25 de junho Diário Incontínuo
MESTRE CHICO E A
LITERATURA DO PIAUÍ
Parte II
Elmar Carvalho
Ao longo de muitos anos
pude constatar que o poeta Francisco Miguel de Moura foi um grande pesquisador,
tanto da história de nossa literatura como também de teoria e novos recursos da
linguagem literária. Percebi que ele tinha a mente aberta às mais diferentes
propostas e soluções. Sem ser propriamente um cerebralista, nos moldes de um
João Cabral de Melo Neto, escravo do trabalho e da “transpiração”, buscou
sempre as inventividades e as coisas boas da chamada vanguarda.
Nesse aspecto, poderia
dizer que, em muitos textos e em algumas de suas fases, foi um experimentalista,
na busca incessante da renovação do seu fazer literário, tanto na prosa como na
poesia. Creio que talvez ele tenha sido o primeiro (ou pelo menos um dos
pioneiros) a utilizar os postulados do concretismo no Piauí, mormente com a
prática do verbi-voco-visual. Nesses textos fez uso de um discurso contido, mas
com a observância da sonoridade das palavras e da visualidade ou disposição das
palavras na página em branco, por vezes formando uma espécie de carmen
figuratum. Mas sem descurar do conteúdo, de que sempre foi cioso.
Fora a sua contribuição
pessoal, escrevendo os seus textos e publicando os seus livros, foi também um
notável editor, que teve o desprendimento de publicar contos, crônicas e poemas
alheios. Foi o primeiro a publicar uma antologia de contos, na qual reuniu os
mais importantes ficcionistas da época, que depois se firmaram em nossa
literatura de todos os tempos. Essa obra coletiva foi intitulada Piauí: terra,
história e literatura (1980), em cujo texto introdutório o seu organizador
(FMM) esclarece:
“A aparição dessa
primeira antologia ou seleção da história curta, no Piauí, mostra o quê? Até
então ninguém tinha pensado nisto, ou, se pretendeu realizar, não pôde transpor
os obstáculos. Mostra que – tento responder – a literatura em prosa existe,
entre nós, como em poesia. Sendo pioneira, é por esta reunião que, no futuro,
se aquilatará documentariamente o esforço de duas gerações. E suas pequenas mas
válidas conquistas. Aqui temos uma ideia do enfoque do homem piauiense, através
da ficção miúda.”
Publicou, durante sete
anos (1977-1984), a revista Cirandinha, num total de dez números. Esse
importante periódico literário acolheu diversos autores piauienses,
divulgando-lhes os poemas, os contos, as crônicas e outros textos. Cirandinha
também publicou entrevistas e depoimentos de intelectuais do Piauí e do Brasil,
como Celso Barros Coelho e Ferreira Gullar. Eu mesmo tive a satisfação de ter
sido colaborador de um dos seus números, tendo um de meus poemas sido estampado
numa de suas páginas, quando eu ainda era um bisonho poeta interiorano.
Publicou ainda, sob a
forma de encartes, importantes obras de nossa literatura, como a novela Amarga
Solidão, de O. G. Rego de Carvalho, e a peça teatral Reino do Mar sem Fim, de
Francisco Pereira da Silva, campomaiorense, um dos maiores teatrólogos brasileiros.
Além disso, a revista publicava notícias literárias e tinha uma postura
combativa contra a ditadura militar, de maneira especial contra as eleições
indiretas e a censura.
Nos anos 1990, Chico
Miguel, na qualidade de presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural
Monsenhor Chaves, continuou em sua vocação de editor. Como se estivesse
involuntariamente lhe seguindo as pegadas, durante quase cinco anos fui o
editor e presidente do Conselho Editorial dessa Fundação. Tive a oportunidade
de contribuir para a publicação de importantes livros, entre os quais a
primeira edição de Os Literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha
e as Tiranias do Tempo, de Teresinha Queiroz, A poesia piauiense no século XX
(FCMC/Imago), antologia organizada por Assis Brasil, e o monumental Dicionário
Histórico e Geográfico do Estado do Piauí, que consumiu 30 anos de pesquisa de
seu autor Cláudio Bastos. Durante meu período, a importante revista literária e
cultural Cadernos de Teresina foi publicada de forma regular. A cada quatro
meses, essa revista e vários livros eram lançados em verdadeira festa literária.
Esforcei-me para que Cadernos de Teresina tivesse uma boa programação visual e
para que os livros tivessem bonita capa e fossem bem editados.
Como todos reconhecem,
Chico Miguel, em sendo talvez o último polígrafo do Piauí, é também um
importante crítico literário, graças a seus estudos acadêmicos e esforço
pessoal contínuo. Já deu provas disso através de vários textos e livros,
sobretudo da obra em que analisou e interpretou a romancística de O. G. Rego de
Carvalho. Coroou esse mister literário quando publicou a primeira edição de
Literatura do Piauí.
Agora, como uma enorme
contribuição à literatura piauiense, a editora da Universidade Federal do Piauí
(EDUFPI) lhe publica a segunda edição, revista e aumentada. A obra traz um
volume de informações muito grande. Enfoca os grandes autores do passado e os
que estão se firmando no presente. Em sua reconhecida franqueza e sinceridade,
não faz concessões às amizades pessoais.
Em sua didática
organizacional, optou por dividir a nossa literatura em gerações, de acordo com
os critérios adotados, e devidamente explicitados nos textos que antecedem cada
grupo, nos quais são feitos o histórico e análise de cada geração. São
estudados, sobretudo, os literatos, em sentido estrito, mas também são
incluídos os principais historiadores, dramaturgos e críticos literários.
Podemos dividir
didática ou esquematicamente o livro nas seguintes partes: Teoria, Gerações
Históricas, Modernidade, Atualidade, A Crítica e Antologia da Crítica. No
segmento Gerações Históricas incluiu três gerações e mais o modernismo, neste
abrigando os poetas que tangenciaram o modernismo, ou que o praticaram de forma
esporádica ou tímida, ou apenas circunstancialmente. Essa escola, como FMM
reconhece, só chegou ao Piauí tardiamente. Considera José Newton de Freitas
como sendo o verdadeiro introdutor do verso moderno em nosso estado.
Em “Modernidade”, após
concluir na parte teórica, com o crítico Wilson Martins, que depois do
Modernismo não mais existem escolas literárias, mas apenas movimentos, incluiu
três gerações: a Meridiano (da qual foram referidos M. Paulo Nunes, Afonso
Ligório Pires de Carvalho, O. G. Rego de Carvalho, A. Tito Filho, Fontes
Ibiapina, Assis Brasil, Álvaro Pacheco e H. Dobal), a do CLIP (da qual foram
principais representantes Francisco Miguel de Moura, Hardi Filho, Herculano
Moraes e Magalhães da Costa) e a Marginal (também conhecida como Geração 70 ou
do Mimeógrafo). Estuda os principais membros dessas gerações. Informa que a
última geração surgiu pioneiramente no interior do estado, e não na capital;
que, “tanto em Picos quanto em Parnaíba, duas publicações eram feitas em
mimeógrafo: Voz do Campus e o Linguinha”.
Pertenço à Geração
Marginal ou 70, e estou na companhia, entre outros, dos seguintes literatos:
Alcenor Candeira Filho, Paulo Machado, Cineas Santos, Durvalino Couto Filho,
Nelson Nunes, João Pinto, José Ribamar Garcia, Rubervam Du Nascimento, Menezes
y Moraes, Oton Lustosa e William Melo Soares. Entre os mais jovens, foram
citados Dílson Lages Monteiro e Lara Larissa. Ainda, pertencentes a essa
geração, foram mencionados os teatrólogos Aci Campelo, Wellington Sampaio e
Afonso Lima. Por fim, foi referida a Geração do Milênio, da qual foram citados
os escritores e poetas Ana Miranda, Adrião Neto, Beth Rego, Carlos Alberto
Gramoza, Chico Castro, Carvalho Neto, Climério Ferreira, etc. Uma curiosidade:
o poeta Rubervam Du Nascimento foi mencionado como sendo também violinista,
faceta que lhe desconhecia.
Os verbetes são mais ou
menos longos, conforme o merecimento atribuído aos autores. Não foram arrolados
apenas dados biográficos e obras, mas foram emitidos comentários críticos,
ainda que eventualmente sucintos. Os principais literatos foram contemplados
com até três textos de sua autoria, de modo que Literatura do Piauí é ainda uma
cuidadosa seleta. Seguindo o seu pioneirismo, FMM achou por bem incluir na
parte final da obra uma “antologia da crítica”, na qual foram coligidos artigos
e ensaios de diferentes autores. Evidentemente, conforme suas preferências,
gosto pessoal e idiossincrasias, o leitor poderá entender que determinado
literato deveria ser excluído, e que outro deveria ser citado. Mas isso sói
acontecer em qualquer listagem de “maiores” ou “melhores”, sobretudo em campo
tão subjetivo como é a arte literária.
Em suas quase
quatrocentas páginas de análises, comentários críticos, história e informações
diversas, Literatura do Piauí é uma monumental obra, que prova, definitivamente,
de uma vez por todas, que a literatura piauiense existe, e que não cabe mais
nenhuma dúvida quanto a isto.
.....e as lembranças ficam presas na moldura de um retrato.
ResponderExcluirhlima/sp
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirElmar, demais o se trabalho e tempo despendido em fazê-lo. Obrigado por tudo. Não pensei que merece tanto elogio assim, de uma vez em duas crõnicas literárias. Abraços.
ResponderExcluirfrancisco miguel de moura
P. S. Sei que o meu trabalho deve ter falhas, mas os historiadores do futuro, das futuras gerações encarregar-se-ão de corrigi-las, pois cabe a cada geração fazer a sua pare. Mais uma vez obrigado, pela justeza de sua apreciação.
Caro Chico Miguel,
ResponderExcluirVc merece o que eu disse e muito mais.
Num livro do porte do seu, com um volume muito grande de informações, análises e comentários críticos, é possível que tenha algum equívoco; quem tiver, por ventura, algum reparo a fazer, deveria lhe enviar uma carta ou e-mail, para eventual correção na próxima edição.
Abraço,
Elmar
Poeta, Eu pesquiso a História da literatura em Campo Maior, estou com muita vontade de adquirir esse material, como eu faço??
ResponderExcluirO livro do Chico Miguel está à venda na livraria Monsenhor Melo - Universidade Federal do Piauí.
ExcluirMeu Contato:
ResponderExcluirMonografiaabreu@hotmail.com
Olá, poeta, tudo bem?
ResponderExcluirSou estudante da UESPI e estou ajudando meu orientador em um trabalho. Gostaria de saber se você pode nos ajudar. Você teria o contato de Carlos Alberto Gramoza? Se sim, e caso queira, nos informe. Isso seria de grande ajuda.
Meu e-mail é samuelcampelo27@gmail.com
Desde já, desejo sucesso!!
Abraços
Não tenho contato com o Gramoza. Ouvi dizer que ele teria vindo morar em Teresina. Tem uma irmã dele que trabalha no TJ-PI. Talvez alguma pessoa de Amarante, como o poeta Virgílio Queiroz, pudesse lhe dar alguma informação.
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