26 de março Diário Incontínuo
FANFARRA DE BEM-TE-VIS
Elmar Carvalho
Nestes últimos dias a
temperatura de Teresina esteve amena, agradável. Para nosso padrão, chegou a
fazer certo frio, durante as madrugadas. Também caíram umas boas chuvaradas.
Talvez por isso, nas proximidades do condomínio Vila Formosa, os bem-te-vis
estiveram bastante alvoroçados e alegres. Acordei sob uma “alvorada” desses
festivos passarinhos.
Em mais de uma ocasião
já falei sobre os bem-te-vis da Várzea do Simão. Josué Montello, notável
escritor, esmerado estilista de nossa literatura, de linhagem machadiana, já
escreveu sobre os bem-te-vis de sua São Luís do Maranhão. Em muitas passagens
de sua lavra ouvimos o alvoroço dessas alegres aves.
Num de seus livros, já não
recordo qual, Josué discorreu sobre as sutilezas desse cantar, demonstrando que
ele não é monocórdio, como muitos desatentos pensam, mas que, ao contrário, tem
vários arranjos e variações sobre o mesmo tema – bem te vi. Esses trinados e
gorjeios têm as suas repetições, prolongamentos e modulações, que lhes tiram a
aparente mesmice.
Sem dúvida o bizarro e
original poeta Sousândrade também os ouvia, quando eles alegravam as manhãs e a
melancolia das tardes, empoleirados nas árvores da quinta da Vitória, por onde,
perto da casa solarenga do vate, corria o Anil, não sei se anilado ou barrento.
Dali, na descrição do grande memorialista Humberto de Campos, se descortinava à
distância a Ponta d’ Areia e o oceano. O oceano embrulhado em seu barulho azul,
como nos versos de Gullar. Segundo HC, em seu Diário Secreto (edição da
Fundação Geia, 2010, pág. 360), à sombra das árvores o poeta, “de bruços, no
chão”, lia Homero no original.
Voltando aos
bem-te-vis, agora mesmo escuto-lhes a cantiga de admoestação. Muitos tentam
esconder-se, por causa de seus crimes, mas parece lhes perseguir o olho
onisciente do Senhor, através do remorso. O canto do bem-te-vi, segundo a
crença popular, é como se fosse, na mensagem da onomatopeia, uma advertência às
nossas faltas e pecado: bem te vi, parece dizer a voz onisciente de Deus
através dessas aves.
Com a sua vistosa e
galante plumagem, e com a sua cantiga álacre, esse brioso passarinho, que chega
a afugentar gaviões e carcarás das cercanias de seu ninho, por causa de
episódio que já narrei neste Diário, tornou-se, para mim, o símbolo alado de
minha saudosa mãe. Por isso mesmo a Fátima fez que lhe desenhassem no painel
estampado à entrada do sítio Filomena. Não posso ouvi-lo ou vê-lo, que não me
lembre de minha mãe.
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