Política, a arte de dissimular
José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
Cronista, josemaria001@hotmail.com
“Nunca esquecerei que na retina de
meus olhos tinha” graduado policial, acusado de crimes de pistolagem, preso. A
caminho do julgamento, levantava a Bíblia e proclamava: “A justiça divina
provará a minha inocência!” Precisa explicar o que significa o ato de
dissimular?
Agora,
semelhante teatro aberto, sem julgamento nem condenação. Divulgados os
resultados das eleições, início de noite, viam-se candidatos vitoriosos, frente
às câmeras de TV, aos berros, feições embevecidas de inebriantes talagadas de
bebida. Rolavam lágrimas, orações, louvores aos céus. Confessavam virtudes
cristãs, consideravam-se vítimas do ódio de adversários. Abraçados, rezavam Pai
Nosso, gritavam mais forte ao “assim perdoamos a quem nos tem ofendido”. Só não
erguiam a Bíblia, assim ficasse mais perfeita repetição. Agradeciam à justiça
divina as bênçãos alcançadas nas urnas, porque a humana é pífia. Em defesa dos
interesses partidários e pessoais, pesa o bom papo, retórica melosa,
embromação, hipocrisia, dissimulação e engodo. Acrescente-se velha marca de
sabonete “vale quanto pesa” sobrenome, parentesco, pedigree, dinheiro
surrupiado das verbas públicas ou do tráfico e assaltos. Levantem a Bíblia,
proclamem o nome do Senhor, em vão. Um dia, a casa cai.
Dissimular,
ato de ocultar, encobrir com astúcia, não dar a perceber, não revelar
sentimentos ou desígnios encrustados no espírito. O dissimulador nunca confessa
mea culpa de suas mazelas. Sempre se faz de vítima. Sempre encontra um vilão: a
crise internacional, as elites, golpistas, imprensa, FHC, imperialismo
americano. Ou “eu não sabia de nada”.
Conhece o
truque para adestrar um animal malabarista? Dê-lhe nacos de ração a cada
exibição. O animal fixa seu animador, porém o que lhe interessa é mais raçãozinha.
E assim o show continua, bem como a submissão por uma merreca de comida.
Eleitor ingênuo lembra animal adestrado, mas submisso a tiquinhos de
sobrevivência. Qualquer cédula de cinquentinha compra um voto. Conhecido
político confessava com cinismo, aos risos e deboche: “Povão não quer saber de
obras públicas, mas de um abraço apertado, uma cachaça de graça, 10 reais,
barriga cheia de arroz e panelada na feira. Quanto mais pinta de rico, melhor.
Até vigário se dobra. Essa história de político correto só vinga na capital.
Honesto não tem vez. Corrupto, malandro, arrebenta, tá eleito”.
Dissimulação é
a arte da sobrevivência dos mais fortes e valiosos em meio aos mais fracos. Não
existe linha religiosa que defenda tão danosa política de convivência humana. A
mensagem de Cristo é curta e grossa: “Seja o vosso sim, quando for sim; não, se
for não.” Condenou o farisaísmo da elite da época, “sepulcros caiados por fora,
mas a imundície por dentro”. Ou “dai a César o que é de César, e a Deus o que é
de Deus”. O dissimulador, imagem do Maligno, que acompanha a humanidade desde o
princípio, no jardim do Éden. Que tentou o Mestre no deserto, prometendo-lhe
poder e fortuna. E se serve, hoje, até do nome de Deus, para comover multidões,
conquistar votos. As retinas de nossos olhos não se cansam de assistir a
espetáculos que, se não cuidamos, cometemos maior pecado, o da cumplicidade.
Pelo menos, no Brasil, a política virou espetáculo da dissimulação.
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