terça-feira, 6 de novembro de 2012

Rosinha Vasco



Fonseca Neto

A região sul do Maranhão antigo tinha como lugar-capital a hoje cidade de Pastos Bons, cuja fundação não índia se deu há três séculos e com famílias oriundas das capitanias coloniais da Bahia, Pernambuco e Ceará. É a dilatação da formação social gadeira que também explica o Piauí.

A partir da sede do Julgado de Pastos Bons, os curraleiros da família Coelho, vindos do médio São Francisco, multiplicar-se-iam por aqueles sertões quase infindos, um céu aos olhos dos chegantes, não fossem as desafiadoras armadilhas de sua natureza bravia e a justa resistência de sua gente ancestral nativa.

Com essa observação de sentido histórico geral, quero recordar um importante acontecimento ocorrido neste domingo, dia 21, na cidade de Passagem Franca, municipalidade tributária de Pastos Bons, e destino de parte do seu coelhado: o centenário de Rosa Vasco de Sousa Coelho, dona Rosinha Vasco. Ao que sabemos, a pessoa mais idosa de nossa cidade, nascida a 21 de outubro de 1912. 

Rosinha é filha de Ana Gonçalves e Antonio Vasco de Sousa Coelho, o “Senhor Vasco”, casal que, além dela, gerou os filhos Cândido, João Enoque, João Batista, José (“Lô Vasco”), Felipe, Manoel, Raimundo (“Senhor Vasco”), Emerenciana (“Merença”), Maria de Lourdes, Maria (“Sidoca”) e Francisca (“Inhá”). Ana e Antonio viveram e tiveram seus filhos no município de Passagem Franca, sitiantes do “São Bento”, em meio aos senhorios territoriais de suas famílias que ali se foram fundindo por entrelaçamentos familiares-latifundiais, sobretudo com os Pereira de Sá, Brandão, Moreira Lima, Araújo. Pais de Antonio e avós paternos de Rosinha: dona Emerenciana de Sousa Lima e José Vasco de Sousa Coelho, tenente-coronel e comandante da Guarda Nacional, político de projeção, deputado provincial e deputado geral no RJ no tempo do Império (12ª Legislatura, 1864-66).

As gerações mais próximas conhecem Rosinha, e conheceram seus irmãos, como descendentes de uma família ilustre que deteve o controle consecutivo da administração municipal passagense, desde meados do Oitocentos até os anos 1920, e, depois, com intermitência, por netos e bisnetos, até 1970. 

Desde a década de 30, moradoras ao Largo da Matriz de São Sebastião, as “irmãs Vasco” (Rosinha, Inhá, Lourdes e Merença) marcaram a vida comunitária local pelos vínculos muito fortes com a igreja, na condição de “zeladoras”, efetivas dirigentes das associações do Sagrado Coração e da Associação de São José, assim devotas“filhas de Maria”. Impossível imaginar um evento na matriz – especialmente missas – sem a presença delas, sentadas à primeira fila da bancada, com seus elegantes e almofadados genuflexórios. Ainda quando somente partilhavam a Comunhão os que estavam em rígido estado de jejum, lá iam elas – às vezessomente elas – comungando, contritas, nas missas cotidianas das matinas (e do campanário eu via, nesses dias, minha cidade despertando sob a cor do mais belo arrebol que habita minha memória). Às vezes retardavam um pouco e depois da missa iam à sacristia se justificar dizendo ao padre que o atraso se devera ao fato de estarem a ouvir a “Oração Por Um dia Feliz”, de d. Avelar Brandão, pela distante Rádio Pioneira de Teresina. 

Rosinha (e assim dona Inhá) não teve matrimônio; essa circunstância certamente facilitou sua dedicação à igreja e à sua mãe, falecida com quase cem anos. Toalhas, guardanapos, panôs e alfaias em geral do serviço litúrgico, eram regiamente tratados por essas zeladoras. De igual maneira, os altares, nichos e sacras imagens, sempre ornados com arranjos florais naturais ou artificiais de bom gosto (aliás, nunca esquecerei, porque conferi muitas vezes, quanto os olhos brilhantemente verdes, e o próprio rosto de dona Rosinha, se parecem com um dos três anjos barrocos e seus olhos verde-azulados,esculpidos aos pés de uma secular imagem de NS da Conceição existente na capela-mor).

Ótimo: sábado, 20, por telefone, perguntei por ela ao padre Vicente, seu amigo, e ele foi logo dizendo, com graça: “já comi hoje mesmo uma coxa do capão dos 100 anos”. Coisas da Passagem. Coisas que lembrar faz bem.

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