobre, e Firmina, “uma moça de família” de
Teresina, capital do Piauí, que, por força das convenções
sociais, terminou casando, mal, com um outro rapaz que vivia do
passado do sobrenome da família.
Sob essa estreita visão, a novela sob comento, a meu
sentir, nada acrescentaria às demais que versam sobre amores
frustrados e inalcançáveis e, pois, não teria estofo para se
estabelecer na estante da história literária piauiense.
Longe, porém, de figurar como um clichê literário,
ou um lugar-comum novelístico, a novela Cambacica, para usar
palavras de Carlos Nejar, em sua História da Literatura Brasileira
(Leya, 2011, p. 25), vale pelo que, nela, “está
invisível, intocado, ainda que o que se diga cruze como a linha de
um trem com o que não se diz, nem se diria, mas se está pensando.
Ou começou a ser pensado, depois que se disse”.
Em verdade, o amor fracassado de Otávio, o indefeso
fura-flor ou cambacica, pequeno pássaro da fauna teresinense, e a
moça rica Firmina, não passa de um “leitmotiv”, ou pretexto
literário, para falar do desastre ecológico que se prenuncia em
Teresina, com o desenfreado crescimento imobiliário e a destruição
da mata ciliar dos rios Poti e Parnaíba. Em outras palavras, a
avefauna teresinense corre perigo e é enxotada do seu habitat
natural, pois, como na canção de Chico Buarque, “o
homem vem aí”...
Nesse sentido, o amor irrealizado de Otávio e Firmina
surge como uma metáfora do desamor do progresso de Teresina pela sua
– agora prestes a extinguir-se – fauna aviária. Donde
concluir-se que a novela Cambacica é um grito de socorro ecoando de
nossa fauna, que quer e merece ser preservada, para a manutenção,
ainda que na Teresina desenvolvimentista do Século XXI, de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, em prol das presentes e futuras
gerações.
Anoto que páginas como as do capítulo “Bichos”
têm um acentuado caráter antológico e nos colocam lado a lado, por
que não dizer mesmo dentro dos nossos quintais e jardins aromáticos,
para aviventar em nossas almas o amor telúrico-bucólico, sem
pieguismo, mas com profundo senso de proteção ecológica e
ambiental, como no trecho abaixo:
“Entre os passarinhos que não se incomodam com
a presença do homem, vê-se, por entre os interstícios dos telhados
ou escalando muros, a simpática Cambaxirra, que a maioria das
pessoas conhece pelo nome Garrincha, mas há quem a chame de
Rouxinol. Costuma andar aos casais e o macho emite um som melodioso e
diminuto. Nas casas, praças e ruas da cidade, pode-se avistar com
frequência a generosa rolinha Fogo-pagou, que, noutras regiões, em
razão do som que emite ao alçar voo, é conhecida como
rola-cascavel. Em menor número, nos mesmos locais da anterior,
encontra-se outra rolinha, a Sangue-de-boi ou rola Caldo-de-feijão.
Os Ben-ti-vis são estridentes e vadios, estão em toda parte. Entre
a folhagem das árvores ou em voos breves, surgem bandos de Anuns
pretos. Nas áreas próximas das margens do rio Parnaíba, é
possível encontrar Anuns brancos. Vez ou outra, um olhar atento pode
descortinar semioculta na copa das árvores, a gozadora Alma-de-Gato.
Nos jardins, apanhando néctar das flores, assomam alguns membros das
mais de 320 espécies da família dos Beija-flores. Nos bairros
arborizados, como o São Cristóvão e o Horto Florestal, durante a
safra do caju, observa-se o Rei-Congo ou Japu. O canto desse pássaro,
associado ao estremecer das asas, dá a impressão de sacudir
folhagem. Nas margens do Poty, antes da construção das avenidas e
dos prédios residenciais, costumava aparecer, na copa das
mangueiras, um dos mais afamados ventríloquos da avefauna brasileira
– o Xexéu ou Japim”.
Enfim, Cambacica, de Halan Silva, é, sob minha ótica,
uma reflexiva história de amor por Teresina enquanto cidade
arborizada e ainda apinhada de pássaros que não pode, nem deve
acabar, e que, portanto, vale como um grito de alerta a todos que
aqui residem e participam do seu progresso, para que esse amor não
venha a se frustrar e fracassar como o de Otávio e Firmina.
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