segunda-feira, 12 de novembro de 2012
No coração do capitalismo
Cunha e Silva Filho
A bonita e simpática correspondente brasileira da Globo News, visivelmente preocupada, procura, no entanto, passar – sem o conseguir - a tranquilidade , ou melhor, a frieza e objetividade das notícias sobre o Furacão Sandy. O desastre está iminente. Vem mesmo.
As autoridades americanas, governadores, prefeitos, o próprio Presidente Obama esquecem os problemas comuns de governo e se concentram no maior de todos os problemas que agora enfrenta uma nação tão poderosa, amada e odiada, bela e lugar de tantos sonhos americanos e de bem-estar oferecido pela “Terra da Oportunidade”, salvação de tantos imigrantes, melting pot universal onde convivem pacificamente pessoas de diferentes culturas, onde se ouve falar uma multiplicidade de idiomas. Quer-se referir àquele Furacão com ventos catastróficos, chuvas torrenciais, mar encapelado com ondas altíssimas a ponto de saírem das margens e se arrastarem por ruas de Nova Iorque.
Toda a cidade de Nova Iorque assemelha-se a uma cidade-fantasma. Nas suas ruas, vemos barricadas e outras artefatos de proteção. O centro nervoso está entregue às baratas. Todos corrrem para lugares mais seguros,. As água do mar inunda alguns metros das ruas. A bela cidade, a Big Apple, está triste e desolada, porque se o que ela detesta é não ver suas ruas apinhadas de pessoas de toda a parte. Até a Bolsa de Valores deixou de funcionar ontem, hoje, e talvez ainda não funcioná amanhã. Tudo está paralisado. As ruas, escuras, A Times Square, sempre movimentadíssima e glamurosa, está molhada e sozinha. As pessoas, parece-me, não quererem acreditar no que estão vendo acontecer na bela cidade, metrópole do mundo, sonho de todos os turistas. Só alguns homens e mulheres da imprensa internacional são vistos, encapuzados, molhados, friorentos, fazendo alguma possível transmissão ao mundo, como os nossos corajosos correspondentes que enfrentam ainda no cumprimento do dever os riscos a que estão sujeitos em qualquer momento da reportagem.
O rio Hudson está também bravio, aumentando as águas. A Estátua da Liberdade, do alto, ofuscada pela ventania gigantesca, ainda dá algum sinal de vida. Nova Iorque é o coração do mundo, nos negócios, no lazer, no turismo, nas viagens de estudantes estrangeiros, na esperança de imigrantes procurando uma chance de trabalho, difícil nestes tempos bicudos de uma economia abalada.
Não gosto de filmes que retratam uma Nova Iorque apocalíptica. Ideia sem graça e que nada contribui para a grandeza da cidade. Nova Iorque foi feita para a alegria, a vida cultural, para seus espetáculos na Broadway, ou off Broadway. Nova Iorque foi feita para o sorriso, a alegria, o encantamento. Nunca teve nem terá vocação para o isolamento, o fantasmagórico, a solidão. Nova Iorque precisa de gente muita gente, de turistas, muitos turistas, de pessoas que querem visitar inúmeros lugares importantes.
Seus prédios imponentes, seus edifícios e arranha-céus luminosos, suas ruas elegantes, seus bares e restaurantes, sua segurança , tudo convida à diversão e ao lazer.
Certamente, o Furacão Sandy há de arrefecer sua fúria e deixará em paz Nova Iorque e outras partes devastadas da costa americana. Sei também que os acts of God têm algum sentido de lição aos homens: a de que os homens, em toda a parte do mundo, devem ser mais humanos e mais humildes e, olhando-se interiormente, perceberem quão pequenos somos todos na face da Terra que, por sua vez, é um pingo de areia no Universo. A palavra Sandy tem um sentido que vai mais fundo na nossa imaginação. Em inglês, sand, quer dizer areia, e Sandy, um adjetivo, arenoso, cheio de areia. Não é isso significativo, leitor? O que é a areia senão o isolamento, a destruição, o esfarelamento, o desaparecimento de tudo o que a cultura artificial pode construir? O termo areia está associado a castelo, castelo de areia, algo que se faz e se desfaz em segundos, ou algo com que se sonha de grandioso e , de repente, se perde entre nossos dedos.
Nova Iorque, de alguma forma, poder-se-ia chamar de centro do mundo pela sua importância em vários e múltiplos aspectos de sua vida e de suas funções como megalópole. E, por ser assim, é que, metonicamente, o que nela acontece tem repercussão imediata no resto do planeta.
Espero que, no momento em que escrevo estas linhas, alguma coisa tenha melhorado nas cidades americanas atingidas violentamente pelas forças da Natureza.
Tudo que está acontecendo nos Estados Unidos é oportunidade para reflexão sobre a questão do cuidado que o homem deve ter com a Terra. Já é tempo de parar com tanta depredação no planeta, em geral devastação ambiental visando ao lucro, à cupidez, ao desregramento desencadeados pela sede incontida de acumulação de riqueza a qualquer preço, seja pelos países como governos, seja por homens individualmente, de todos os setores da atividade humana, e sobretudo dos que fazem do dinheiro, dos negócios, a maior razão da existência. Sejamos mais sensatos, não somos individualmente, o umbigo do mundo. Há muitas terras no planeta com povos famintos, sem instrução, sem saúde, sem nada, clamando por socorro permanente. Isso, em toda a parte, inclusive no Brasil.
Creio que a humanidade dará um passo melhor em seu convívio universal quando os egoísmos forem diminuídos e mesmo apagados do coração das pessoas. Dirão que sou um sonhador, um uópico, um nefelibata como diziam dos poetas simbolistas. Não, nesta altura da minha vida, eu teria mais inclinação pela casmurrice, pela desesperança, pelo pessimismo, se levasse em conta o que de repugnante tenho visto e sabido do que andam fazendo os homens no planeta nos mais diversos segmentos da vida social, ou seja, na política, na vida pública, no comportamento social, nas relações interpessoais.
A não ver toda a sordidez que se nos apresenta o palco da existência, seríamos uns Cândidos ainda mais ingênuos do que o personagem de Voltaire (1694-1778). Vejo, finalmente, a harmonia do planeta como uma decorrência da felicidade sincera entre os homens, entre os homens e a Natureza, sem todo esse arcabouço de alta e nefasta burocracia huxleyana ou mesmo os olhos onipotentes orwellianos da sua exagerada dependência tecnológico-científica e hipertrofiada confiança de que ele, só ele, pode enfeixar, em suas mãos prepotentes e babélicas, o destino de vida e morte da humanidade.
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