12 de dezembro Diário Incontínuo
UM MONUMENTO ÀS TRÊS RAÇAS EM CAMPO MAIOR
Elmar Carvalho
Comentando pequena nota publicada em meu blog, em que eu
informava que meu livro Bernardo de Carvalho – O Fundador de
Bitorocara se encontrava à venda na sede da ACALE – Academia
Campomaiorense de Artes e Letras e na Drogaria São Judas Tadeu, e
cujo produto da venda será doado para campanha comemorativa dos 300
anos de instalação da Freguesia de Santo Antônio do Surubim, o
Cláudio Rogério, no espaço destinado a comentários, postou a
seguinte observação: “É lamentável ver um evento de grandiosa
valia cultural para nossos munícipes ser tão pouco prestigiado.
Noto pelas fotos que nem nossos acadêmicos tiveram a fineza de
aparecer. Vai entender... Parabéns Dr. Elmar Carvalho, que Deus
continue iluminando sua mente para cada vez mais nos agraciar com
seus textos e obras”.
No espaço apropriado, logo abaixo do comentário supra,
cravei a seguinte resposta: “É, caro Cláudio Rogério, para você
ver como são as coisas... Eu só não desisto porque sou um tanto
teimoso e persistente, e realmente tenho vocação para as letras, e
não estou nessa luta por simples diletantismo”. A seguir, anunciei
que comentaria o lançamento em meu blog. Este registro de agora,
neste Diário, se destina a cumprir essa finalidade. Não irei
dissecar possíveis causas sociológicas e culturais, nem tampouco
farei conjecturas outras para tentar explicar o pouco número de
pessoas presentes ao evento.
Conforta-me o fato de que compareceram parentes e
pessoas de minha amizade e devoção, e que gostam de assuntos
históricos e culturais. Por outro lado, o genial escritor Machado de
Assis, em hipérbole às avessas, dizia ter apenas meia dúzia de
leitores, e o José Saramago, que era José Saramago, em vários
registros de seus Cadernos de Lanzarote, se dava por satisfeito
quando, em lançamento de livros ou palestras, contava com um público
de algumas poucas dezenas de pessoas.
Tudo isto me deu força e ânimo. Portanto, não me
deixei abater, e falei com a mesma vibração, firmeza e entusiasmo
como se estivesse falando para um grande auditório. É lógico que
lamentei a pouco assistência, pois iria falar de temas
campomaiorenses importantes, como aspectos de sua história, de sua
sociologia, de sua arquitetura, de sua bela paisagem, ao tempo em que
lançaria, como de fato o fiz, duas sugestões, que considero
relevantes e originais, ao menos em termos de Piauí, sobre as quais
me reportarei neste breve registro.
Sem querer polemizar, coisa que não é de minha índole,
disse que Bernardo de Carvalho e Aguiar, o senhor de Bitorocara, era
um homem de bem, que chegou a angariar o respeito de várias tribos
de índios; que vários grupos indígenas pediram para ficar sob sua
orientação, vez que ele não adotava os métodos brutais da Casa da
Torre; que chegara a libertar índios aprisionados por prepostos dos
Dias D' Ávila.
Aduzi que padre Cláudio Melo, em suas pesquisas,
inclusive em Lisboa, colhera a informação de que Bernardo, nos
momentos mais duros das campanhas chegava ao ponto de marchar a pé,
para que os feridos tivessem montaria, e que nas ocasiões em que o
alimento escasseava, ele se contentava em comer “uma só mão cheia
de farinha por dia, dando o mais a seus servidores que por vezes o
viram sem alimento de forma alguma”.
Expliquei que julgar-se um homem pelos padrões de hoje,
sem se levar em conta as leis, os costumes, as crenças, as
circunstâncias e os fatos históricos da época em que essa pessoa
viveu seria uma crassa injustiça e um anacronismo. Mas disse que,
pelos padrões de qualquer época, Bernardo de Carvalho pode ser
considerado um homem de valor e de bem, desde que não se proceda de
forma maniqueísta e preconcebida ideologicamente.
Afirmei, e isto está no meu livro, que o historiador
Cláudio Bastos, no verbete referente a Mandu Ladino, registra que o
padre Cláudio Melo considerava que esse indígena seria filho
natural de Bernardo de Carvalho, evidentemente tendo como mãe uma
índia. Acrescentei que mantive vários contatos pessoais com esse
eminente historiador e sacerdote, no período de 1995, ano em que ele
me prefaciou a segunda edição de Cromos de Campo Maior, até final
de 1997, quando fui o presidente do Conselho Editorial da Fundação
Cultural Monsenhor Chaves, em função de cujo cargo lhe solicitei,
algumas vezes, textos para as nossas publicações, tanto das obras
completas de Monsenhor Chaves, como da revista Cadernos de Teresina,
que era publicada com regularidade, a cada quatro meses.
Num desses encontros, Pe. Cláudio Melo me revelou ter a
convicção de que Mandu Ladino (provavelmente) seria filho de
Bernardo. Encaminho o leitor ao meu livro, em que teço maiores
considerações sobre essa hipótese. Esse historiador, em lisboa,
pesquisou vários documentos sobre a vida do fundador de Bitorocara.
Acho que essa convicção lhe veio da leitura desses velhos papéis.
Ele não tinha certeza absoluta quanto a essa filiação,
claro; tinha convicção, baseada em suas ilações, extraídas do
cotejo de diversos documentos. Chegou a me dizer, inclusive, que
estava pensando em escrever um romance histórico, em que Mandu
apareceria como filho de Bernardo de Carvalho. Lamentavelmente, sua
morte, acontecida um pouco depois, não lhe deu a oportunidade de
cometer essa grande façanha literária.
Após falar nesses dois grandes vultos históricos,
disse que um dos principais líderes da revolta popular Balaiada, o
Raimundo Gomes, alcunhado de Cara Preta, era filho de Campo Maior.
Então, após repetir que “somos o que somos; somos o amálgama de
três raças, e a nossa civilização é o cadinho do que elas
construíram ao longo dos séculos”, como coloquei em epígrafe no
meu livro, disse que o município de Campo Maior deveria erguer, na
Praça Bona Primo, um monumento às três raças.
A raça branca seria representada pelo fundador de
Bitorocara (Bernardo de Carvalho), a indígena, pelo seu grande líder
Mandu Ladino, e a negra, por Raimundo Gomes, o Cara Preta, porquanto
são figuras eminentes da História do Piauí. O monumento, além de
representação escultórica, deveria ter lápides com epígrafes de
Monsenhor Chaves e Pe. Cláudio Melo, nossos grandes historiadores,
sobre esses três grandes vultos históricos, ilustres representantes
das três raças que construíram a nossa civilização, da qual
fazemos parte, quer queiramos ou não. Talvez o monumento às três
raças viesse a servir de paradigma, em termos de homenagem, à
miscigenação piauiense e brasileira.
Referindo-me particularmente ao evento citado, eu diria que são percalços inerentes a quem se dedica a arte das letras. Temos infelizmente a famigerada cultura do culto ao não reconhecimento dos nossos grandes representantes, especificamente nesse item. As poucas pessoas que se fizeram presente a esse evento certamente representaram a enorme parcela que agradece as tantas vezes que a nossa urbe se fez cantada em versos encantadores de sua rica lavra.
ResponderExcluirMestre, fico feliz e reconfortado com palavras de pessoas de sua estatura moral e cultural.
ResponderExcluirObrigado.