segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Milagre do gotejamento no calorão


Milagre do gotejamento no calorão

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Não estou nem aí para incômodo calorão da minha terra. O que me angustia, mesmo, a inatividade e falta de criatividade de nossa gente, especialmente dos gestores, que ainda não se libertaram da cantilena fúnebre, cuia na mão estendida para verbas e engabelação. Por simples feijão, quiabo e maxixe, o piauiense recorre ao empreendedorismo de outros estados. No meu quintal, porém, a cantilena é de louvor ao Criador.

Em pleno verão tórrido, sorrio, contemplando o plantio de feijão, maxixe, quiabo e outras delícias no sítio. Atividade prazerosa e saudável, especialmente desenvolvida sem interesses comerciais, mas para consumo da família.

A fita para irrigação por gotejamento faz milagres, economiza água e energia. Trata-se de um tecido maleável, resistente, com minúsculos furos a cada 20 centímetros, encontrada nas lojas agrícolas, a custos convidativos: 40 centavos o metro.

Iniciei o projeto com 50 metros, apenas: estiquei cada 10 metros de fita, ligando-a aos bicos do cano central. O sistema exige água limpa, sem granitos, para fluir pelos poros da fiação. Em cada pontinho irrigado, perfura-se o solo, enfiam-se sementes. Meia hora de gotejamento ao dia. Após duas semanas, já se contempla o milagre sob a canícula, calor de rachar, e um chapéu mexicano para sombrear o corpo. Tamanha alegria que me estimulou a comprar mais 50 metros da fita milagrosa. Lembrando que a minha experiência foi testada em solo hostil e pedregoso. As fruteiras exigem mais tempo de irrigação. O calorão espanta as pragas.

A irrigação por gotejamento deve-se a tecnologia israelense, atualmente utilizada até em desertos africanos. O Nordeste brasileiro, em geral, ainda não se libertou do miserável primitivismo de Jeca Tatu e das malandragens de gestores públicos. Inventa-se projeto megalomaníaco, como transposição do rio São Francisco, para desvios de verbas federais. Na última seca, o governo prometeu recursos para perfurar mil poços tubulares. Se contá-los, falta de vergonha jorrará copiosamente, ou alguns poços em troca de votos. O resto das verbas o gatuno comeu.

1.400 km de rio Parnaíba, se utilizados para projetos de agricultura irrigada, abasteceria países de alimentos. Petrolina e Juazeiro, às margens do rio São Francisco, evoluíram graças à agricultura irrigada, cuja fruticultura abastece o Nordeste e mercado internacional. Por aqui, barragens construídas com dinheiro público, como a de Piracuruca, servem de deleite a banhistas e posseiros ricos. Frutas e verduras continuam descendo a Serra da Ibiapaba.

Tente contar os órgãos governamentais ligados à agricultura. Pergunta-se: de onde vêm as verduras e frutas?

Enquanto você esmiúça questões e causas discrepantes, contemple a terra, dádiva dos céus, mas servindo de cantilenas fúnebres, choramingando miséria. De quem a culpa? Enquanto rumina uma resposta, vou desfrutar o verde, em pleno estio, por milagroso e barato sistema de gotejamento. Pura água benta.              

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