Francisco
Miguel de Moura
Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras
Orlando Geraldo Rego de Carvalho morreu na madrugada de
9 de novembro deste 2013. O escritor O. G. Rego de Carvalho, como
assinava, vai demorar muito. Só não será eterno porque não há
eternidade nesta vida. Como escreveu São Francisco de Assis, “é
morrendo que se vive para a vida eterna”. O. G. Rego de
Carvalho, sem ser poeta no sentido de versejador, deixou-nos a bela
poesia de seus romances e contos, cada vez mais sofridos e tão
musicais porque vindos do fundo da alma. Nasceu em Oeiras, aos 25 de
janeiro de 1930, em família tradicional da antiga capital do Piauí,
cuja cidade, nos antanhos, tinha o costume de construir cada casa com
um quarto já reservado aos loucos. Porém continua e continuará
sendo a cidade também dos músicos e letrados, cidade da
inteligência e da tradição, a cuja tradição O. G. Rego pertence.
E como não é da cidade que vamos tratar, voltemos esta homenagem a
nossa amizade, nossa admiração. Conhecia-o de leitura, antes de
aqui chegar. Era outubro de 1964. Ele viera do Rio de Janeiro, onde
exercia relevante função na Direção Geral do Banco do Brasil. E
eu aqui chegava, vindo da Bahia. Alguns dias ou semanas depois houve
o nosso encontro, já então colegas, no Banco do Brasil.
Restabelecida sua saúde, a qual tinha sido abalada pelo o esforço
dispendido para terminar “Rio subterrâneo” – “minha
obra prima”, dizia, já pensava escrever o romance “A maçã
partida”. A partir dali, já trabalhando no Banco do Brasil,
na Agência de Teresina, onde permanecemos até a aposentadoria,
convivemos estes anos todos, na melhor harmonia, não obstante o
árduo trabalho daquela empresa. E eu bebia de sua experiência de
vida e arte, enfim de sua sábia inteligência, a quem sou grato,
muito grato. Tenho orgulho de chamá-lo de meu colega, amigo e
mestre.
O. G. Rego de Carvalho nunca interferiu no trabalho que
sabia eu estar fazendo na Faculdade Católica de Filosofia do Piauí
– a famosa FAFI, ovo e estrela na Universidade que se formava.
Depois de pronto o meu “Linguagem e comunicação em O. G. Rego
de Carvalho” foi que o mostrei e ele demostrou alegria,
satisfação e surpresa. Ambos nos comportamos, também como se
previa, com a liberdade dos comunicadores, seja na imprensa, na
literatura, na crítica, no romance, na poesia.
Coincidentemente fomos morar de frente um para o
outro. Casas construídas sem combinação prévia, cujas habitações
ficavam (e ficam, pois ainda estão de pé) à Rua 13 de Maio, zona
Centro-Norte. Íamos para o trabalho caminhando... Era costume parar
um pouco na Livraria DILERTEC, ou do Nobre, onde batíamos um papo
gostoso e descontraído: chegando, entrando, comprando ou apenas
lendo e discutindo. As nossas casas foram construídas ao mesmo
tempo. E à tardinha ou nos dias santos e feriados nos freqüentávamos
para um “papinho” sem compromisso ou para pedir uma sugestão –
opinião que, em seu caso, nem sempre valia. Mais valia a de antes,
recebida de sua mãezinha. Já no meu caso era diferente, um
discípulo sempre é influenciado por seu mestre. O gosto da
conversa era ótimo e consolidava nossa amizade fora do local de
trabalho. A coisa lá era outra: quando ele ficava mais agitado, e
não eram poucas as vezes, gostava de caminhar pelo ambiente e falar
com os colegas de outras secções. Se um deles estava muito
atarefado, sem tempo de dar-lhe atenção, O. G. quebrava o ritmo do
serviço com esta observação:
- Colega, você está nervoso, acalme seus nervos!
- E o que posso fazer com tanto serviço e prazo para
entregar “ontem”?
- Tome haloperidol! - recomendava.
Era um dos medicamentos de seu uso no momento, passado
pelo médico, com quem ele discutia o problema psicoterápico com uma
sapiência que o esculápio ficava abismado. É isto mesmo. O
escritor O. G. Rego estudou profundamente a psicose chamada de
esquizofrenia, tanto que apenas na primeira crise a família teve que
o levar para o tratamento hospitalar especializado. Tão consciente
ficou do seu problema que, na segunda crise, ele mesmo foi e, por
conta própria, internou-se na casa de saúde para continuar o
tratamento.
Lembro que ele me conscientizava dos meus males:
ansiosidade, depressão... Em sua sabedoria e bondade, devia segredar
a si mesmo: “é assim que posso melhor ajudar o próximo”.
Religioso, mas não freqüente à igreja católica, salvo para levar
a mãezinha já bastante avançada na idade. Acreditava em Deus e nos
Evangelhos. Sobre estes, cito aqui não ipsis literis, pois
não anotei, mas o conteúdo real do que me disse:
- “Faça um leitura completa dos quatro evangelhos,
Chico, e não encontrará nenhuma contradição. É o suficiente para
acreditarmos que são verdadeiros”.
Deixou mulher e filho, D. Divaneide Carvalho e
Orlandinho, nos seus dois ou três anos idade (ainda tenho que me
certificar). Ela, professora, tradutora e poeta. O amor entre eles
começa pela literatura: Um trabalho para seus alunos, no colégio,
sobre a pessoa e obra de O. G. Rego de Carvalho. Assim, teve que
entrevistá-lo, e aí se apaixonou. Amor à primeira vista, que durou
para sempre. É ela a guadiã de sua memória e de suas obras, o que
não é pouco, tendo em vista o que deixou como extraordinário
escritor de pequena produção (“Ulisses entre o amor e a
morte”, “Somos todos inocentes”, “Rio subterrâneo, a
novela “Amarga solidão” e mais diversos contos espalhados
por jornais, revistas e antologias). Foram poucos os livros que
publicou, mas todos de grande valia, pelo estilo musical (poesia e
ritmo), sem se perder na abordagem da alma de seres perdidos pela
dor, angústia e solidão. Sua marca como profissional exemplar,
homem de caráter e sabedoria também não pode ser negada: será
também contada numa biografia que pode estar começando agora.
Francisco Miguel de Moura:
ResponderExcluirFoi bom que você logo se apressasse em escrever uma crônica com alma limpa e livre das amarras, constrangimentos e convencionalismos de quem fala de um escritor e de um amigo ainda em vida. Por isso, louvo-lhe sobremaneira a crônica objetiva, fiel e sincera acerca de um dos maiores ficcionistas do Piauí, autor que ainda se projetou um pouco nacionalmente e só não o conseguiu mais pelas conhecidas deficiências e injustiças de meio editorail brasileiro e pelas circunstâncias biográficas adversas vividas por O.G.Rego de Carvalho..
.O.G.Rego de Carvalho citado em grandes obras da "História da literatura brasileira",é abonação de verbetes do Aurélio e, quem sabe, seu nome anda espalhado por obras de crítica a que não tivemos acesso ainda.
Nunca li seu trabalho, Francisco Miguel, sobre a obra dele, nem o trabalho do Fabiano Rios. Não tive oportuidade ainda.
Sei também que Assis Brasil deu a O.G.Rego de Carvalho grande espaço na obras que escrevera sobre literatura brasileira, até mesmo o inclui - e isso foi um gesto de homenagem e respeito ao autor de "Ulisses entre o Amor e a Morte" - na pretigiosa e utilíissima obra de Otto Maria Carpeaux, "Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira" publicada" pelas Edições de Ouro,Rio de Janeiro, s/d..
Assis Brasil fora incumbido pela editora a preparar um "Apêndice" crítico biobliogrpáfico com sínteses valiosas dos novos autores contemplados,
No referido Apêndice,reunindo 47 autores, Assis Brasil aproveitou a oportunidaade para atualizar o dicionário de Carpeaux abrangendo, na época, um período de duas décadas, subsequentes à edição anterior, quando surgiram ou se firmaram figuras de relevo na literatura brasileira, distribuídas entre poetas, ficcionistas e criticos literários.
Quando estava fazendo os meus créditos do Mestrado na UFRJ,, tinha dois autores piauienses como escolha para o desenvolvimento de minha dissertação: Da Costa ae Silva e O.G.Rego de Carvalho. Até mesmo solicitei ao O.G.Rego de Carvalho, através de uma irmã que mora em Teresina, que fosse pedir ao escritor as duas obras que não tinha dele: "Ulisses entre o Amor e a Morte","Somos todos inocentes" e "Rio Subterrâneo", todos com autografados com estrema gentileza.
O. G. Rego de Carvalho mereceu de mim um pequeno e modesto ensaio que está no meu livro As ideias no tempo.Tenho, absloluta certeza de que esse escritor, por suas qualidade de ficcionista continua a merecer análises sob variadadas correntes do pensamento crítico contemporân eo. A sua força interior , oseu estilo, a sua capacidade de esstruturação romanesca, a sua linguagaem, os seus temas desafiam a nossa argúcia críticae nosso prazer de lkeitura e releituras no mais elevado sentido que a sua obra representa à produção fcccional brasileira.Foi um gran de que honra a inteligên cia piauiense de todos os tempos.