Milagre do gotejamento no calorão
José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
Não estou nem aí para incômodo calorão da minha terra. O que
me angustia, mesmo, a inatividade e falta de criatividade de nossa gente,
especialmente dos gestores, que ainda não se libertaram da cantilena fúnebre,
cuia na mão estendida para verbas e engabelação. Por simples feijão, quiabo e
maxixe, o piauiense recorre ao empreendedorismo de outros estados. No meu
quintal, porém, a cantilena é de louvor ao Criador.
Em pleno verão tórrido, sorrio, contemplando o plantio de
feijão, maxixe, quiabo e outras delícias no sítio. Atividade prazerosa e
saudável, especialmente desenvolvida sem interesses comerciais, mas para
consumo da família.
A fita para irrigação por gotejamento faz milagres, economiza
água e energia. Trata-se de um tecido maleável, resistente, com minúsculos
furos a cada 20 centímetros, encontrada nas lojas agrícolas, a custos
convidativos: 40 centavos o metro.
Iniciei o projeto com 50 metros, apenas: estiquei cada 10
metros de fita, ligando-a aos bicos do cano central. O sistema exige água
limpa, sem granitos, para fluir pelos poros da fiação. Em cada pontinho
irrigado, perfura-se o solo, enfiam-se sementes. Meia hora de gotejamento ao
dia. Após duas semanas, já se contempla o milagre sob a canícula, calor de
rachar, e um chapéu mexicano para sombrear o corpo. Tamanha alegria que me
estimulou a comprar mais 50 metros da fita milagrosa. Lembrando que a minha
experiência foi testada em solo hostil e pedregoso. As fruteiras exigem mais
tempo de irrigação. O calorão espanta as pragas.
A irrigação por gotejamento deve-se a tecnologia israelense,
atualmente utilizada até em desertos africanos. O Nordeste brasileiro, em
geral, ainda não se libertou do miserável primitivismo de Jeca Tatu e das
malandragens de gestores públicos. Inventa-se projeto megalomaníaco, como
transposição do rio São Francisco, para desvios de verbas federais. Na última
seca, o governo prometeu recursos para perfurar mil poços tubulares. Se
contá-los, falta de vergonha jorrará copiosamente, ou alguns poços em troca de
votos. O resto das verbas o gatuno comeu.
1.400 km de rio Parnaíba, se utilizados para projetos de
agricultura irrigada, abasteceria países de alimentos. Petrolina e Juazeiro, às
margens do rio São Francisco, evoluíram graças à agricultura irrigada, cuja
fruticultura abastece o Nordeste e mercado internacional. Por aqui, barragens
construídas com dinheiro público, como a de Piracuruca, servem de deleite a
banhistas e posseiros ricos. Frutas e verduras continuam descendo a Serra da
Ibiapaba.
Tente contar os órgãos governamentais ligados à agricultura.
Pergunta-se: de onde vêm as verduras e frutas?
Enquanto você esmiúça questões e causas discrepantes,
contemple a terra, dádiva dos céus, mas servindo de cantilenas fúnebres,
choramingando miséria. De quem a culpa? Enquanto rumina uma resposta, vou
desfrutar o verde, em pleno estio, por milagroso e barato sistema de
gotejamento. Pura água benta.
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