Fotos: Antônio José de Mélo Carvalho |
24 de janeiro
NAVEGANDO O VELHO MONGE
Elmar Carvalho
No domingo, minha filha Elmara Cristina, cedo da manhã,
fugindo ao seu hábito de dormir até mais tarde, me recomendou
tivesse cuidado no passeio a barco que iria fazer, navegando o
Parnaíba. Disse-lhe para não ter preocupação, pois eu sabia nadar
razoavelmente ou mais. Ela retrucou, jogando uma ducha de água
gelada no meu entusiasmo algo fanfarrão:
- Pai, o senhor já está velho...
Em companhia de Antônio José, meu irmão, que foi o
repórter fotográfico da expedição lírico-etílico-ecológica e
do amigo Zé Francisco Marques, cheguei ao IATE às 10 horas em
ponto, conforme havia combinado com o delegado Roberto Carlos, que já
se encontrava no local, juntamente com seu amigo Valério Freitas
Mendes, procurador da Fazenda Nacional. Após os cumprimentos e
apresentações iniciais, posto que alguns de nós não nos
conhecíamos pessoalmente, desatracamos o barco e começamos o
passeio, seguindo em direção à estação de captação d' água de
Teresina, para fugirmos da poluição dos esgotos, cujos dejetos são
lançados diretamente ao rio, sem nenhuma forma de tratamento.
Disse ao Valério que havia sido aluno de seu tio, o
juiz aposentado Anchieta Mendes, em Parnaíba, no curso de
Administração de Empresas. Recordei que o seu pai, o professor
universitário Noé Mendes fora um grande ativista da cultura
piauiense, e dirigira a Fundação Cultural Monsenhor Chaves; fora
também um notável folclorista e um defensor da ecologia piauiense,
tendo participado de uma expedição que percorrera o rio Parnaíba
(salvo engano, desde as nascentes até o delta), no intuito de
verificar o seu estado de assoreamento e de degradação de suas
nascentes e matas ciliares. A embarcação recebera o nome bem
humorado de Barca de Noé.
Quando chegamos perto da bela e elegante ponte metálica,
o motor de popa deu sinais de que iria falhar, e efetivamente falhou.
Ficamos à deriva por breve momento, mas não perdemos a calma e nem
a compostura. O Valério, que pilotava a embarcação, fez imediatas
tentativas de ligar o motor, vindo ele a funcionar com toda
desenvoltura, enfrentando bravamente a forte correnteza, uma vez que
o volume d' água do Parnaíba aumentara de forma considerável, com
as recentes chuvas a montante de Teresina, sobretudo na região de
suas nascentes. Tanto que quase todas as coroas já estavam
completamente submersas, e a corrente fazia rolar touceiras de capim,
troncos, galhos e pedaços de ribanceiras.
No percurso, vimos as várias bocas de esgotos que
emporcalham o rio, o que nos causa viva repulsa, nos tempos
ecológicos de hoje. Pude notar que, em certos trechos, a mata ciliar
se mostra relativamente bem conservada, o que impede ou diminui o
assoreamento e dá beleza à paisagem ribeirinha. Em meados da década
de 70, participei de piquenique na floresta que havia perto da ponte
metálica, do lado de Timon, com o Otaviano, o Pinto e umas amigas.
Umas imensas mangueiras davam sombra e beleza ao aprazível local. No
início dos anos 80, ainda curti as coroas de areia, e nadei em suas
proximidades, sem medo e sem nojo de eventual poluição, que já
deveria existir na época.
Ao nos aproximarmos da chamada Ponte da Amizade, o
Valério e o Roberto nos chamaram a atenção para a estrutura e o
acabamento dela, e para que depois fizéssemos a comparação com a
denominada Ponte Nova, que na verdade já é uma das mais velhas
pontes de Teresina, cujo nome oficial é Ponte Engenheiro Antônio
Alves Noronha, piauiense, que projetou várias obras importantes,
como pontes, edifícios e viadutos. Foi ele uma das mais altas
autoridades do Brasil na área de cimento armado. É de sua autoria
o projeto da Ponte das Antas e do arsenal da Marinha, na ilha das
Cobras. Integrou a equipe responsável pelo projeto do Estádio
Maracanã. De fato (fechando o parêntese de homenagem ao engenheiro
Noronha), é notória a diferença estrutural entre uma e outra
ponte; a da Amizade parece esquelética e trôpega, ao passo que a
segunda se mostra robusta, com boa aparência externa, o que parece
denotar um serviço bem executado e de acordo com as especificações
técnicas, além da utilização de material de boa qualidade.
Ao contemplar a Ponte Engenheiro Antônio Noronha, me
recordei de que a atravessei quando eu tinha 16/17 anos de idade, de
carona em uma bicicleta, em companhia dos amigos Otaviano Furtado do
Vale e Carlos Cardoso, como se fosse uma grande aventura e
travessura, para irmos conhecer a cidade de Timon. No mais alto da
curvatura da ponte e do alto de minha bisonhice de adolescente,
lembrando-me dos magistrais versos de Da Costa e Silva, tentei
improvisar um poema, que assim começava: Ó Velho Monge...
Ainda bem que esse poema se perdeu nos cafundós de
minha memória. Não era digno do rio, não era digno do excelso
poeta, e nem mesmo de mim. De qualquer sorte, celebrava o Parnaíba,
cantava-lhe as águas, as matas ribeirinhas, as praias, as ilhas
fluviais. Talvez para compensar essa imprudente e afoita verve
poética juvenil, escrevi, na maturidade, o poema Amarante, que teve
boa acolhida por parte de amarantinos e de críticos literários, o
que me redime do cometimento daqueles versos que para sempre se
perderam no esquecimento, afogados nas águas barrentas do Velho
Monge, retratado em sua beleza pelo bardo amarantino, que deu a esses
versos telúricos o sutil veneno da suave melancolia e saudade que
lhe inundavam a alma.
Quando nos aproximamos da estação de tratamento d'
água da Agespisa, avistamos uma grande e copada árvore, que
debruçava os seus galhos/braços para o rio, como se estivesse a nos
chamar. Entendemos que ali seria o nosso porto seguro, e ali
atracamos o barco. A árvore nos deu sombra, encanto e beleza, e o
rio nos deu um banho gostoso, sem poluição, embora (ou por isso
mesmo) a correnteza estivesse forte, e as águas profundas. O retorno
foi uma outra grande aventura e ventura, mas me dispenso do trabalho
de enfadar o leitor com a sua narrativa.
O bravo Roberto Carlos conduzia uma tarrafa, e a lançou
ao rio. Talvez tenha sido uma exímia tarrafada, mas a rede ficou
presa nas raízes das árvores ribeirinhas. Desenganchar uma
armadilha desse tipo é perigoso, e requer experiência e habilidade,
pois a pessoa pode enredar-se nas malhas. Um pescador, que se
encontrava providencialmente perto, mergulhou nas fundas e barrentas
águas, e a retirou. Constatei, então, que o Roberto Carlos é um
grande delegado de Polícia, um bom amigo, um piloto de longo curso e
de invulgar competência, mas como pescador é um grande contador de
história.
Grande Poeta!
ResponderExcluirRetratou muito bem o agradável passeio dominical no "Velho Monge".
Grande abraço,
Valério.
Obrigado por suas boas palavras.
ResponderExcluirO passeio foi que foi bom demais.
Um forte abraço,
Elmar
Grande Elmar,
ResponderExcluirQuando falávamos ontem ao telefone, eu me encontrava exatamente atravessando a Chapada Grande, em Regeneração (veja que coincidência!), e a comunicação se interrompeu bruscamente.
Ia justamente lhe dizer que um passeio com Valério e Roberto, para qualquer lugar que seja, é um fantáscito passeio. Sendo no Velho Monge, então é um deslumbre para os olhos e para os ouvidos.
Gostei muito do seu texto. Em particular, as suas lembranças ocasionais são parênteses que enchem o texto de uma vivacidade impressionante. Vamos combinar para repetir essa dose juntos.
Um grande abraço,
Nazareno Reis
Gostei de sua proposta, amigo Nazareno Reis. Vamos repetir essa ventura/aventura. Sendo você um grande navegante, egresso de Sagres, o reforço será substancial.
ResponderExcluirAbraço,
Elmar
Grande Poeta Elmar, o passei, na minha modesta opinião, foi excelente, precisamos repetir a dose e desta feita com o Nazareno que ficou com água na boca, inclusive ele já participou de uma dessas expedições antes. Fica aqui meu agradecimento por ter me apresentado o Antonio José e o Zé Francisco Marques, pessoas maravilhosas. O texto retratou muito bem o passeio, como não poderia ser diferente.As fotos falam muito, porem o texto foi mais eloquente, pois escrito por um gênio. Agradeço a oportunidade de ter desfrutado da companhia do Poeta. confesso que da próxima vez mostrarei meus dotes de pescador e deixarei de lado o de bebedor. Abraços. Roberto Carlos
ResponderExcluirO passeio foi excelente.E foi ótimo estreitar laços de amizade com pessoas como você e o boa praça Valério. Haveremos de fazer nova expedição. Afinal, como diz o ditado antigo, navegar é preciso, viver não é preciso.
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