terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Lisboa e Timon, publicista e misantropo



Fonseca Neto

Neste ano que termina o Brasil celebra João Francisco Lisboa, “o Timon maranhense”. Destacado intelectual da época do Império, sua escrita se constituiu enquanto ele um jornalista (na acepção do termo) e no viço historiógrafo. É patrono da cadeira 18 da Academia Brasileira de Letras.

Nasceu Lisboa em 22 de março de 1812, no interior da capitania do Maranhão, numa localidade do município de Itapecuru, que seria mais tarde a cidade de Pirapemas. Crescido e estudado em São Luís, aos vinte anos torna-se um agitador de ideias, militante do jornalismo partidário e já se tornando um prócer liberal da província, um “bentivi”.

Todo o Império do Brasil viveu com a sensação de “aceleração histórica” o tempo posterior a 1830, década seguinte ao fim do reinado de Pedro I. No Maranhão, época marcada por um estado de vibrações insurrecionais, a luta de partidos entra em máximo engalfinhamento – a década começa com a chamada “Setembrada” (1831) e termina com a “Balaiada”(1838-1841). A economia sinaliza desorganização, o dominato rural esforça-se por manter seus privilégios em nível de poder municipal e os políticos da capital inauguram a era das deputações provinciais. São Luís sinaliza um relativo decaimento em relação à virtuose metropolitana experimentada desde a era Pombal, ancorada pelo algodão – o “ouro branco” em pluma – além das perdas simbólicas de tornar-se (após 1808/1815) uma simples sede de poder provincial e não mais a capital de Estado, que tanto a empoderou nos séculos precedentes –o reino de Portugal, agora, estava sediado no Rio de Janeiro.

Nesse contexto, as lutas intestinas opõem fortemente “os maranhenses brasileiros” aos portugueses, que, em São Luís, nas baixadas do arredor e até em Caxias, boca dos sertões de dentro, assim se enfrentam em busca da hegemonia no poder local-provincial.

João Lisboa faz-se um arrebatador bentivi e quando no Iguará o vaqueiro Raimundo Gomes derruba a “bastilha da Manga” e põe em liberdade trabalhadores ilegalmente presos, em São Luís, sua pena escritora, como que faz tremer as estruturas do velho poder, tão lembradas e temerosas da quentura produzida pela queda de outra Bastilha, quatro décadas antes. Aliás, segundo biógrafos, era escrita em francês (de Jouy) a epígrafe de seu jornal “O Brasileiro”, de 1832: “Journalistes de tous les pays, élevez-vous au dessus des prejugés nationaux, dénoncez tousles crimes, nommez touss les coupables.” Já no tempo balaiense, batendo fortemente no governo conservador, atuava na “Crônica Maranhense”, autêntica tribuna bentiviana, acusada depois pela radicalização revolucionária. Acusação problemática, advirta-se, pois, ainda que “radicais”, os liberais recuam em sua condição de “classe”, quando esse movimento avança sobre as estruturas de poder e sobretudo da produção,nela agora confluindo negros aquilombados, além da vaqueirama e outros trabalhadores e oficineiros livres. Dessas idas e vindas, suas emoções elevadas e vicissitudes, não escapa o futuro “Timon Maranhense”, que delas saiu um verbo-inflamado liberal, misantropo, conformado, porém, nos limites da ordem imperial.

De São Luís, já figura notável, humanista, foi para o Rio de Janeiro; muito festejado. Sobre essa mudança e os anos seguintes dele, anotou seu amigo e principal biógrafo, Antonio Henriques Leal: “a 4 de julho de 1855, partiu esse notável escritor do Maranhão para a capital do nosso Império, onde foi honrosamente acolhido por todas as celebridades políticas e literárias, e tomou parte nas redações do Correio Mercantil e do Jornal do Comércio. [...]. Outros cuidados, porém, o chamavam à Europa, sendo nessas vistas auxiliado pelo nosso poeta, Antonio Gonçalves Dias, que pedira dispensa da comissão, que exercia em Portugal, de investigar documentos e outros subsídios para a nossa História, e fazer extrair cópias deles para o Arquivo Público e para o IHGB, indicando o nome de seu ilustrado comprovinciano para substituí-lo nesse importante e afanoso encargo. Sendo aceita a desistência de Gonçalves Dias, foi Lisboa nomeado, e em dezembro desse mesmo ano (1855) se fazia de volta a Portugal em companhia de sua família”.   

Lisboa faleceu na cidade de Lisboa, em 1863. Sua obra sobre corrupção – o “Jornal de Timon”, por exemplo – e outros males que afetavam o organismo social e político do Brasil de seu tempo, são letais até hoje e ajudam explicar os limites do liberalismo no Brasil.

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